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O regime militar e o atrofiamento das instituições sociais no município de Pereiro.

CAPÍTULO III – GESTÃO DE ANTÕNIO MARDÔNIO DIÓGENES 59 (1983-

CORONELISTA EM PEREIRO

3.3. O regime militar e o atrofiamento das instituições sociais no município de Pereiro.

O município de Pereiro, durante o Regime Militar (1964-1985), esteve sob o domínio de um único grupo político que alternou o poder Executivo Municipal. O poder local esteve sob o domínio político de Chico Nogueira que foi vice-prefeito no período 1963-1966 e prefeito em 1967-1970, 1973-1976, alternando o poder com o prefeito João Terceiro nas gestões 1971-1972, 1977-1982, e vice-prefeito do Chico Nogueira em 1967-1970. O último foi o prefeito Mardônio Diógenes, no período 1983 a 1988. O primeiro filiado à UDN e em seguida à ARENA e ligado ao governador Virgílio Távora, enquanto João Terceiro foi filiado à ARENA e ligado ao governador Adauto Bezerra, e Mardônio Diógenes filiado ao PDS e em seguida ao PFL, também ligado a Adauto Bezerra. Enfim, ambos os chefes políticos que administraram Pereiro no período 1962 a 1988 eram ligados ao grupo dos coronéis (Virgílio Távora, César Cals e Adauto Bezerra). Todos eles eram fazendeiros e agropecuaristas. Chico Nogueira mais moderado, dialogava com a oposição ou líderes estudantis que reivindicavam por mudanças na época. O João Terceiro, mais conservador, intervia com a força que lhe convinha contra o movimento estudantil e adversários políticos. Mardônio Diógenes, também fazendo valer a força do regime militar e o conservadorismo político, exercendo um governo coronelista e repressivo. Todos eles agropecuaristas e comerciantes com formação universitária. O município nessa época é tipicamente rural, com sua população urbana muito inferior à rural, cuja base econômica é a agricultura, a pecuária e o comércio. Portanto, havia um contexto favorável ao domínio político de

cunho tradicional, clientelístico, patrimonialista e conservador. O sistema político local era o seguinte:

É todo o sistema coronelista desta moldura que, até a própria raiz patrimonial dele, por que eles sempre tiveram essa prática de demonstração de força, sempre de mostrar uma questão de muita força. Isso era com ele [João Terceiro], com os Nogueiras, com o Chico Nogueira [prefeito], com os Diógenes [Francisco Diógenes Nogueira e Mardônio Diógenes] todos eles que estiveram no poder, usaram muito da força, da força do poder e da força mesma do coronelismo que imperava aqui na época. [...] Eles estiveram sempre ligados ao grupo dos coronéis que foram governadores do Ceará. (Entrevista nº 07, 2011, p. 05).

A repressão exercida sobre os movimentos e instituições sociais como Igreja Católica, Movimento Estudantil, Sindicatos de Trabalhadores Rurais, Movimento pela Reforma Agrária durante o regime militar replicou no município de Pereiro. O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Pereiro permaneceu praticamente inoperante no município até a abertura democrática em 1985, limitando-se a atividades pequenas como, distribuir pequenos recursos enviados e controlados pelo Estado, bem como realizar pequenas ações do seguinte tipo: conseguir médico para atender aos associados em parceria com o governo municipal ou governo estadual, auxiliar os trabalhadores à aposentadoria rural e outras ações menores. Na realidade, o Sindicato é vigiado e controlado pelo Estado. No caso do município de Pereiro, os obstáculos impostos ao movimento sindical na luta pela Reforma Agrária ou por melhores condições de vida do homem do campo foram enormes, haja vista que a elite dirigente é composta de agropecuarista, fazendeiros, comerciantes-proprietários rurais e seus descendentes com formação universitária, também agropecuarista, todos aliados do regime político vigente. Enquanto nas décadas de 1970 até metade dos anos 1980 foram desencadeadas lutas pela Reforma Agrária em diversos municípios cearenses, elevando o número de conflitos entre fazendeiros e agricultores sem terra ou rendeiros, resultando em reivindicações e conquistas de latifúndios improdutivos pelos trabalhadores rurais; em Pereiro havia frágil organização do Sindicato e Igreja Católica por conta da conjuntura social existente no município. A fala de um dos entrevistados descreve categoricamente o contexto.

Aqui, o Sindicato nunca se meteu nessas coisas. E se tivesse tido teria evitado até [...] como no caso do Pau Ferrado município de Ereré hoje. Então tiraram os moradores de lá, apelaram para o Sindicato, o Sindicato não entrou, não fez nada, [...] o sindicato fez foi fugir. Lá o problema foi por questão de renda, uns queriam mais, ele [o dono queria pagar menos] e tal. O sindicato em luta pela terra nunca entrou. Aí disseram que tinha uma propriedade improdutiva do Raimundo Benício Diógenes, irmão do Dr. Nogueira. Está improdutiva, vamos desapropriar, então pegaram os dados e souberam lá, então esses fazendeiros souberam antes, encheram de gado lá, e continua hoje sem Reforma Agrária. Já foi vendido parte da propriedade para pessoas diferentes e morreu o movimento. (Entrevista nº 02, 2011, p. 13).

Os obstáculos ao movimento por Reforma Agrária em Pereiro são vários, desde o mando político de fazendeiros, a política do Estado reprimindo os movimentos sociais e estudantis, a cultura do reconhecimento ou solidariedade do vaqueiro, rendeiro, morador ou sem-terra com o proprietário rural e a falta do elo organizativo da Igreja Católica com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Não houve esse enlace entre essas instituições de representação da sociedade civil. Além dos problemas mencionados, havia a burocracia estatal, o respeito e o medo que os trabalhadores sentiam dos fazendeiros locais. Vejamos alguns obstáculos que foram apresentados por representantes do Movimento Sindical da época:

A gente foi vendo que o município de Pereiro não era um município onde a Reforma Agrária iria agir efetivamente. Por que? Primeiro porque é um município fundista. Aqui nós temos uma enorme quantidade de pequenas propriedades de até 50 hectares, muito representativo até 50 hectares; de até 100 hectares já diminui muito e de acima de 100 hectares é bem pouquinho. Então, na verdade, a gente já foi vendo que o município de Pereiro não seria a praia da Reforma Agrária. Então havia poucas propriedades improdutivas ou pouco produtivas. No caso também a gente já foi vendo outro grande obstáculo: com quem é que estavam essas propriedades? Estavam com a família Diógenes e aí quem é que tinha coragem de ir para lá, de ocupar lá? Quem é que tinha coragem de enfrentar, de mexer. Então foi uma coisa que já não possibilitava. Havia a fazenda de Mardônio Diógenes, que estava praticamente dentro do limite permitido pela Reforma Agrária dentro do exigido no âmbito federal. Na época, não havia os programas estaduais, então a coisa ficou impossibilitada. (Entrevista nº 10, 2012, p. 11).

Se desde a década de 1970 até metade dos anos 1980, prefeitos da região do Vale do Jaguaribe e pessoas ligadas a eles politicamente foram assassinadas, além de

lideranças políticas e sindicais que tiveram o mesmo destino, imaginem líderes de movimento sindical que ocupassem o latifúndio ou fazendas improdutivas? Qual o principal obstáculo? Essas terras são propriedade de prefeitos e agropecuaristas do município, os quais têm forte influência política com o governo do estado, que defende a preservação do latifúndio. Além disso, quem domina a economia e a política na região do Vale do Jaguaribe são os agropecuaristas, fazendeiros e grandes comerciantes locais. Quem ousaria no caso de Pereiro ocupar as terras da elite dominante, dos prefeitos? O controle do médio e grande latifúndio está nas mãos da classe dirigente, de seus correligionários ou de famílias tradicionais da região, que também comandam o poder local. Além da cultura tradicional que, diante dos conflitos entre famílias rivais ou disputas pelo poder e pela terra ou em defesa da honra, fazem uso das armas e da violência privada. Esse contexto de violência política e de repressão à liberdade social atrofiou muito as instituições locais. Vejamos o que diz um dos entrevistados

Nossa cidade ganhou manchete a nível nacional, inclusive o Globo Repórter esteve aqui e fez uma reportagem sobre a pistolagem e isso repercutiu Brasil a fora, e o medo, eu ainda era criança, mas pelo relato dos meus pais sobre a época, o medo era forte, as pessoas não tinham coragem de lançar mãos de qualquer tipo de movimento social para enfrentar isso não. Porque a resposta era na bala, na ameaça, na agressão física, então o povo tinha muito medo e isso com certeza atrofiou muito esse sentimento de ir à luta em busca de interesses aqui no nosso município. (Entrevista nº 08, 2011, p. 07).

Nas décadas de 1970 e 1980 foram desencadeadas lutas em diversos municípios cearenses entre fazendeiros e agricultores sem terra, reivindicações e conquistas dos trabalhadores rurais que resultaram na conquista de latifúndios improdutivos. No caso de Pereiro, por falta de condições objetivas, sindicato rural e igreja católica não conseguiram avançar o movimento, portanto, assim não realizando nenhum assentamento rural no município.

O medo ou temor que trabalhadores e sindicalistas sentem para ocupar latifúndios improdutivos são provenientes, conforme relatos de entrevistados, dentre alguns motivos, pelo respeito ao patrão, sentimento de lealdade, falta de organização e poder dos fazendeiros. O poder familiar também é um forte obstáculo. Vejamos os motivos:

Aquela família [...] tinha o poder de amedrontar as pessoas e, principalmente, quando chegou à gestão do Dr. Mardônio Diógenes, porque você já deve saber do problema da violência, então foi que o pessoal ficou temeroso e aí nunca tentou tomar uma ação dessa natureza, de ocupar terras em Pereiro. (Entrevista nº 10, 2012, p. 12).

Vários obstáculos se impuseram ao movimento por reforma agrária no município de Pereiro. A burocracia estatal, predominância do minifúndio, solidariedade e respeito; também o medo que muitos trabalhadores sem terra, moradores de favor ou rendeiro sentiam dos fazendeiros locais. Enquanto, isso, o movimento da igreja católica e do sindicato rural permaneceu basicamente no plano das ideias, com discussões e esclarecimentos aos trabalhadores, orientação sobre os direitos constitucionais, no entanto, não avançou ou se materializou em conquista de terra para os trabalhadores. Com exceção de concessão da Igreja Católica local, que através do empenho do pároco local (Domenico Zoochi), no final da década de 1980 dividiu terras de sua propriedade do Tomé Vieira com cerca de vinte (20) famílias que ali residiam e trabalhavam há muitos anos.

O movimento estudantil, que durante o regime militar organiza-se no município por intermédio dos grêmios estudantis, é coagido por meio da repressão e da prisão de estudantes. No município de Pereiro, na gestão do prefeito João Terceiro, o movimento realizou passeatas por reivindicação de direitos básicos, mas foi coagido pelo poder executivo, resultando em prisão ou expulsão de estudantes da cidade. Diante desse contexto e estrutura política, as instituições sociais se restringem, portanto, terminam exercendo pequenas atividades, ao mesmo tempo atrofiam por falta de espaço para desenvolverem suas funções. A estrutura social e política vigente em Pereiro não permite a crítica ao coronelismo vigente e suas práticas políticas. Passada a gestão do João Terceiro, 1977-1982 veio a gestão de Mardônio Diógenes, reforçando a política conservadora e ditatorial do regime militar, fechando ainda mais os espaços de reivindicações e de liberdade de expressão. Dessa forma, há o revezamento entre mandonismo e coronelismo que impedem o fortalecimento das instituições sociais, contribuindo para o atrofiamento das mesmas, que vai prejudicar as lutas por conquistas dos direitos sociais e liberdade.

É a partir da abertura democrática e redemocratização do país que essas instituições começam a se reestruturar e desenvolver suas funções de forma lenta e gradual. O que acontece no município de Pereiro não é diferente. Desde então, Igreja Católica, movimento associativo comunitário, sindicato rural e movimento estudantil passam a atuar e juntos criam um movimento social e político que vai criar as bases de superação do regime coronelista local.

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