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5. Discussão

5.5. Duplicação na região X/Yqter (Painéis P036 e P070)

5.5.2. Regiões pseudo-autossómicas e o gene SYBL1

As regiões pseudo-autossómicas (1 e 2) são regiões curtas de homologia entre os cromossomas X e Y que emparelham e recombinam durante a meiose (Mangs & Morris 2007). Estas duas regiões em conjunto abrangem menos de 5 % dos cromossomas sexuais humanos (Sarbajna et al. 2012).

A região pseudo-autossómica 1 (PAR1- Pseudoautosomal Region 1) compreende 2,6 Mb das extremidades dos braços curtos de ambos os cromossomas X e Y e é requerida nos homens para o emparelhamento dos cromossomas sexuais durante a meiose, daí que nos homens a deleção desta região resulte em esterilidade. Pelo menos 24 genes têm sido descritos nesta região e apenas metade deles apresentam uma função conhecida (Mangs & Morris 2007). Uma particularidade destes genes é que todos eles escapam à inativação do cromossoma X (Matarazzo et al. 1999).

Por sua vez, a região pseudo-autossómica 2 (PAR2 - Pseudoautosomal Region 2) está localizada nas extremidades dos braços longos dos cromossomas sexuais e é uma região muito mais curta comparativamente à PAR1, abrangendo apenas 320 kb (Freije et al. 1992). Esta exibe uma frequência muito baixa de emparelhamento e recombinação em relação à PAR1 e não é necessária para a fertilidade (Li & Hamer 1995; Kühl et al. 2001; Mangs & Morris 2007). No caso desta região apenas 4 genes têm sido identificados: SPRY3 (OMIM, 300531), SYBL1 (OMIM, 300053), IL9R (OMIM, 300007) e CXYorf1, sendo que apenas os genes SYBL1 e IL9R apresentam uma função conhecida (Mangs & Morris 2007).

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Visto que, a duplicação identificada no probando abrange o gene SYBL1 (ou VAMP7) (localizado na região Xq28 e Yq12) de seguida será dado maior ênfase a este gene em termos da sua função e expressão. O gene SYBL1 (synaptobrevin-like 1) é constituído de 8 exões e abrange uma região genómica de ≈35kb. Este gene codifica um membro não usual de moléculas v- SNAREs (também designadas de sinaptobrevinas ou proteínas da membrana associadas a vesículas, VAMPs) (Vacca et al. 2011) implicadas na exocitose celular, isto é, a fusão de uma vesícula dadora a uma membrana recetora, através da interação com moléculas SNAREs alvo. Embora ubíqua a função deste gene, esta é proeminente em tecidos específicos, tal como o cérebro (Di Leva et al. 2004).

A expressão alélica do gene SYBL1 é controlada por múltiplos mecanismos epigenéticos (Di Leva et al. 2004; Vacca et al. 2011). A expressão monoalélica deste gene (Matarazzo et al. 2002) é única, os seja, este gene encontra-se sujeito ao mecanismo de inativação aleatória do cromossoma X nas mulheres, enquanto que nos homens o alelo é especificamente silenciado no cromossoma Y (Matarazzo et al. 1999; Jiang et al. 2004) através de metilação do DNA (Matarazzo et al. 1999; De Bonis et al. 2006). Tendo em conta que, a duplicação identificada no probando está localizada no cromossoma Y (figura 4.10) e que em situações normais o gene SYBL1 está silenciado neste cromossoma, colocamos a hipótese de que provavelmente a cópia adicional estará também silenciada.

5.5.3.

Correlação genótipo-fenótipo

De acordo com dados obtidos na literatura tem-se vindo a verificar que, o tamanho do desequilíbrio subtelomérico influencia o fenótipo e desta forma, alguns desequilíbrios subteloméricos pequenos podem ser compatíveis com um desenvolvimento normal (Balikova et al. 2007). Contudo, no caso do probando aqui em estudo não se tem conhecimento do tamanho real desta duplicação, pois na técnica de MLPA (painéis P036 e P070) apenas existe uma sonda (≈74 pb de tamanho) representativa da região X/Yqter (320 kb de tamanho) e na técnica de FISH (para além da limitação na deteção de duplicações em metafases), a sonda específica para a região X/Yqter tem uma dimensão de apenas 170 kb. Desta forma, no caso do probando em análise, ambas as técnicas utilizadas não possibilitaram a determinação precisa do tamanho do rearranjo e consequentemente não se consegue inferir acerca de uma eventual correlação entre o tamanho do desequilíbrio subtelomérico e o fenótipo observado.

Perante esta situação, recorremos a outras estratégias para tentar justificar o fenótipo do probando com base no rearranjo detetado. Uma das estratégias foi a pesquisa na literatura e em bases de dados específicas entre as quais, DECHIPHER (Database of Chromosomal Imbalance and Phenotype in Humans Using Ensembl Resources) e DGV (Database of Genomic Variants),

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de alterações registadas nas regiões subteloméricas, mas especificamente na região X/Yqter. Contudo, após reunida toda a informação, não foi encontrada nenhuma associação clínica significativa com a duplicação identificada no probando, ou seja, até à data não foi descrito qualquer paciente cuja duplicação nesta região seja responsável pelo fenótipo observado. Pelo contrário, duplicações na região X/Yqter têm sido reportadas em indivíduos fenotipicamente normais. A título de exemplo, Christofolini e colaboradores (2010) identificaram num paciente uma duplicação na região Xq28-PAR (gene SYBL1), a qual foi previamente reportada em indivíduos fenotipicamente normais. Com base nestes resultados concluíram que, as alterações no número de cópias nessa região poderão ser consideradas variações normais. Apesar da duplicação aqui subjacente estar localizada no cromossoma Y (Yq12) e não no cromossoma X (Xq28) como descrito anteriormente por Christofolini e colaboradores (2010) mantém-se o pressuposto desta alteração representar uma variação normal. Para justificar esta afirmação recorremos à base de dados DGV, a qual reporta apenas a variação estrutural em indivíduos fenotipicamente normais, e verificamos que foram registados previamente por Perry e colaboradores (2008) ganhos na região Yq12 (gene SYBL1) (Perry et al. 2008a) (figura 8.1).

Com base em tudo o que foi mencionado e tendo em conta a severidade do quadro clínico do probando constatamos que não é possível estabelecer uma correlação genótipo-fenótipo partindo apenas desta alteração, ou seja, esta duplicação apesar de ser de novo, não é suficiente para justificar o fenótipo do probando. Desta forma, a próxima etapa passa pelo estudo do probando através da técnica de aCGH, a qual irá permitir a pesquisa de desequilíbrios ao nível de todo o seu genoma e assim estabelecer uma correlação genótipo-fenótipo a partir das alterações adicionais detetadas.

5.6.

Deleção em mosaico na região 2p14 (aCGH)

Uma particularidade desta deleção identificada por aCGH é o facto de estar presente em mosaico (50 %). A sensibilidade do aCGH na deteção de mosaicismo não é uma descoberta recente, dado que ao longo dos anos esta tem vindo a ser referenciada na literatura como uma técnica útil para este propósito, com capacidade de detetar diferentes níveis de mosaicismo de acordo com a plataforma de array e resolução utilizadas (Ballif et al. 2006; Cheung et al. 2007; Hoang et al. 2011; Robberecht et al. 2012). A título de exemplo, Hoang e colaboradores (2011) mostraram que uma plataforma de aCGH de oligonucleótidos pode detetar níveis de mosaicismo na ordem dos 10%, usando parâmetros específicos na análise dos dados.

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De seguida serão descritos sucintamente possíveis mecanismos responsáveis pela formação da alteração identificada neste caso clínico. Posteriormente serão discutidas possíveis estratégias para a determinação de uma eventual correlação genótipo-fenótipo.

5.6.1.

Mecanismo de formação

O mosaicismo cromossómico é definido como a coexistência de duas ou mais linhas celulares com complemento cromossómico diferente num determinado organismo e com origem a partir de um único zigoto. A aneuploidia em mosaico, incluindo a trissomia e a monossomia é o tipo mais comum de mosaicismo (Hassold & Jacobs 1984; Robberecht et al. 2012). No entanto, o mosaicismo tem sido descrito para outros tipos de anomalias cromossómicas, incluindo, a triploidia, as deleções e duplicações, os cromossomas em anel, entre outros tipos de rearranjos estruturais (Conlin et al. 2010). É de salientar que, no âmbito do diagnóstico pós-natal onde se insere o probando aqui em estudo, o mosaicismo é observado em 0,4 a 1 % dos pacientes sujeitos a um diagnóstico genético (Conlin et al. 2010; Robberecht et al. 2012).

Em termos gerais o mosaicismo pode ser de dois tipos: gonadal ou somático, de acordo com o tipo de células em que surge (células germinativas ou células somáticas, respetivamente). No caso do mosaicismo gonadal, este surge durante a meiose e de acordo com uma visão convencional, envolve uma alteração nos gametócitos durante a oogénese ou espermatogénese (Slavin et al. 2012). Este tipo de mosaicismo tem sido reportado como um mecanismo de herança confirmado (ou provável) em mais de 60 doenças genéticas (Helderman-van den Enden et al. 2009). Como exemplo, o mosaicismo gonadal tem sido descrito para a síndrome de Cornelia de Lange, nos casos em que existe uma descendência afetada a partir de progenitores aparentemente normais (Slavin et al. 2012). No caso do mosaicismo somático, este resulta principalmente de erros pós-zigóticos na recombinação ou na replicação do DNA e contribui para as variações na expressão fenotípica, com relevantes consequências clínicas (Robberecht et al. 2010). Como exemplo, temos as aneuploidias cromossómicas que podem surgir mitoticamente pela não-disjunção ou anafase lagging e os desequilíbrios em segmentos cromossómicos que podem ser provenientes de quebras no DNA não reparadas (Robberecht et al. 2010). No entanto, com exceção dos cromossomas marcadores, o mosaicismo somático no caso de um rearranjo estrutural é raramente identificado (Gardner et al. 2011).

Um rearranjo cromossómico que surge numa mitose pós-zigótica pode resultar em mosaicismo, geralmente com duas linhas celulares, uma normal e outra com alteração. Existem duas situações prováveis para justificar esse mosaicismo. Numa primeira situação, o zigoto é cromossomicamente normal e numa mitose subsequente surge uma alteração que dá origem à linha celular anormal em adição à linha celular normal. Numa segunda situação, o zigoto é

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inicialmente portador de uma alteração e numa “correção” pós-zigótica ocorre perda do cromossoma rearranjado, o que resulta numa linha celular normal em adição à linha celular com alteração (Gardner et al. 2011). Paralelamente a estas duas situações, em dois estudos efetuados, um por Bonaglia e colaboradores (2009) e o outro por Gamage e colaboradores (2012) foi detetada em ambos os casos uma deleção em mosaico, nas regiões 22q13.2-qter (73% das células) (Bonaglia et al. 2009) e 14q11.3-q12 (Gamage et al. 2012), respetivamente. Consequentemente, estes autores sugerem um mecanismo pós-zigótico para a formação de linhas celulares mosaico em deleções cromossómicas, o qual assenta no seguinte princípio: inicialmente no zigoto ocorre uma quebra durante a replicação do DNA que dá origem a uma cromatídea deletada, sendo esta imediatamente estabilizada por um processo de “regeneração telomérica”. Posteriormente, a segregação durante a mitose culmina com o aparecimento de duas linhas celulares, uma com cariótipo normal e outra com a deleção.

Relativamente ao mecanismo que deu origem à deleção na região 2p14 e tendo como base o descrito por Wohlleber e colaboradores (2011), podemos inferir que esta deleção talvez tenha sido causada por um mecanismo diferente daqueles baseados na recombinação, nomeadamente pelo mecanismo de junção de extremidades não homólogas (NHEJ - Non- Homologous End Joining) NHEJ, responsável pela reparação de quebras nas cadeias duplas de DNA (DSB - Double Strand Break), ou pelos mecanismos FoSTeS/MMBIR (Fork Stalling and Template Switching/Microhomology Mediated Break Induced Replication), responsáveis pela reparação de DNA baseada na replicação (Stankiewicz & Lupski 2010). Isto porque, consideramos que as posições dos pontos de quebra desta deleção não são recorrentes e da mesma forma não há nenhuma evidência de duplicações segmentais ou LCRs, as quais poderiam mediar a recombinação homóloga não alélica.

Após tudo o que foi referido, acerca de possíveis mecanismos para a ocorrência de rearranjos cromossómicos em mosaico numa fase pós-zigótica, podemos supor que no caso do probando aqui em estudo, o mecanismo mais provável, abrange as seguintes etapas: numa divisão celular inicial a partir de um zigoto normal teve origem a deleção 2p14 por um dos seguintes mecanismos, NHEJ ou FoSTeS/MMBIR. Posteriormente, problemas durante a segregação cromossómica deram origem a duas linhas celulares, uma normal e uma com a deleção 2p14.

5.6.2.

Correlação genótipo-fenótipo

Usualmente, uma grande significância é atribuída a ocorrência de novo de uma CNV a qual é interpretada como um indicador de causalidade (Koolen et al. 2009). No entanto, a grande evidência para causalidade é a existência de pacientes adicionais com uma CNV e um fenótipo

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clínico similares. Assim, as bases de dados que catalogam CNVs e dados clínicos, como por exemplo, a base de dados DECHIPHER são indispensáveis na interpretação de CNVs. Tendo em consideração este pressuposto e através de uma pesquisa na base de dados DECHIPHER, verificamos que, até à data encontram-se descritos três pacientes com deleções que sobrepõem a deleção 2p14 aqui em estudo (figura 8.2). No entanto, os três pacientes apresentam deleções de novo de maior dimensão (deleções de 6,99 Mb, 2,84 Mb e 2,23 Mb) comparativamente à deleção 2p14 identificada no probando (≈1,6 Mb). Dois desses pacientes (com deleções de 2,84 Mb e 2,23 Mb) são referenciados por Wohlleber e colaboradores (2011), os quais apresentam sobreposição das deleções ao longo do cromossoma 2p14-p15. Estes pacientes apresentam atraso mental ligeiro no que diz respeito especialmente ao desenvolvimento da fala, bem como características dismórficas ligeiras (inclui lábio superior fino), sendo que um deles apresenta também convulsões generalizadas, perda auditiva neurossensorial e microcefalia relativa. Comparando estas características clínicas com as do probando aqui em estudo, é possível constatar que não existe uma grande similaridade fenotípica entre estes, apenas salienta-se a presença de microcefalia, lábio superior fino e atraso mental. Assim, o mais provável é essas características relativamente similares serem devidas à haploinsuficiência de alguns genes na região deletada em comum entre os três pacientes. No entanto, no caso do probando aqui subjacente, como a alteração é em mosaico, não sabemos qual irá ser o efeito das células normais sobre o fenótipo, com a particularidade que a percentagem de células normais e células com alteração varia de um tecido para o outro (Gardner et al. 2011). De qualquer forma, podemos inferir que a presença de células normais provavelmente não levou a atenuação do fenótipo do probando, dada a severidade das características clínicas em comparação com deleções não mosaico.

Ainda em relação à comparação com os pacientes referidos anteriormente, verifica-se que as regiões deletadas nestes pacientes sobrepõem-se por uma extensão de 1,6 Mb e contém 10 genes, dos quais 7 genes são comuns com a deleção 2p14 aqui em análise. Desses 7 genes, no caso do CEP68 existe uma possível relação funcional com o atraso mental e microcefalia e no caso dos genes RAB1 e ACTR2 há uma forte evidência do papel destes na diferenciação neuronal e regulação da orientação axonal. De qualquer forma, é difícil determinar se um único gene ou diversos genes no interior da região crítica irão causar atraso mental quando deletados (Wohlleber et al. 2011).

As deleções descritas por Wohlleber e colaboradores (2011) estão localizadas na proximidade da região crítica da síndrome de microdeleção 2p15p16 (OMIM, 612513) (Rajcan- Separovic et al. 2007; Liang et al. 2009), cujas características típicas incluem, o atraso no

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desenvolvimento moderado a grave com ausência de fala, o atraso no crescimento intrauterino, a baixa estatura, a microcefalia e uma aparência facial específica (Rajcan-Separovic et al. 2007; Liang et al. 2009). No entanto, no caso destes pacientes não foi detetada nenhuma sobreposição clínica ou genómica evidente com esta síndrome (Wohlleber et al. 2011). Por outro lado, no caso do probando aqui em estudo verifica-se que existe uma sobreposição clínica parcial (atraso no desenvolvimento, atraso no crescimento intrauterino, problemas de crescimento e microcefalia) com a síndrome de microdeleção 2p15-p16, embora a distância genómica entre ambas as regiões seja relativamente maior em comparação aos pacientes descritos por Wohlleber e colaboradores (2011). Esta sobreposição clínica parcial pode em parte ser explicada pela presença de elementos reguladores da expressão génica a longa distância, uma vez que a distância máxima ao longo da qual esses elementos reguladores podem atuar é desconhecida (Gordon et al. 2009). Contudo, o mais provável e lógico será a deleção aqui detetada e a síndrome de microdeleção 2p15-p16 representarem entidades diferentes no que diz respeito às características fenotípicas em comum.

Em suma, é complicado estabelecer uma correlação genótipo-fenótipo precisa neste caso clínico, por dois motivos principais: primeiro porque esta deleção representa um rearranjo genómico não recorrente, no qual apenas encontram-se reportados casos de pacientes com deleções de dimensão superior que abrangem para além desta outras regiões, o que implica a presença de outros genes na determinação do fenótipo. Em segundo, a distribuição do mosaicismo pode variar de acordo com o tipo de tecido e neste caso apenas foi estudada uma amostra de sangue periférico e assim, não podemos tirar qualquer ilação acerca dos tecidos afetados e respetivo grau de mosaicismo, fatores esses que influenciam a extensão e severidade das consequências clínicas do mosaicismo.

5.7.

Deleção na região 15q13.2q13.3 (aCGH)

A deleção na região 15q13.2q13.3 identificada neste caso em estudo envolve regiões genómicas específicas associadas a síndromes particulares do cromossoma 15q e assim estão descritos na base de dados DECHIPHER diversos pacientes com deleções que sobrepõem esta região cromossómica deletada (figura 8.3).

De seguida, com base em pesquisa na literatura será efetuada uma breve revisão acerca das principais síndromes associadas ao cromossoma 15q e posteriormente uma breve abordagem relativamente ao mecanismo responsável pela formação da deleção aqui em análise. Para finalizar, serão discutidas estratégias para a determinação de uma eventual correlação genótipo- fenótipo.

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