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2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

2.2 Principais conceitos da Semiótica Social e abordagem multimodal

2.2.3 Recursos Semióticos

Kress e van Leeuwen (2001) sugerem que um recurso semiótico pode ser pensado como a conexão entre recursos representacionais e o que as pessoas fazem com eles. Nessa perspectiva, recursos semióticos são ações, materiais e artefatos que fazemos uso para nosso propósito comunicativo. Podem ser recursos fisiológicos (aparato vocal, músculos mobilizados nas expressões faciais e gestos; ou recursos tecnológicos (hardware, software, plataformas digitais); ou ainda a junção de ambos os recursos, considerando como os recursos podem ser organizados.

Citando van Leeuwen (2005), Bezemer e Jewitt (2009) explicam que os recursos semióticos têm um potencial de significados, baseado em usos do passado, e um conjunto de

affordances baseado em possíveis usos, e esses são atualizados em contextos sociais

concretos, onde o uso está sujeito a alguma forma de regime semiótico. Nesse aspecto, a ênfase dada por van Leeuwen é de que as regras não só são definidas socialmente, mas também são mutáveis na interação social, observando que a noção de recurso semiótico vem substituindo a noção de signo. Assim, o produtor de signos escolhe os recursos semióticos a partir do sistema de recursos que lhe está disponível. Essa escolha é sempre socialmente localizada e regulada, tanto em relação a quais recursos ficam disponíveis para quem quanto aos discursos que regulam e moldam como os modos são utilizados pelas pessoas. Num recurso semiótico estão presentes o significante e o significado que se pretende expressar.

Conforme van Leeuwen (2005), há vários tipos de discursos normativos sobre como usamos os recursos semióticos que, invariavelmente, estabelecem regras de uso. São discursos

de gênero, classe social, raça, normas institucionais e outras articulações de poder que moldam e regulam o uso que as pessoas fazem dos recursos semióticos. Por essa razão, o autor adverte que eles não são códigos que simplesmente estão lá, com o sentido estabelecido que não possam ser mudados, eles são regras sociais. Para o autor, o poder distorce o mundo semiótico da transparência para a direção da opacidade.

Van Leeuwen (2005) pontua que a habitualidade cultural e social em relação a modos, gêneros e práticas moldam a forma como representamos por meio dos signos ou recursos semióticos.

O autor assinala que os recursos pelos quais os significados são materializados transformam-se no decorrer do trabalho semiótico, ou seja, durante o processo de produção, o que provoca uma mudança externa por meio da articulação desses recursos que se transformam em um novo signo. Também, nesse processo, é transformado o dispositivo interno ou sistema cognitivo daqueles que interpretam esses signos, o que Kress denomina de

aprendizado.

Além do conceito de aprendizado, Bezemer e Kress (2008) discutem a importância do conceito de recontextualização/ressemiotização, que consiste na mudança do material semiótico de um contexto, organizado socialmente com seus participantes e modos semióticos, para outro contexto com uma organização social diferente e conjuntos modais diversos. Um exemplo prático de ressemiotização, nessa dissertação, temos o contexto social de práticas dos bancos digitais que, na sua atuação empírica realiza diferentes transações financeiras com seus clientes, por meio dos aplicativos de celular, e-mail, telefonemas, atendimento pessoal, redes sociais e outros canais de comunicação. Para isso, fazem uso de vários signos ou recursos semióticos, explorando as affordances dos modos apropriadas ao seu propósito comunicativo. Os participantes estabelecem relações com hierarquia de poder envolvidos: os bancos concedem crédito para quem possui poder aquisitivo para isso. Esses processos são realizados em diferentes modos semióticos, como fala, gestos, olhar, escrita, imagens, ações, etc. Quando esse cenário é transportado para o anúncio publicitário na rede social, visando prospectar mais clientes, ocorre uma ressemiotização de contexto. Esse contexto passa a ser representado na mídia digital. Há uma mudança de participantes, em vez de banco para clientes, passa a ser do departamento de marketing dos bancos para os usuários do Facebook, para fins de divulgação e prospecção de mais clientes. As cenas da realidade empírica tornam-se cenas congeladas nas imagens dos anúncios. Como analista do discurso dos bancos digitais, ao retirar os anúncios da plataforma do Facebook, faço uma nova

recontextualização de ambiente dos anúncios, cuja finalidade é a pesquisa e os estudos no meio acadêmico, transportando o discurso dos bancos para esse novo contexto.

Bezemer e Kress (2008, p. 85) destacam quatro processos retóricos/semióticos na

recontextualização:

Seleção: refere-se ao que é recontextualizado em significados materiais. Nem tudo que é

relevante no contexto original será relevante no novo contexto. A seleção dos modos na comunicação deverá se adequar ao público-alvo do novo contexto. A seleção envolve também a inevitável e motivada parcialidade que ocorre em toda representação. O que é representado é guiado por uma decisão retórica.

Organização: refere-se à organização semiótica dos significados materiais, que inclui

prioritariamente a escolha do gênero textual/discursivo, decisões de layout, ordem temporal ou espacial dos modos, entre outros.

Destaque: refere-se ao que é importante destacar no novo contexto de ressemiotização, pois

características do ambiente social modelam as decisões representacionais/retóricas. O que é significante no contexto original pode não ser no recontextualizado. Assim, há elementos colocados em destaque e outros que ficam em segundo plano.

Relações sociais: refere-se às relações sociais construídas e reconstruídas nesses contextos.

Na recontextualização, podem ocorrer os processos de transformação e tradução (transduction/translation) vistos adiante.