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Reformas Educacionais na Ditadura Militar

Segundo Romanelli (2005), além de captar recursos mediante a criação de formas de arrecadação de fundos para expansão do ensino, como, por exemplo, o salário-educação, que foi instituído pela Lei 4.440, em 27 de outubro de 1964, o governo ditador tratou desde o início de tomar medidas para que o sistema de ensino superior se torna mais produtivo, sendo ele o mais oneroso. Para isso, a

forma de organização desse sistema de ensino sofre modificações, tendo como objetivo a economia de recursos e sua maior produtividade.

No entanto, a pretensão do governo não era fazer reforma só no sistema de ensino superior, mas uma reforma na educação brasileira. E assim, o governo propõe a reforma universitária e a reforma do ensino de 1º e 2º graus, alicerçadas na Teoria do Capital Humano, colocando a educação a serviço do desenvolvimento econômico do país.

Para concretização da reforma educacional, o governo militar faz acordos com agências norte-americanas. São os acordos Mec-Usaid (Ministério da Educação e Cultura e United States Agency for International Development). Por meio deles, o Brasil recebe assistência técnica e investimento financeiro para reforma educacional.

Desde o início, esses acordos foram feitos, pois o governo percebia a necessidade de mudança no sistema educacional devido à crise que este passava. Ele não só percebe a necessidade de adotar medidas de imediato para amenizar a crise, mas também adequar o sistema ao modelo de desenvolvimento econômico.

Romanelli (2005) faz um relato desses acordos Mec-Usaid em ordem cronológica. Destacamos entre eles o de 1964, o primeiro a ser assinado, denominado Acordo para Aperfeiçoamento do Ensino Primário, que previa a contratação, por dois anos, de seis assessores americanos. Esse acordo também dava suplementação de recursos e de pessoal para o ensino primário.

Por sua vez, o acordo Mec-Contap-Usaid (Conselho de Cooperação Técnica da Aliança para o Progresso), de 1965, estabelecia a melhoria do ensino médio. Nesse acordo, havia o envolvimento da assessoria técnica americana para fazer o planejamento do ensino, e técnicos brasileiros iriam para os Estados Unidos para serem treinados.

Em 1966, o acordo Mec-Contap-Usaid, de Assessoria para Expansão e Aperfeiçoamento do Quadro de Professores do Ensino Médio no Brasil, mantinha assessoramento por técnicos americanos e treinamento de técnicos brasileiros nos Estados Unidos. Nesse acordo, também havia a proposta de reformulação da Faculdade de Filosofia do Brasil.

Por outro lado, no acordo Mec-Inep-Contap-Usaid adicionado aos acordos para o aperfeiçoamento do Ensino Primário, dentre outros objetivos destacava-se o de “elaborar planos específicos para melhor entrosamento da educação primária com a secundária e a superior”. (ROMANELLI, 2005, p. 213).

Entre os acordos importantes, estava o do Mec-Sudene-Contap-Usaid, que criava o Centro de Treinamento Educacional de Pernambuco. E, no ano de 1967, foi assinadod o acordo Mec-Snel-Usaid de Cooperação para Publicações Técnicas, Científicas e Educacionais.

Por meio desse contrato, seriam colocados na escola 51 milhões de livros no prazo de três anos, a contar do ano 1967. Esses livros foram elaborados, ilustrados, editados e distribuídos pelos técnicos do Usaid.

Nesse contexto, em meio a tantos acordos, o sistema educacional brasileiro é entregue aos técnicos americanos, que ficam responsáveis por sua reorganização. Alicerçada por princípios políticos e ideológicos, a reorganização do sistema educacional visava sua adequação ao modelo de desenvolvimento econômico e à ideologia de dominação.

A educação, portanto, estava a serviço do desenvolvimento da economia e da disseminação da ideologia dominante, de caráter manipulador e alienante, ferramenta usada pelos ditadores para a manutenção no poder.

A crise do sistema educacional serviu de argumento para governo justificar os acordos Mec-Usaid devido às críticas feitas por alguns segmentos da sociedade civil. E, para a implantação do projeto educacional proposto pelos tecnocratas, o governo militar alterou e atualizou a LDB de 1961. Criou a Lei 5.540/68 (referente ao ensino superior) e a Lei 5.692/71 (referente ao 1º e 2º graus) (ARANHA, 1996).

O projeto de reforma educacional tinha como base os relatórios de Atcon (Rudolph Atcon, teórico americano) e Meira Matos (coronel da Escola Superior de Guerra), e não apenas atendia ao ensino primário e médio, mas também ao ensino superior.

Assim, um Grupo de Trabalho da Reforma Universitária (GTRU) foi criado, e seus componentes eram pessoas designadas pelo Presidente da República, o general Costa e Silva, para a condução da reforma universitária.

Essa reforma extinguiu a Cátedra (cargo de professor universitário, titular em determinada disciplina), e unificou o vestibular e as faculdades, aglomerando-as em universidades. Foi instituído, nas faculdades, o curso básico, assim como os cursos de curta e longa duração e o curso de pós- graduação.

Nessa perspectiva, o sistema de crédito foi instituído devido à nova composição do currículo, que permitia a matrícula por disciplina. Na análise de Aranha (2006), as matrículas por disciplina desfez grupos “relativamente estáveis”, rompendo a interação entre pessoas e grupos, pois o objetivo era diminuir a conscientização politica dos estudantes.

A reforma também atingiu os setores administrativos das universidades, porque para a nomeação de reitores e diretores de unidades não havia mais a exigência que a pessoa pertencesse ao corpo docente universitário. Com isso, elas seriam administradas por pessoas que não tinham nenhum compromisso com o processo educacional, “bastando possuir “alto tirocínio da vida pública ou empresarial” (ARANHA, 2006, p. 214).

Para a reforma do ensino de 1º e 2º graus ocorrida no governo Médici, os membros do grupo de estudo foram escolhidos pelo ministro da Educação da época, coronel Jarbas Passarinho. A reforma ampliava a obrigatoriedade escolar de quatro para oito anos e aglutinava o primário com o ginasial, suprimindo o exame admissional.

O ensino profissionalizante foi integrado no ensino de 1º e 2º graus, visavando a qualificação profissional, vez que, ao concluí-lo, o aluno teria uma profissão e poderia ser inserido no mercado de trabalho, um dos objetivos do governo no contexto das reformas. E, para as pessoas que não concluíam os estudos regulares, o ensino supletivo foi oportunizado.

As integrações de primário com ginásio e secundário com o técnico obedeceram aos princípios de continuidade e terminalidade (ARANHA, 2006). A continuidade representava a passagem de uma série a outra e a terminalidade. Ao

concluír os níveis de ensino, era esperado que o aluno estivesse capacitado para ser inserido no mercado de trabalho.

Novas disciplinas foram criadas nas alterações dos currículos, Educação Física, Educação Moral e Cívica, Educação Artística, Programa de Saúde e Estudos Religiosos. História e Geografia são fundidas e se transformam em estudos sociais. Filosofia e Sociologia foram extintas. E a Escola Normal de formação de professores também foi igualmente extinta, passando a ter uma nova denominação “Habilitação para o Magistério” (ARANHA, 1996, p 215). E foi criado o MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização), com o intuito de amenizar os índices precários de analfabetismo no país.

Para adequar a escola ao modelo empresarial, o governo adota a tendência pedagógica tecnicista, que tem como princípio a reprodução do conhecimento e a centralização em aspectos objetivos e operacionais relacionados ao trabalho pedagógico. Por meio de treinamento, visava obter mudança de comportamento e o desenvolvimento de habilidades do educando. “Por isso, privilegiava os recursos da tecnologia educacional, encontrando no behaviorismo as técnicas de condicionamento” (ARANHA, 2006, 316).

Sendo assim, a educação alicerçada na tendência pedagógica tecnicista possibilitaria o desenvolvimento da economia, pois por meio dessa educação seria possível a formação do capital humano necessário para ser inserido no mercado em expansão. Essa visão tecnicista da educação desvinculava-a da sua verdadeira missão, que é a formação integral do homem para o exercício da cidadania.

Segundo Aranha (2006), o ensino foi adaptado ao modelo empresarial tecnocrático, exigindo o planejamento e a organização racional do trabalho pedagógico, a operacionalização dos objetivos, divisão do trabalho segundo a especialidade de funções e a burocratização.

Aos técnicos é dada responsabilidade de planejar e controlar o processo educativo, submetendo o plano pedagógico ao administrativo. Desse modo, os diretores escolares passaram a exercer papel de intermediário entre os técnicos e os professores, e estes passaram a exercerem a função de instrutores, treinadores e

agentes de controle, que buscam a formação profissional do aluno, por meio de conteúdos, técnicas, regras e valores estabelecidos pelos acadêmicos especialistas. Segundo Firmino (2010), a escola foi adaptada as metas do setor empresarial, que se baseiam em “racionalidade e tecnologia”. O objetivo era alcançar padrão de qualidade e aumento da produtividade com economia de tempo, custo e esforço.

A função da escola era preparar a mão de obra qualificada para atender às necessidades do mercado em expansão e servir de instrumento de propagação da ideologia do governo militar. Para isso, era necessário que os professores se tornassem agentes de controle, reprodutores da ideologia dos ditadores e reprodutores da concepção de escola-empresa.

Assim, de acordo com Firmino (2010), a ação pedagógica docente é determinista e racionalista, que busca a “performance” enfatizando a repetição, as cópias, os exercícios mecânicos e a premiação que é oferecida no momento da avaliação. Sendo assim, aos professores cabia serem agentes de transmissão e reprodução do conhecimento e aos alunos meros agentes passivos que absorvem o conhecimento transmitido pelo professor sem questioná-los. Reforçando esse entendimento Firmino afirma que

A tendência tecnicista em educação ocupa o rol dos paradigmas conservadores que tem como função precípua reproduzir o conhecimento e, por isso, está fadada à repetição e a visão mecanicista do processo de ensino e da aprendizagem (2010, p.60).

Para implantação da reforma educacional baseada na tendência pedagógica tecnicista, foram criados os ginásios de orientação para o trabalho (GOT). Nas duas primeiras séries do ginásio, havia as disciplinas de caráter geral e as vocacionais. Por meio das disciplinas vocacionais buscava-se sondar as aptidões dos alunos.

As disciplinas de artes industriais e de técnicas agrícolas eram ofertadas de acordo com a economia da região onde estava localizado o ginásio. Nas duas últimas séries, a carga horária das disciplinas vocacionais aumentava. Os alunos podiam escolher entre as de artes industriais, técnicas agrícolas, técnicas comerciais e educação para o lar ou aprofundar-se nos estudos gerais.

Por meio dessas disciplinas vocacionais, visava-se à sondagem vocacional dos estudantes bem como fundamentar as suas escolhas nos cursos profissionalizantes ou gerais no ensino do 2º graus para os que dessem continuidade aos estudos. E, para os que não fossem adiante, havia a iniciação profissional por meio de um rápido treinamento numa determinada ocupação, já em serviço.

Essa preocupação do governo em tornar o ensino do 2º grau profissionalizante, visando acabar com os cursos clássico científico, que preparavam para o vestibular, visava conter a procura de vagas nos cursos superiores, formar mão de obra especializada para ser inserida no mercado de trabalho em expansão e formar sujeitos alienados.

Para isso, transforma os grêmios das escolas de 2º grau em centros cívicos, orientados por professores de Moral e Cívica, sendo estes pessoas de confiança dos ditadores. E obriga todo o sistema de ensino a adotar a disciplina Moral e Cívica, pois seu conteúdo era de caráter ideológico manipulador.

A alienação da população fortalecia o regime militar e a política ideológica de manipulação e dominação dos ditadores, que almejavam manter-se no poder. “Portanto, essa reforma, aparentemente apolítica, foi, de fato, política” (ARANHA,1996,p 216).

O governo acreditava que a educação deveria estar a serviço do desenvolvimento econômico, devendo esta ser adequada às exigências da sociedade industrial e tecnocrata, pois havia uma defasagem de mão de obra qualificada para aquecer o mercado em expansão, devido à industrialização e o avanço tecnológico, colocando-se, assim a serviço da disseminação da política ideológica do governo ditador.

Mas, no início da década de 1980, o regime da ditadura militar começa a perder suas forças, dando sinais de enfraquecimento, possibilitando, assim, de forma lenta, o processo de redemocratização. Tentando recuperar os espaços perdidos, a sociedade civil, as representações estudantis e a classe política pronunciam-se contra as arbitrariedades, dando início ao surgimento de algumas mudanças.

Em termos educacionais, se reconhecia o fracasso da implantação da reforma feita na LDB, e por meio da Lei 7.044/82 foram dispensadas às escolas a obrigatoriedade do ensino profissionalizante, mediante do Parecer nº 342/82 do Conselho Nacional de Educação, a disciplina de Filosofia ressurgiu como optativa. Os professores reivindicavam, além da reposição das perdas salariais, a regulamentação da carreira do magistério e melhores condições de trabalho.

No ano de 1985, ainda com resquícios da fase autoritária, tivemos o primeiro governo civil, o presidente da República, Tancredo Neves, foi eleito de forma indireta, mesmo com as campanhas dos movimentos populares por diretas- já. Mas, com a sua morte antes da posse, quem assumiu foi o Presidente José Sarney, eleito vice-presidente.

A partir dessa abertura política, os partidos que foram extintos pelo governo voltam à legalidade, bem como a UNE (União Nacional dos Estudantes) e outras representações estudantis. O debate político volta às ruas e às salas de aula.