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1. CAPÍTULO | INTRODUÇÃO

2.1.1. Região Demarcada do Douro e Alto Douro Vinhateiro

Entre as diversas paisagens existentes no nosso país, destaca-se a paisagem do Alto Douro Vinhateiro, foi adicionada em Dezembro de 2001 pela UNESCO à Lista de Património Mundial da Humanidade, na categoria de paisagem cultural evolutiva (FRAH, 2000).

O Alto Douro Vinhateiro localiza-se a norte de Portugal, na região de Trás-os-Montes e Alto Douro, abrange quatro distritos Bragança, Guarda, Vila Real e Viseu, e os concelhos do Mesão Frio, Peso da Régua, Vila Real, Santa Marta de Penaguião, Sabrosa, Alijo, Carrazeda de Ansiães, Torre de Moncorvo, Lamego, Armamar, Tabuaço, São João da Pesqueira e Vila Nova de Foz Côa.

Figura 1 - Enquadramento do Alto Douro Vinhateiro na Europa e em Portugal (Fonte: TripAdvisor (2014) - adaptado)

As três unidades de paisagem que integram o ADV designam-se por Baixo Corgo, Cima Corgo e Douro Superior. O conjunto formado pelas três unidades constitui o melhor e mais

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Caracterização e Análise Histórica da Cidade representativo exemplar da paisagem da RDD, a mais antiga região vitícola demarcada e regulamentada do mundo desde 1756 (Andresen, 2006).

Figura 2 - Região Demarcada do Douro e sub-regiões (Fonte: Carlucci (2016) - adaptado)

Apresenta uma área de cerca 250.000 há, sendo a área ocupada pelo ADV de cerca de 24.628 há, ou seja 10% da área total da RDD (Almeida, 2013). Esta região é marcada pela espinha dorsal do rio, pelas suas linhas de água e a acidentada orografia do terreno que caraterizam a estrutura particular desta paisagem.

Como referido anteriormente, o ADV integra três unidades de paisagem que se distinguem através dos elementos físicos que as compõem, que demostram a maneira como o Homem ocupou e manuseou o território. O Baixo Corgo localiza-se entre Barqueiros, em Mesão Frio e o rio Corgo, junto à cidade do Peso da Régua. Das unidades é a que apresenta menor área, mas em contrapartida um maior número populacional, na ocupação do território compreende-se ter sido a primeira devido a sua proximidade ao litoral. O Cima Corgo localiza- se entre o Rio Corgo e o Cachão da Valeira, o Douro Superior entre o Cachão da Valeira e Barca D’Alva. O oeste desta região encontrava-se obstruído pelo Cachão da Valeira, levando a uma demora na propagação da vinha até ao designado Douro Superior (idem; Andresen, 2006).

O Vale do Douro apresenta uma densa rede hidrográfica composta por afluentes como: o Rio Sabor, o Tua, o Corgo, o Tâmega, o Sousa, na margem direita e o Rio Côa, o Távora e o Paiva, na margem esquerda. Trata-se de um dos principais rios que percorrem a Península

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Ibérica, com uma extensão de 927 km da nascente até a foz, apresentando desta forma uma área de 97 690 km2. Após a entrada em território português a sua extensão é de 195 km

(Magalhães, 2008).

Apesar da extensa rede hidrográfica, a escassez de água é um dos elementos naturais que carateriza a paisagem. A dificuldade de infiltração da água que corre entre declives acentuados e que originou meandros mais ou menos estreitos sobre as rochas é notável devido a natureza granítica ou xistosa, da rocha-mãe.

A paisagem do ADV é uma obra criada entre o Homem e a natureza, onde se cruzaram os conhecimentos e experiências do Homem, com uma terra completa de adversidades. Com início na época da Romanização, o cultivo da vinha nesta região é um processo que transformou a “ paisagem ilustrativa de diversos períodos da história humana” (FRAH, 2000, p.7). Na região encontraram-se vestígios da cultura da vinha (Vitis vinífera) de acerca de 3-4 mil anos, embora o maior número remonte à época da ocupação Romana no nosso território. A religião cristã foi um fator de desenvolvimento de atividades agrícolas como o olival e a cultura de cereais, contribuiu assim para o desenvolvimento do território, principalmente no que se refere a cultura da vinha, como ainda hoje é possível observar. Para além de criar um produto notável que é o vinho, criou também uma paisagem única de elementos distintos como é o exemplo das quintas (ICOMOS, 2001).

A notável prática da plantação de vinha nas encostas, introduzida pelos romanos, resultou que em 1756 fosse definida por Marquês de Pombal a primeira região vinícola demarcada e regulamentada do mundo, a Demarcação Pombalina, devido a relevância que a região alcançou pelo comércio e atividade mercantil de vinho que desenvolvia. A singularidade do produto e o seu reconhecimento como um dos melhores vinhos do mundo, o vinho do Porto, levou mais do que objetivos culturais, económicos e proporcionou que a demarcação fosse alterada. As modificações que se fizeram na paisagem para contrair a morfologia natural do território, mostram o esforço que as pessoas numa “verdadeira epopeia humana” (FRAH, 2000, p.14) foram capazes de fazer. Aquela paisagem é um conto de sucessivas histórias e práticas que se prolongaram ao longo dos anos (idem; Almeida, 2013). Na proposta de Candidatura a Património Mundial, foram aplicados critérios obrigatórios referentes à autenticidade e integridade da paisagem do ADV pelo seu caráter e elementos de distinção que são singulares (idem). O caráter da paisagem é um princípio integrador, um princípio físico da união do Homem com a Natureza, do verdadeiro significado que a paisagem adquire ao longo dos tempos, criando o seu próprio significado (Andresen, 2006). O “caráter distintivo” (p. 15) desta paisagem cultural é traduzido na união da natureza, através das encostas íngremes onde a plantação da vinha é dominante, juntamente com a observação, o conhecimento e a adaptação do Homem, a sua capacidade de compreensão e de trabalhar

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Caracterização e Análise Histórica da Cidade os materiais que permitiram a “construção artística” (p.15) da paisagem do Douro (FRAH, 2000).

A classificação de paisagem evolutiva pela UNESCO deveu-se a configuração atual do espaço, a categoria de evolutiva é quando existe uma imposição de origem social, económica, administrativa e/ou religiosa em união com uma condição natural. O processo evolutivo demonstra-se na configuração e na composição da paisagem cultural, integrada na categoria de paisagem essencialmente evolutiva que se subdivide: “paisagem relíquia (ou fóssil) - uma paisagem que sofreu um processo evolutivo que foi interrompido, brutalmente ou por algum tempo, num dado momento do passado. Porém, as suas características essenciais mantêm-se materialmente visíveis; ou paisagem viva - uma paisagem que conserva um papel social activo na sociedade contemporânea, intimamente associado ao modo de vida tradicional e na qual o processo evolutivo continua. Ao mesmo tempo, mostra provas manifestas da sua evolução ao longo do tempo” (UNESCO, 2012, pp.70 e 71)

A paisagem do Alto Douro é definida pelo seu todo, o seu conjunto resulta num “mosaico diversificado de culturas, matos, linhas de água, aglomerados e assentos agrícolas distribuídos por quintas e casais.” (FRAH, 2000, p.15). O estatuto adquirido de qualidade e excelência fez e faz que também que o turismo cultural e de lazer que se pratica na região, assim como o vinho contribuam para a sustentabilidade produtiva da região. Para além do potencial demonstrado pela paisagem para a continuação da produção do vinho de excelência, apresenta capacidades para potencializar ainda mais as áreas turísticas culturais e de lazer (idem).

Além do caráter distintivo, referido anteriormente, contribui também para a sua autenticidade e integridade três componentes de distinção: a antiguidade da Região Demarcada, os terraços e o cruzamento das culturas. A identidade do ADV através da cultura da vinha torna única a paisagem, o esforço do Homem em controvérsia com a Natureza é reconhecido através do território, sendo reconhecida mundialmente desde o século XVIII, ainda hoje existem vestígios da demarcação de 1756, os marcos graníticos. Apesar de diversas alterações nos limites, o simbolismo desta demarcação manteve-se com a mesma importância até hoje, as populações assimilaram aquela marca como um elemento-chave da região e ao contrário do que sucedeu com outras demarcações mundialmente, a demarcação do Alto Douro foi acompanhada por uma vasta legislação regulamentadora, por um plano de classificação e qualificação de vinhos fundamentado num cadastro de propriedades, e em mecanismos de controlo de qualidade (idem).

A morfologia natural do terreno eram encostas íngremes e rochosas, para contrair essas condições com o objetivo de cultivar a vinha, o Homem viu a necessidade de criar solo e de construir terraços. Os tradicionais terraços em socalco são em muros de xisto, estes

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“apresentam paredes baixas e geios estreitos e irregulares, comportando por vezes apenas uma fiada de cepas “ (idem, p.18). Os socalcos podem ser caraterizados por pré-filoxéricos ou pós-filoxéricos, dado a sua época de construção antes ou depois da época da filoxera, uma praga que destruiu a produção vinícola mundialmente e que destruiu as vinhas do Douro, nos finais do séc. XIX. Os pré- filoxéricos existe os que ainda hoje se encontram ocultos debaixo da vegetação espontânea que integram os mortórios (vinhas abandonadas após a filoxera), ou então foram recuperados para a replantação da vinha e encontram-se sob a forma de muros de xisto. Os pós-filoxéricos são de “paredes sólidas, altas e retilíneas, suportando geios largos, com quatro, cinco ou mais fiadas de vinha” (idem, p.18). A maior parte foi construído na reconstrução, após a filoxera, para novamente implementar a cultura das vinhas, sendo a maioria dos muros os que se encontram atualmente ao longo das encostas do Douro, que marcam esta etapa da evolução da paisagem (Andresen, 2006; FRAH, 2000).

Na década de 70 foi implementada uma outra técnica, a construção de patamares sobre os mortórios e terraços pré-filoxéricos, ou sobre locais onde nunca tinha sido implementada a cultura da vinha. Houve a necessidade de grandes surribas de terrenos e a destruição de muros, para a introdução de “taludes inclinados, que suportam uma plataforma horizontal sobre a qual assentam, de um modo geral, dois bardos de vinha, dimensionados para a mecanização” (FRAH,2000, p.24).

Também as vinhas plantadas “ao alto”, foram recentemente sistemas que se implementaram mas onde só é executável até um certo limite de declive. É no Cimo Corgo e no Douro Superior, que se encontram maioritariamente a forma de armação “ao alto”, onde o objetivo é encontrar soluções alternativas para os patamares, e onde sejam reduzidos os impactos na paisagem (idem).

O Douro é palco de uma história desde os tempos pré-históricos com a humanização, o rio devido as suas irregularidades contrariava a força das águas causando durante séculos grandes dificuldades de navegação, aos povos e culturas que através dele se intersectaram. Os primórdios da ocupação humana na região foi o povo Romano, introduziram a cultura da vinha. Diversas sociedades em épocas distintas passaram pela região, permitiu para além de um cruzamento de culturas uma passagem de costumes e tradições. A principal, a cultura da vinha foi mantida e preservada com o decorrer dos tempos, apenas as técnicas foram aperfeiçoadas. O produto desenvolvido foi fruto de “ uma construção cultural coletiva, num processo de evolução multisecular” (idem, p.31), o vinho é reconhecido mundialmente, uma vez que foi e continua a ser exportado para muitos países e portanto para diferentes culturas. A principal razão do reconhecimento da região deu-se pela exportação do vinho, mas também pela prática das vindimas, pessoas dos quatro cantos de Portugal e mesmo de Espanha deslocavam-se para o Douro na época da para desenvolver esses trabalhos (Andresen, 2006;

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Caracterização e Análise Histórica da Cidade FRAH, 2000).

Na proposta de Candidatura do ADV a Património Mundial foi utilizada uma metodologia de estudo de caracterização paisagística. Para a identificação dos limites, de forma a descrever na íntegra a paisagem do Alto Douro, o objetivo passava por identificar um espaço que simultaneamente: “ 1) fosse representativo do caráter da paisagem da Região Demarcada do Douro e das três sub-regiões, da mais atlântica à mais mediterrânica; 2) reunisse de forma coerente a maioria do conjunto de valores mais significativos; e 3) apresentasse um bom estado de conservação no seu todo admitindo-se apenas um número mínimo de intrusões pontuais.” (FRAH 2000, p.33).Sendo esta paisagem resultado da união do Homem-Natureza, há uma relação entre elementos naturais e culturais, que na candidatura se distinguem como: elementos naturais – “os vales encaixados, os declives acentuados; os antrosolos; a escassez da água; a precipitação reduzida; a diversidade dos habitats naturais; do atlântico ao mediterrâneo; as culturas mediterrânicas: a vinha, a oliveira e a amendoeira; a presença dominante da vinha; o efémero na paisagem: luz e cor, som e silêncio, e os cheiros”; e elementos culturais – “o padrão da paisagem; os povoados; a acessibilidade – o rio e o caminho-de-ferro; referencias na paisagem; as quintas e os casais; o sagrado; os muros”; em síntese estes elementos são “os criadores da paisagem” (idem, p.33).

A cultura da vinha era a principal atividade da região e o rio, a solução para poder transportá-lo para todo o mundo, desse modo surge a necessidade de locais apropriados para essas atividades e funções. Foram assim criados circuitos de circulação onde ocorria a troca do produto, esses locais eram maioritariamente junto ao rio para facilitar o comércio e que com o passar do tempo transformaram-se em povoações com maior ou menor número de pessoas.

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