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Não se almeja fazer a contabilidade de recursos financeiros aplicados pelos atores envolvidos no projeto das Oscips. Trata-se aqui de recursos num sentido mais amplo, incluindo as noções de organização, mobilização, informação, legitimidade, elaboração de discurso e criação de espaços para debate. Serão detalhados os casos mais emblemáticos da aplicação de recursos não estatais, um deles favorável ao projeto das Oscips e um contrário.

Um olhar em perspectiva sobre o envolvimento das associações econômicas com o tema das Oscips sugere que a alocação mais forte e constante de recursos foi feita por esses atores. Isso porque a transferência de serviços não exclusivos de Estado para organizações sociais, chamada de publicização, é uma das principais propostas da Agenda 2020, movimento lançado em 2006 e mantido pelas federações empresariais, entre elas duas entrevistadas, Federasul e Fecomércio. Na sua comunicação com a população, no entanto, a Agenda 2020 evita ser vinculada ao setor econômico.

A estratégia surgiu após críticas levantadas por sindicatos ainda em 2006, ano em que o movimento era embrionário. Para uma parte do movimento sindical, a Agenda 2020 é um instrumento usado pelo setor empresarial para sustentar sua

pauta neoliberal para o setor público. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) se recusou a participar dos fóruns da organização por considerar haver um desequilíbrio na representação de empresários e trabalhadores e a ausência de movimentos sociais importantes como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) (ZERO HORA, 2006c, p. 24). Assim, para evitar o carimbo de uma ação empresarial, a Agenda 2020 se define como um movimento da “sociedade gaúcha” formado por mais de 100 entidades participantes, uma secretaria executiva formada por técnicos e 250 voluntários.

A Agenda 2020 é um movimento da sociedade gaúcha que objetiva, por meio de propostas e projetos, transformar o Rio Grande do Sul no melhor Estado para se viver e trabalhar até o ano de 2020. É a criação de uma visão de longo prazo para o desenvolvimento econômico e social do Rio Grande do Sul. A Agenda é a ferramenta para atingirmos o “Rio Grande do Sul que Queremos” em 2020 (AGENDA 2020, 2009, p. 8).

A estratégia dos organizadores da Agenda 2020 é torná-la reconhecida como um movimento espontâneo da sociedade civil organizada, uma forma de despolitizar sua pauta, construir uma noção de pluralidade de interesses e reduzir o impacto da resistência a iniciativas lideradas pelo setor econômico. Os vínculos do movimento com as federações empresariais não aparecem nem mesmo no relatório das atividades do movimento (AGENDA 2020, 2009). As cinco entidades responsáveis por impulsionar o projeto sequer são citadas no documento. São elas: além de Fecomércio e Federasul, Federação das Indústrias (Fiergs), Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas (FCDL) e Federação da Agricultura (Farsul). A tentativa de desvinculação é tão evidente que até mesmo o local do lançamento da iniciativa, nos dias 8 e 9 de março de 2006, é omitido no trecho do relatório que faz um histórico da Agenda 2020. O evento ocorreu na Federação das Indústrias do Estado (Fiergs) (ZERO HORA, 2006d, p. 9).

Lançada quase um ano antes do início da gestão de Yeda Crusius, a Agenda 2020 pregava a publicização de serviços públicos já nos seus primeiros passos. Em julho de 2006, a publicização fazia parte do pacote de 90 propostas elaboradas pelo movimento para o desenvolvimento do Rio Grande do Sul (ZERO HORA, 2006e, p. 8). Desde lá, em reuniões e fóruns periódicos, em participações em eventos, feiras e audiências públicas e em instrumentos de comunicação como página na internet, a Agenda 2020 busca promover sua pauta para o Estado.

Num exame ainda mais aprofundado, é possível dizer que o comprometimento das cinco federações econômicas do Estado com a publicização é ainda mais antigo. Um documento datado de dezembro de 2004 e assinado pelas cinco entidades já erguia a bandeira do modelo das organizações sociais. No texto, batizado como “A crise do Estado: Reformas para Racionalizar a Máquina Pública” são identificados 36 órgão estaduais passíveis de conversão para Oscips.

Sob qualquer ângulo que se analise o processo de publicização, são indiscutíveis as vantagens quanto à eficiência da gestão, de racionalização financeira e de atendimento do interesse público. Entre as diversas razões, pode-se citar uma: o modelo termina com a aberração existente na administração pública brasileira, que concede estabilidade funcional para profissionais que cumprem funções técnicas ordinárias (isto é, que não integram as “carreiras de Estado”). Isso significa que, por exemplo, ao contratar músicos para nossas orquestras sinfônicas, estamos tornando-os funcionários públicos estáveis (FARSUL; FCDL; FECOMÉRCIO; FEDERASUL; FIERGS; PÓLO RS, 2004, p. 6).

Mais uma vez, pelo trecho destacado acima, evidencia-se que a imaginada neutralidade da Agenda 2020 e sua pauta construída de forma conjunta entre organizações da sociedade civil teve forte influxo do pensamento forjado dentro das federações empresariais.

Nenhum outro grupo de atores identificado pela pesquisa demonstra capacidade semelhante de aplicação de recursos. É possível destacar o esforço realizado pelo movimento sindical, principalmente dos grupos voltados contra a transformação da Fundação Cultural Piratini, que reúne as emissoras TVE e FM Cultura, em Oscip. Para evitar a transferência dos serviços, sindicalistas tentaram barrar a aprovação do marco legal. Segundo Alexandre Leboutte, representante dos funcionários no conselho deliberativo da Fundação Cultural Piratini, as entidades contrárias à transferência das emissoras para Oscips organizaram três seminários ao longo de 2007.

O primeiro ocorreu no Sindicato dos Radialistas em dois sábados de maio, cinco meses antes de o governo do Estado apresentar o projeto de lei e encaminhá-lo para a Assembleia Legislativa. Participaram o sociólogo e doutor em Ciências da Comunicação Laurindo Leal Filho, especialista em televisões públicas e professor da Universidade de São Paulo; o jornalista Celso Schröeder, coordenador do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e professor da PUCRS; Yacira Meira, funcionária da TVE Brasil; Valdir Nascimento, membro do

Sindicato dos Radialistas de Minas Gerais; Nascimento Silva, da Federação Estadual de Trabalhadores em Radiodifusão e Televisão (FITERT); e José Gacez, então presidente da Radiobrás.

Em junho, foi realizado o segundo encontro, no Teatro Dante Barone, na Assembleia Legislativa, com a presença do mestre em Direito Tarso Violin, estudioso das parcerias do terceiro setor com o poder público e professor da Universidade Estadual de Londrina. Por último, houve um painel em 14 de setembro no Sindicato dos Bancários, que recebeu o nome de “SOS TVE e FM Cultura: Caráter público ou Oscip?”. A principal painelista foi a doutora em Administração e professora da UFRGS Maria Ceci Misoczky.