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Max Weber (1994) descreve as ações racionais relativas aos fins e ao valor. A primeira remete a um propósito específico, com meios calculados e previstos para alcançá-lo. A segunda se refere a um fim em si mesmo, a um valor absoluto.

Na obra Dialética do Esclarecimento, Adorno e Horkheimer (1997) afirmam que a sociedade moderna encontra-se regida por uma forma de razão denominada racionalidade instrumental, também chamada de econômica, correspondente àquela chamada de formal ou funcional por Weber.

Eugène Enriquez (1996) afirma que a racionalidade instrumental é a forma de razão que prevaleceu no mundo ocidental após o surgimento do capitalismo. Para o autor, esta forma de racionalidade fez prevalecer a questão como sobre a questão por quê, em um ambiente macrossocial onde a economia tomou o posto de comando da sociedade, disseminando a noção de que todos deviam trabalhar e contribuir para o aumento das riquezas, e onde tudo é passível de racionalização, de quantificação, de matematismo. Guerreiro Ramos (1989) utiliza a expressão “o homem como ser que calcula”.

A razão, deste modo, ficou preponderantemente subordinada à técnica, ao cálculo da relação custo-benefício, isto é, baseada em elementos mensuráveis ou quantificáveis. Os valores democráticos e subjetivos tornaram-se de segunda ordem e, em consequência disso, não são considerados variáveis humanas e sociais, tais como a ética e a valoração, que não são passíveis de serem simplesmente processadas através de um sistema de equações (ENRIQUEZ, 1996).

Aktouf (1996 apud Lima, 2003, p. 7) observa na razão instrumental um traço onde “Quase todos compartilham a convicção de que acumular constantemente mais riquezas, e produzir bens são os pilares incontornáveis de uma incessante melhoria de nossas condições de vida”. A idéia de suficiente é uma categoria cultural, existencial, e não econômica. Ao se definir o que e quanto basta, resulta dizer que mais seria inútil e não melhoraria a vida. O “espírito do capitalismo” separou o trabalho da necessidade, e o trabalho deixou de guardar relação com a satisfação. A racionalização econômica e a contabilização excluíram as ideias de suficiente e excesso. Nenhuma riqueza é grande demais, a ponto de não poder se tornar maior, e, portanto, melhor (GORZ, 2007).

Serva (1996, p. 342) desenvolveu o conceito de ação racional instrumental, onde: “Ação baseada no cálculo, orientada para o alcance de metas técnicas ou de finalidades ligadas a interesses econômicos ou de poder social, através da maximização dos recursos disponíveis”.

Nas organizações, predomina a instrumentalização da ação social e relações sociais mecanicistas, em que a divisão do trabalho é um elemento-chave (TENÓRIO, 2008).

A partir do uso extremado da racionalidade instrumental, o ambiente organizacional, distanciado de uma noção ético-valorativa, pode tornar-se propício ao abuso de poder, à dominação, à dissimulação de intenções. Isto pode acabar resultando em degradação da qualidade de vida, produzindo uma atmosfera incapaz de prover a satisfação e a realização humana (SERVA, 1996).

Uma situação como esta, acima descrita, pode gerar um ambiente falso, quando, por força do autoritarismo do sistema de relações de trabalho, é instigada a superconformidade dos participantes, encobrindo, desse modo, os descontentamentos com o sistema. Uma estrutura assim autoritária nas organizações pode provocar o que Guerreiro Ramos denomina "revolução silenciosa" dos subordinados, onde estes, "em conflito com os dirigentes, filtram, distorcem, sonegam e ocultam informações deliberadamente, uma vez que não se sentem identificados com a organização" (RAMOS, 1983, p. 66).

Gorz (2007) explica como o aumento do tempo livre pode contribuir para o despertar dos indivíduos e contestação da racionalidade econômica.

Em suma, aumentando seu tempo livre, os indivíduos podem subtrair-se à ascendência de patrões e de sindicatos (...). Podem, sobretudo, escapar ao domínio da racionalidade econômica, descobrindo que mais não quer necessariamente dizer melhor, descobrindo, portanto, que pode haver reivindicações mais importantes que as reivindicações salariais. Mais importantes, porém mais perigosas para o patronato, para a ordem social, para as relações de produção capitalistas, porque implicam uma contestação radical (...) Ora, os trabalhadores só descobrirão os limites da racionalidade econômica quando suas vidas não forem inteiramente preenchidas e suas mentes inteiramente ocupadas com o trabalho; quando, para falar de outro modo, um espaço suficientemente amplo de tempo livre a eles se abra para que possam descobrir uma esfera de valores não quantificáveis, os valores relativos ao “tempo de viver” da soberania existencial. Ao contrário, quanto mais o trabalho é coercitivo por sua intensidade e sua duração, menos o trabalhador é capaz de conceber sua vida como um fim em si mesma, fonte de todos os valores; e mais ele é levado a mercadejá-la, isto é, a concebê-la como um meio para alguma outra coisa que valeria por si só, objetivamente: o dinheiro (GORZ, 2007, p. 117-118).

Na década de 1990, Gorz (2004) identificou uma tendência de mudança cultural. A decadência dos valores familiares conjugada à precariedade e falta de consistência do papel social que a profissão conferia a um indivíduo, levou-o a buscar mais ativamente definir o seu

próprio papel social, ao invés de aceitar ou esperar passivamente que a sociedade o faça. A profissão e o emprego perderam força na construção da identidade pessoal. Os indivíduos passaram a procurar fora do trabalho os meios “de sua autoafirmação e de uma vida mais rica, livre e solidária” (Gorz, 2004, p. 72). O autor denomina “sociedade do tempo escolhido” e da “multiatividade” aquela que desloca a principal força de elo social da população, regulada pelo mercado e pelo dinheiro, para as relações de cooperação, guiadas pela reciprocidade e mutualidade.

Chamados de “heróis obscuros da precariedade” (GRELL & WÉRY, 1993 apud Gorz, 2004) e “pioneiros do tempo escolhido” (HÖRNIG et al., 1990 apud Gorz, 2004), uma parcela da sociedade passou a resistir à razão econômica e, por meio de questionamentos, intenções e projetos, priorizar a liberdade de agir e a autonomia.

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