• Nenhum resultado encontrado

A REFORMULAÇÃO DA FESTA ALEMÃ EM 1990

3 O PÃO E A FESTA: A INVENÇÃO DA TRADIÇÃO

4.1 A REFORMULAÇÃO DA FESTA ALEMÃ EM 1990

Nesta pesquisa, a análise teve início com uma entrevista de Iverson Morandi de Oliveira79, arquivada junto ao Dossiê da Festa Alemã, que, durante os anos de 2008 a 2010, foi presidente da Associação Cultural e Recreativa Brasil-Alemanha. Justifica-se a utilização da referida entrevista como fonte de informação pelo fato de que, nela, o depoente revela o novo modelo criado para o evento na década de 1990. Segundo o entrevistado, a partir de 1990, a Festa Alemã adotaria uma nova organização. Basicamente, percebe-se que todo o evento começa, nesse período, a possuir uma nova “logística”. A palavra “logística” é muito bem empregada na entrevista, compondo o requerimento para registro da Festa Alemã como Patrimônio Imaterial de Juiz de Fora, uma vez que ela se refere a números, sendo essa a ideia dos novos organizadores: contabilizar os gastos, os lucros, o público participante e os produtos consumidos, dados que deveriam ser quantificados e demonstrados. Partindo- se desse modelo, a Deutsches Fest contaria com a estrutura necessária para

79 A entrevista de Iverson Morandi de Oliveira, sob o formato de um questionário, encontra-se arquivada no DIPAC/FUNALFA, compondo o Dossiê para o Registro da Deutsches Fest como bem cultural de natureza imaterial de Juiz de Fora. Dossiê da Festa Alemã. Processo nº 007039, PJF/ FUNALFA/DIPAC, 2010.

atender aos critérios da administração municipal, como bem pertencente à sociedade local.

O objetivo dessa reestruturação era transformar a Festa Alemã em um produto financeira, cultural e turisticamente atrativo para a Prefeitura. Não era o caso de a festa perder sua função de auxílio às instituições e associações do bairro Borboleta. Acima de qualquer outra razão, objetivava-se aumentar a competitividade do evento face aos outros concorrentes da cidade e, diante de um contexto de afirmaçao do turismo local, realizá-la em consonância às ações promotoras do desenvolvimento da cidade para, assim, inseri-la no calendário de eventos locais.

Oliveira presidiu a ACBRA entre os anos de 2008 e 2010, e, mesmo após deixar o cargo, continuou participando da Festa Alemã como membro da Categoria Heimweh do Grupo de Danças, atuando, ativamente, em outras diretorias. Ao descrever a nova configuração do evento, posterior ao seu período inicial, apresenta também um histórico das primeiras edições, com a evolução do bairro, as últimas composições da diretoria da ACBRA e o processo de organização do evento, demonstrando a preocupação em aperfeiçoar seus elementos constitutivos.

Fica evidente a natureza elucidativa da entrevista. Algumas questões controversas sobre a criação da Festa Alemã e sobre sua efetiva realização são, ponto a ponto, discutidas por meio de uma visão objetiva manifestada pelo entrevistado quanto ao que se pretende com a celebração: comunicar a cultura alemã, origem do grupo de descendentes moradores do bairro Borboleta, oferecendo a tradição como um produto a ser aproveitado pela Prefeitura de Juiz de Fora com parte de uma agenda cultural e turística.

Desca-se que, mesmo sustentando um histórico que reconhece o papel dos imigrantes enquanto agentes propulsores da industrialização da cidade, a forma como essa premissa é utilizada na entrevista justifica seu fim: a construção de um ideário legitimador da celebração da cultura alemã. O entrevistado demonstra ter essa percepção com relação à Festa Alemã. E, mesmo pertencendo ao grupo de descendentes alemães, abraça um protagonismo de outra geração, portando outros ideais, com intenções claras, e

uma percepção sobre o real valor da tradição envolta no evento, mais condizente com o dinamismo da comunidade e da cidade.

É nesse sentido que Iverson Morandi de Oliveira se difere dos protagonistas anteriores. Ele aponta para o exato momento em que o festejo se afasta de uma celebração identitária baseada apenas no discurdo de homenagem e filantropia para ir além. Busca relacionar o evento a um contexto de desenvolvimento e implementação do turismo na cidade. Essa nova compreensão do fato estaria impressa na postura de controle adotada pela ACRBA na edição da Festa Alemã de 1990. A partir de então, o gerenciamento das barracas e de toda a logística do evento não mais estariam a cargo das organizações sem fins lucrativos, que anteriormente detinham a função de controle do evento, e sim da Associação. É revelador que a Festa Alemã adquira um novo nome, e sua numeração passe a ser recontada nesse período, com a realização da 1ª Festa Popular Alemã, consequência de todas essas tranformações.

A entrevista de Oliveira (2010) possui características de um estudo estatístico com modelos e análise produtiva. Além disso, apresenta dados referentes às pesquisas realizadas durante o período em que presidiu a Associação e que demonstram o público-alvo da festa, o gasto per capita, os produtos oferecidos e enumeram os agentes envolvidos na programação, bem como apresentam os recursos disponíveis pela diretoria e aqueles que deveriam captar para a realização do evento. O processo descrito demonstra o afastamento paulatino das edições anteriores do evento, nas quais era realizado informalmente, contando apenas com a participação da comunidade ou com um parco auxílio da Prefeitura de Juiz de Fora.

Uma questão levantada por esta pesquisa é também abordada na entrevista de Olveira80 que compõe o Dossiê da Festa Alemã: a participação de políticos na gestão da Festa. A exposição desse fato pelo entrevistado vem ao encontro da hipótese central aqui desenvolvida, ou seja, a de perceber, no caminho da invenção da Festa Alemã, o desejo de representação política por parte dos protagonistas, e não apenas uma simples ação de homenagem aos

primeiros imigrantes alemães. Ao apontar os membros da diretoria do Grêmio Teuto-Brasileiro81, fundado em 1967, para promover e apoiar as atividades culturais realizadas no bairro Borboleta, encontram-se à frente da direção da festa nas edições de 1969, 1972, 1975, 1990 e 1991 os seguintes personagens: o Sr. Miguel Gomide – jornalista na cidade e membro do Departamento Autônomo de Turismo; o Sr. José Cesário – diretor do DAT; e Itamar Franco – então prefeito de Juiz de Fora e membro da diretoria do Teuto.

A presença de membros do DAT na direção e organização das primeiras edições da Festa Alemã é um indício de que a versão de evento ancorado apenas na beneficência, cujo único objetivo era angariar dinheiro para a escola do bairro ou para as associações comunitárias, deve ser desconstruído e relativizado. Para sustentar essa reflexão, retoma-se, neste ponto, o objetivo do Departamento no contexto de sua criação:

[...] Promover o fomento das atividades turísticas em Juiz de Fora; Promover ou patrocinar programas turísticos; Organizar, editar e divulgar mapas, roteiros, filmes, folhetos, revistas, cartazes e outras publicações a serem utilizadas no incremento do turismo em Juiz de Fora; Efetuar levantamento sobre a situação turística de Juiz de Fora; Elaborar estudos visando ao desenvolvimento do turismo; Manter intercâmbio do material do turismo com outras entidades públicas ou não, no país e estrangeiro; Manter fichário atualizado sobre as localidades turísticas do Município de Juiz de Fora; Prestar informações sobre atrações turísticas em Juiz de Fora; Supervisionar o transporte de caravanas turísticas em Ônibus.[...]; Elaborar estudos visando ao formato do turismo em Juiz de Fora; Executar programas de desenvolvimento turístico; Promover propaganda dos motivos de atrações turísticas no município; Manter contato com entidades públicas ou não no país e no estrangeiro; Promover pesquisas sobre turismo em Juiz de Fora; Organizar roteiros turísticos82.

81 Apenas neste trecho da pesquisa encontra-se a denominação de Grêmio Folclórico Teuto- Brasileiro. Percebe-se que o Grêmio foi a primeira forma de organização da comunidade do bairro Borboleta com o objetivo de promover a cultura alemã. Posteriormente, surge o Centro Folclórico, em 1968, e a Associação Cultural e Recreativa Brasil-Alemanha. Opta-se por acatar todas as denominações empregadas pelos protagonistas da Festa Alemã, uma vez que essa escolha nos permite verificar a evolução do evento nos diversos contextos.

82 Prefeitura de Juiz de Fora, Portal PJF, Sistema JF Legis. Lei nº 1988, de 9 de março de 1964, Art. 2º, nº 1 – Cria o Departamento Autônomo de Turismo (DAT). Prefeito Adhemar Resende de Andrade. Disponível em: <www.jflegis.pjf.mg.gov.br>. Acesso em: 27 jan. 2015.

Isso posto, acredita-se que a presença de políticos, nas primeiras festas, é um indício que os protagonistas conheciam as políticas locais para o desenvolvimento do turismo, bem como os incentivos econômicos dispostos pelas mesmas. A efetiva participação do então prefeito de Juiz de Fora, Itamar Franco, bem como de representantes do DAT sinaliza para o conhecimernto da existência desse órgão, de suas funções e das verbas distribuídas pelo mesmo para apoiar as atividades culturais e turísticas na cidade.

Itamar Franco, por meio do Decreto nº 00777, de 20 de novembro de 196783, aprova um orçamento na ordem de NCr$ 154.500,00 (cento e cinquenta e quatro mil e quinhentos cruzeiros novos) como receita destinada ao DAT. Esse orçamento era para o ano de 1968. Mas, já no mês de dezembro desse ano, outro valor é aprovado para o exercício de 1969 para as despesas do DAT, no total de NCr$ 200.000,00 (duzentos mil cruzeiros novos)84.

Segundo as narrativas dos descendentes da imigração que são aqui analisadas, a Deutsches Fest teve sua origem ligada às necessidades econômicas do bairro Borboleta. Não obstante, a construção da Festa Alemã jamais pode ser percebida despropositadamente. Os motivos que evidenciam essa afirmativa se encontram nos dados apresentdos neste estudo quanto aos valores destinados ao DAT que procuram uma ligação das primeiras edições do evento com as administrações municipais do período. Por conseguinte, defende-se, nesta investigação, que os protagonistas da Deutsches Fest buscavam representação política. Essa representação deve ser entendida, aqui, como a possibilidade de encontrar um espaço de ação na sociedade. Não é o caso de dizer que os imigrantes pretendiam entrar para a política propriamente dita e nem mesmo pertencerem a um partido político, mas reconhecerem-se como indivíduos envolvidos dentro dessa lógica.

83 Prefeitura de Juiz de Fora. Portal PJF. Sistema JF Legis. Decreto nº 0777, de 20 de novembro de 1967, Art. 1º – Aprova o orçamento do Departamento de Turismo (DAT) para o exercício de 1968. Prefeito Itamar Augusto C. Franco. Disponível em: <www.jflegis.pjf.mg.gov.br>. Acesso em: 27 jan. 2015.

84 Prefeitura de Juiz de Fora. Portal PJF. Sistema JF Legis. Decreto nº 00864-A, de 9 de dezembro de 1968, Art. 1º - Aprova o orçamento do Departamento de Turismo (DAT) para o exercício de 1969. Prefeito Itamar Augusto C. Franco. Disponível em: <www.jflegis.pjf.mg.gov.br>. Acesso em: 27 jan. 2015.

Segundo Bourdieu (1989), o campo político é o espaço de geração de produtos, programas, projetos, problemas, acontecimentos, sobre os quais, entre confrontos e oposições, os indivíduos devem fazer escolhas como consumidores que são dessas políticas. Dentro dessa perspectiva, acreditamos que os protagonistas da Festa Alemã desejavam representar a comunidade de descendentes a partir da manutenção de uma posição de destaque no que concerne à posse dos elementos formadores dessa tradição. Nesse caso, esses indivíduos estariam empenhados em defender os interesses da comunidade diante das novas tendências políticas locais e nacionais. Seria o caso de enfatizar que esses protagonistas, segundo nossa hipótese, desejavam ser porta-vozes da comunidade. A eles caberia o dever de criar estratégias e ações para preservar a tradição e fortalecer a identidade do grupo ancorada na ascendência alemã. E, nesse caso, ao longo do tempo, a própria comunidade se sentiria representada por eles.

4.2 POLÍTICAS NACIONAIS DO TURISMO NA DÉCADA DE 1990 DO