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Foto 3  Pesquisadores produzindo artigos

6 O LABORATÓRIO MULTIMEIOS E SUAS MULTIDIMENSÕES

6.2 Da dimensão política: entre dilemas, vivências e tensões

6.2.1 A rejeição

Conforme foi anunciado no início desta pesquisa, o Laboratório de Pesquisa Multimeios sempre foi meio deslocado do contexto da Faculdade de Educação, mesmo porque, no imaginário social dos sujeitos que habitam a FACED, os Laboratórios são vistos de maneira vinculada às Ciências Exatas, assim como ao desenvolvimento de atividades experimentais, a um saber-fazer, executar. No caso do Laboratório Multimeios, os habitantes do Campus não sabiam ao certo o que se fazia por lá, ou seja, qual seria a real necessidade no campo da Educação, expressando, portanto, certo sentido mítico. O relato de “Poincaré” ressalta esse aspecto do desconhecimento...

[...] o Laboratório de Pesquisa Multimeios você via aquele transitar de pessoas de entrar e de sair. Mas você não sabia muito bem o que acontecia lá. Eu mesma, com 20 anos na Faculdade, já sabendo que o Laboratório existia não tinha conhecimento real do que tipos de atividades eram desenvolvidas lá e que tipo de, digamos assim, qual era a característica real do Laboratório dentro da Faculdade de Educação.

O relato confirma o aspecto do desconhecimento, da desinformação sobre o papel deste Laboratório no campo da Educação. Há também uma afirmação de que a comunidade acadêmica não toma conhecimento acerca das atividades desenvolvidas. Ademais, sua representação é feita por meio de algum pesquisador, que normalmente explica para a comunidade acadêmica o que fazem, como fazem, o que, de certo modo, contribui para desmistificar a compreensão do Laboratório de Pesquisa Multimeios somente como um lugar para acesso das tecnologias digitais na FACED.

Todos os entrevistados, com maior ou menor ênfase, relataram que, quando iniciaram suas atividades no Laboratório, a principal dificuldade residiu em lidar com o modo pelo qual o Multimeios era visto pela FACED; ou seja, havia total desconhecimento de suas atividades, ocasionando um mal-estar entre os que por lá trabalhavam e a comunidade que circulava pela FACED. Desse modo, esse desconhecimento ensejava gerando conflitos internos entre os envolvidos com nas atividades do Laboratório e a própria comunidade acadêmica. Os relatos de “Einsten” e “Boubaki” parecem ser bastante reveladores de como e por que esses conflitos aconteciam.

[...] quando cheguei na Faculdade o movimento estudantil era muito forte e existia uma richa grande com o Multimeios, teve até uma briga, chutaram a porta, uma coisa desse tipo! Mas, assim, era por causa do poder, até apelidaram o Laboratório de “Castelo de Greyscon”. Porque as pessoas não tinha acesso e tava chegando a inclusão digital e os alunos tinham vontade de ter acesso aos computadores e aí

tinha um Laboratório que tá cheio de computadores que eles não podiam utilizar? Então, até se construir a ideia de que era um Laboratório de Pesquisa, que as pesquisas que estavam sendo desenvolvidas iam servir diretamente pra os professores que estavam lidando com essa tecnologia. Então, eles não entendiam isso! Existiam uma resistência, porque era como se fosse um espaço ocupado por um professor da exata que estava tomando território e que traz dinheiro pra Faculdade. Pra eles era: o Castelo de Greyscon está ali, mas era uma perspectiva particular que ninguém tem acesso! Mas quebrava muito isso na minha turma, até porque a minha entrada desmistificou muito essa ideia de que o CA criava do Castelo. Aí, a minha turma cresceu e não teve esse preconceito com o Multimeios, coisa que o CA tentava fazer com que os alunos ficassem revoltados. (EINSTEIN).

O relato de “Einsten” sintetiza alguns problemas originários desses conflitos. O primeiro diz respeito ao acesso direto de todos da FACED ao Laboratório Multimeios, tanto que a metáfora do “Castelo” tem relação direta com acesso permitido apenas para poucos privilegiados. Mesmo porque, como mencionado em outro momento, a representação do Laboratório de Pesquisa Multimeios não estava vinculada ao desenvolvimento de investigações de caráter científico-acadêmico que tinham impacto direto na formação de professor. Conforme ressalta “Einsten”, essa compreensão distorcida das reais características do espaço acabava gerando resistências por parte de alguns grupos que alimentavam a compreensão de uma apropriação personalizada e particularizada do espaço.

Como se vê, um dos maiores desafios dos pesquisadores do Multimeios é tentar não reproduzir o conjunto de significados pejorativos que a comunidade da FACED tende a (re)produzir sobre o Laboratório. Há um entendimento equivocado sobre a identidade do Laboratório na FACED. Como se pode perceber, no entanto, no relato de “Einsten”, o fato de alguém ter buscado desmistificar essa visão pode interferir diretamente na leitura/compreensão que a comunidade tem do “lugar” do Laboratório de Pesquisa Multimeios na FACED.

De todo modo, reconheço que essas ideias propagadas pelo movimento tinham alguma razão de ser. Elas faziam parte de um conjunto de reinvindicações constantes das questões ligadas à política de informatização no âmbito da FACED, bem como se filiava aos aspectos da gratuidade na Universidade pública em contraposição aos processos de privatização dos espaços. Nesse caso, era inconcebível que, diante das condições precárias de acesso às tecnologias digitais na FACED, a comunidade não tivesse acesso a um Laboratório situado dentro da própria instituição e construído para fins de colaboração com a política de informatização do ensino público cearense.

Esse mal-estar permanece vivo na memória dos pesquisadores. Os mais velhos rememoravam suas angústias ao presenciarem os protestos do movimento estudantil querendo “ocupar” o Multimeios, assim como revelavam suas angústias ao presenciarem os momentos

de tensões quando nas reuniões com outros grupos de pesquisa da FACED. De todo modo, mesmo todos os conflitos, os sujeitos reconhecem sua importância para a Universidade.

Olha eu sempre procurei ficar muito na minha nas questões políticas. O pessoal falava e eu ficava calada. Inclusive, na Pesquisa Impacto isso era muito chato, porque gostava das pessoas que faziam parte, mas às vezes saia das reuniões muito triste com tudo aquilo que via, todas aquelas conversas, as articulações muito tensas e acho até que havia uma curiosidade sobre o Multimeios, as pessoas falavam por desconhecimento. Acho que o Multimeios tinha o que muito professor ali não tinha com sua pesquisa. Quando foi para aquele espaço teve uma briga porque pegou uma parte daquela salinha, lembra? E mais: ninguém na FACED tem uma estrutura como tem no Multimeios. (BOUBAKI).

Além do desconhecimento, “Boubaki” sintetiza outro problema decorrente da relação, a disputa pela ocupação dos espaços físicos na FACED, mesmo porque suas condições estruturais estão sempre incompatíveis com a quantidade de projetos e pesquisas que são desenvolvidas no Campus. Nesse sentido, há sempre uma comparação com as condições estruturais que o Laboratório possui com outros espaços na FACED. O relato de Arquimedes confirmou tanto a questão do desconhecimento como a disputa política nos movimentos da FACED.

Na minha época, as pessoas desconheciam qual era a proposta, outros conheciam, mas, por rixa de algum professor, por questão política, quando estava na graduação via que era isso, uma visão política que tinha do Multimeios, mas poucos alunos buscavam ir a fundo, conhecer. Então, eles tinham uma parada, que é uma concepção mais política, tinham aquela coisa de ir conhecer, querer vivenciar, se limitar na visão de uma pessoa, de um jeito, personalizado. Eu falo assim, como é que ele é visto dentro da FACED, ele pode não ser muito bem visto por uma questão política. Mas, ele é autossuficiente, num depende de greve, de financiamento, busca uma autonomia, acho isso bacana no Multimeios. Ele não espera por ninguém para ele ter gás, pra fomentar ações precisa ter essa autonomia e a FACED acaba não vendo, talvez por isso, por ele não ser tão dependente da Universidade.

(ARQUIMEDES).

É fato que as relações humanas se encontram permeadas do aspecto político e, sem dúvida, pelo relato de “Arquimedes”, vi também que há uma compreensão do Multimeios desde uma leitura muito personalizada na figura de seu Coordenador. Ao fazer referência ao Laboratório, “Arquimedes” acrescenta a questão gestão autônoma do próprio, todavia, reforça, por um lado, o aspecto positivo dessa autonomia, questiona se essa autogestão reverbera em conflitos, ou seja, está na Universidade, mas funciona de forma um pouco mais independente. Na verdade, no discurso dos sujeitos, é a Faculdade que acaba tendo uma dependência do Multimeios, em especial, quando se refere às questões ligadas aos recursos da teleinformática. Na perspectiva dos sujeitos, o Multimeios é o tomado como a referência do suporte às tecnologias digitais na FACED. Assim, acrescenta “Gauss”:

[...] Se as pessoas dentro da Faculdade soubessem valorizar, desse o valor que ele tem, a Faculdade sem o Multimeios não existiria! Porque até uma extensão vão buscar no Multimeios! Se precisam de internet, acham que o Multimeios é que vai solucionar o problema, até pra fazer um slide, correm lá pra pedir ajuda. Então, assim, apesar de não ter o valor que deveria ter, mas as pessoas ainda veem que lá é um suporte tecnológico dentro da Faculdade. (GAUSS).

Observei ainda que outro desafio para o pesquisador do Multimeios é o enfrentamento cotidiano desses conflitos políticos dentro da FACED. Parte desse conflito é um problema que escapa aos olhos do pesquisador, diz respeito à forma como, à FACED, o movimento estudantil tem significado o lugar deste Laboratório no campo da Educação. A outra face do conflito diz respeito à referência do Multimeios como esse “lugar” que é colocado como algo não acessível, distante do alcance da comunidade, tanto que o apelido de “Castelo” reforça o argumento do inalcançável para alguns, segregando o acesso a poucos privilegiados. O relato de “Descartes” foi bastante revelador nesse sentido,

[...] naquele momento, entre dois mil a dois mil e quatro, via muita reclamaçãodo Multimeios, como se fosse um espaço isolado, inclusive a internet, pontos privilegiados. Para ter acesso a internet tinha que ir lá, tinha que falar com o professor Hermínio... Mas, naquela época era bem mais mal visto do que hoje...Porque a internet hoje está em todo canto. Tem outras formas aí do pessoal acessar, então tem gente que nem sabe da existência do Multimeios, hoje, atualmente tem gente que sabe menos do que naquela época, eu acho que naquela época todo mundo sabia mais por conta disso, por conta de achar que era um espaço restrito. Então, eu sentia isso, um mal estar por estar lá... né?

(DESCARTES).

Em seguida, “Leibniz” afirma que essa dificuldade tem diminuído com o passar dos tempos, o mal-estar ainda não foi totalmente reconstituído, mas a lembrança, boa ou má, ainda é muito viva na memória dos pesquisadores.

[...] Hoje é bem melhor, mas o Multimeios era visto como algo fora da FACED. Como o Coordenador começou a trabalhar com projetos que envolviam instituições públicas e particulares, naquela época, nos anos 90, aquilo não era bem visto aqui no Brasile era justamente uma tendência para qual o CNPq apontava. Na época, também nós tínhamos mais pessoas com resistência a tecnologia também... Acredito que hoje a situação se ela tornou bem diferente. Então, hoje se percebe o Multimeios como algo que tá integrado à Faculdade de Educação, como parte da FACED. (LEIBNIZ).

“Leibniz” chama atenção para outro aspecto dessa relação, o fato de o Coordenador do Multimeios estabelecer parcerias com órgãos que tanto pertenciam à esfera pública como à iniciativa privada não foi bem visto pela FACED. Na verdade, vi que esse comentário reforça o argumento em defesa da bandeira histórica por “uma Universidade, pública, gratuita e de qualidade”. Nesse caso, parece que o Multimeios estaria “nadando

contra a corrente”, a qual se opunha às articulações com a iniciativa privada, temendo os processos de privatização da Educação. Ademais, “Leibniz” também aborda a resistência no que dizia respeito ao uso das tecnologias na Educação. Afinal, o ranço do instrumentalismo do tecnicismo ainda existia naquele momento.