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A crise do Estado do Bem-Estar Social e as limitações do modelo burocrático desembocaram em reformulações da administração pública. O governo Margaret Thatcher (1979-1990), no Reino Unido, foi o responsável pelas primeiras experiências de implantação de um sistema gerencial puro. A principal marca do modelo era o caráter estritamente economicista, focado apenas no corte de custos e pessoal e no aumento da eficiência (ABRUCIO, 1997). Na época, havia um contexto intelectual favorável às mudanças na administração pública com influência da lógica da produtividade existente na iniciativa privada. Até aquele momento, a avaliação do desempenho do aparato estatal estava concentrada somente na questão do cumprimento ou não dos processos administrativos de acordo com as regras legais e éticas estabelecidas.

O gerencialismo puro, no entanto, era limitado. Abrucio (1997) ressalta que o modelo, também chamado de managerialism, não compreendia a efetividade dos serviços públicos, ou seja, o grau em que determinada política conseguiu atingir o resultado esperado. A reforma era implantada na administração pública como se fosse neutra e independente do mundo político. Faltava, porém, avaliar a qualidade dos serviços.

A valorização do conceito de efetividade também traz novamente à tona o caráter político da prestação dos serviços públicos, uma vez que são os usuários dos equipamentos sociais que de fato podem avaliar a qualidade dos programas governamentais. E aqui enfocamos um dos calcanhares de Aquiles do modelo gerencial puro: a subestimação do conteúdo político da administração pública (ABRUCIO, 1997, p. 18).

Uma série de autores apontou críticas ao sistema puro. Caiden (1991) afirmou que as reformas devem melhorar o desempenho do setor público de acordo com objetivos públicos, ou seja, politicamente definidos. Num segundo estágio, o modelo passou a levar em conta a flexibilidade na gestão, a qualidade nos serviços e a prioridade à satisfação dos consumidores. São observadas as reações da sociedade e dos servidores públicos frente às ações governamentais. Nessa perspectiva, também chamada de consumerism, as organizações públicas se tornam mais eficientes e preocupadas com a qualidade dos serviços (COUTINHO, 2000). A segunda etapa foi criticada por conta do conceito de consumidor. Para diversos autores, não há como comparar o consumidor de bens do mercado e o cidadão.

Enquanto o cidadão é um conceito com conotação coletiva – pensar na cidadania como um conjunto de cidadãos com direitos e deveres –, o termo consumidor (ou cliente) tem um referencial individual, vinculado à tradição liberal, a mesma que dá, na maioria das vezes, maior importância à proteção dos direitos do indivíduo do que à participação política, ou então maior valor ao mercado do que à esfera pública (ABRUCIO, 1997, p. 26).

O debate em torno dos conceitos de consumidor e de cidadão levou o modelo gerencial à sua terceira etapa, também chamada de public service oriented. Essa corrente acrescenta ao modelo gerencialista questões como transparência, accountability e participação política. O conceito de cidadão torna-se central por ter uma dimensão coletiva e política, uma diferenciação intencional em relação ao caráter individual do termo consumidor.

De acordo com Bresser-Pereira (2008a), a administração burocrática tinha como principal critério a efetividade, a capacidade do Estado de garantir a lei, e não a eficiência. Já a administração gerencial enfatiza o segundo critério.

Não basta que a administração pública garanta a execução da lei, ou, mais amplamente, das políticas públicas; é necessário efetivá-las com eficiência, ou seja, com uma satisfatória relação entre a quantidade e a qualidade dos serviços de um lado e seus custos de outro (BRESSER-PEREIRA, 2008a, p. 21).

Como ministro da Administração Pública e Reforma do Estado (MARE) no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), Bresser-Pereira teve um papel fundamental no desembarque da Nova Gestão Pública no Brasil. A onda de orientação gerencial alcançou no país um Estado desenvolvimentista que havia assumido grandes proporções e estava à frente de diversos setores econômicos. A partir de 1995, no governo Fernando Henrique, afirma Rezende (2002a, p. 131),

[...] a administração pública federal foi alvo de uma nova experiência de reforma, ou seja, o objetivo central era a melhoria do desempenho no setor público combinando os princípios do work better and cost less (trabalhar mais e custar menos), inspirado nos modelos gerencialistas de reformas tão em voga no mundo desenvolvido.

Os princípios da reforma de Fernando Henrique foram reunidos no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, programa que passou a inspirar as transformações que seriam implantadas nos anos seguintes na esfera subnacional. A necessidade de ajuste fiscal foi o maior propulsor das reformas nos Estados, gerando inovações administrativas como melhorias na gestão fiscal e na prestação de serviços públicos. Em relação ao governo do Rio Grande do Sul, que realiza uma reforma administrativa na gestão da governadora Yeda Crusius (2007-2010), este ponto será abordado com maior profundidade do terceiro capítulo deste trabalho.

A literatura identifica duas iniciativas reformistas dentro do governo Fernando Henrique Cardoso. A primeira, a reforma do aparelho do Estado, empreendida por Bresser-Pereira, tinha como guia a Nova Gestão Pública. A segunda, o Plano Plurianual 2000-2003, comandada por José Silveira, também tinha um viés gerencialista. O objetivo de Bresser-Pereira, afirma Gaetani (2003), era a flexibilização da administração pública, no caso de suas estruturas organizacionais e dos regimes de contratação.

A flexibilização era apresentada como requisito para múltiplos objetivos como a busca da eficiência, a viabilização dos processos de delegação e descentralização, a implementação do orçamento global em organizações públicas autônomas via contratos de gestão, a valorização de mecanismos diferenciados de reconhecimento de mérito, a contratualização de resultados e outros (GAETANI, 2003, p. 28).

Na segunda fase da reforma realizada no governo Fernando Henrique, a iniciativa não estava focada nas formas de organização das instituições públicas, nem no regime de pessoal. Segundo Gaetani (2003), o foco das preocupações estava nos processos de trabalho, que eram transformados pelos novos recursos tecnológicos.

A reforma de Fernando Henrique foi precedida de uma outra iniciativa que na década de 1960 já buscava dar mais flexibilidade à burocracia pública. Trata-se do Decreto Lei n. 200 de fevereiro de 1967. A intenção na época era modernizar a administração pública que havia se sedimentado desde a década de 1930. Em 1936, o governo Getúlio Vargas (1930-1945) iniciou uma reforma no Estado orientada pelos princípios da administração burocrática. Foi neste período que se formou um corpo funcional profissional na máquina pública brasileira. Um marco desta época foi a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), uma iniciativa contra a administração patrimonialista vigente.

Bresser-Pereira (2008a) classifica as iniciativas de Fernando Henrique e Getúlio Vargas como as duas grandes reformas administrativas feitas no Brasil. Ele identifica a de Getúlio Vargas como burocrática e a de Fernando Henrique como gerencial. A reforma implantada por Fernando Henrique e suas relações com a Nova Gestão Pública são temas que serão novamente abordados, com maior profundidade, no terceiro capítulo. Antes disso, é importante examinar as críticas à Nova Gestão Pública.