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Foto 3  Pesquisadores produzindo artigos

2 O PERCURSO METODOLÓGICO: QUANDO CHEGAR E PARTIR SÃO

2.7 Búzios ao ouvido: auscultando os sujeitos

2.7.2 Sobre as “aventuras” de campo

A preocupação com um plano flexível de trabalho dar-se-á pela compreensão de que o campo é, sobretudo, determinante na estrutura de uma investigação, tendo em vista ser nesse espaço que afirmamos, confirmamos e/ou negamos nossas hipóteses, certezas, nossas verdades, às vezes, tão fixas.

Semelhante ao trabalho de um agricultor, o início de trabalho de um pesquisador requer a observação do ambiente onde será realizada a pesquisa; averiguar o terreno, refletir

sobre o tempo do plantio vislumbrando a colheita. O agricultor também tem um plano e depende de todas essas fases (plantar/colher). Todas essas etapas possuem um grau de flexibilidade, pois as previsões de realização, tanto da atividade do agricultor como do pesquisador, não podem ser controladas em sua totalidade.

A comparação (agricultor/pesquisador) é importante para se compreender que o pesquisador no campo também não determina veementemente seu tempo de pesquisa, ficando a depender, muitas vezes, da dinâmica dos sujeitos, com seus tempos. O pesquisador, como o agricultor que sabe o que quer, está municiado de conhecimentos e experiências, mas com hipóteses que podem ser modificadas e reformuladas desde as observações, da apreciação do campo. É o que nos advertem Bogdam e Biklen (1994, p. 27):

Considere as primeiras visitas como oportunidades para avaliar o que é possível efetuar. Se tiver algum interesse específico, pode escolher indivíduos ou ambientes onde pensa que este será patente, podendo chegar, posteriormente à conclusão de que não encontrou o que esperava. Esteja preparado para modificar as suas expectativas ou o seu plano, caso contrário pode passar demasiado tempo procurando algo que pode não existir, o “estudo certo”.

Na maioria das vezes, o pesquisador iniciante adentra o campo com verdades prontas, acabadas, considerando que tudo aquilo que ele vai encontrar contribui para confirmar o que considera já saber. Isso faz que o pesquisador desvincule a ideia do campo com a descoberta de informações, achados, de forma a permitir outras suposições (CRUZ NETO, 1994).

A opção por investigar o Laboratório como locus de formação na área de tecnologias digitais demandava de mim um grande desafio: pesquisar o próprio local de trabalho! Nesse caso, o pesquisador terá que enfrentar o desafio de pesquisar o próprio habitat e como seria, no dizer de Da Matta (1978), como transformar esse ambiente familiar em exótico? Como manter os estranhamentos quando se é o próprio “nativo”? Como manter o distanciamento crítico de um campo de pesquisa tão próximo?

A questão da imparcialidade é crucial no trabalho do campo. Nesse caso, o local da pesquisa é meu o próprio locus de atuação profissional. No tocante à questão da imparcialidade, Foote-White (1975, p. 84) alerta: “Quando o pesquisador está tentando participar demais de um grupo, seu trabalho de campo se complica. Pode acontecer que os grupos entrem em conflito e assim esperar-se-á do pesquisador uma definição.”

Ao perceber-me diante desse desafio, o primeiro passo foi adentrar ao cotidiano das atividades desenvolvidas no Laboratório Multimeios. Aqui digo não só atividades burocráticas relacionadas às disciplinas ou aos projetos, mas, sobretudo, passei a participar

das atividades rotineiras, desde o momento do encontro do almoço na esquina da faculdade, até mesmo participar das conversas informais que também circulavam naquele espaço. Era preciso, mais do que nunca buscar apreender o ponto de vista “dos nativos do MM”, necessitando assim a observação no local, da movimentação cotidiana dos nativos, procurando compreender “o olhar de dentro!”

No decorrer desses encontros, observei que os assuntos entre eles envolviam desde o compartilhamento de projetos profissionais aos pessoais. Esses momentos iniciais revelavam a insuficiência de informações acerca do local onde trabalhava e o quão tinha para descortinar no meu trajeto desta pesquisa.

Nesse momento, começo a lançar mão do instrumento de pesquisa: diário de observações e, sem dúvida, tento aproximar-me das características expressas por Chizzotti (2010, p. 72) em relação ao pesquisador etnográfico. Assim, ressalta o autor:

O pesquisador permanece em campo envolvido, durante um período durável, na vida cotidiana dos membros de uma comunidade ou grupos homogêneos, geograficamente determinados, partilhando suas práticas, hábitos, rituais e concepções, sem pré-julgamentos ou preconceitos pessoais para compreender a cultura dos grupos. Este contato próximo habilita o pesquisador para alcançar um conhecimento íntimo e amplo do grupo, apreendendo não só o que ocorre no local, mas também como é visto construído e usado pelos membros do grupo nas atividades habituais do dia-a-dia. (CHIZZOTTI, 2010, p. 72).

No decorrer das “aventuras etnográficas” com os “nativos” do Laboratório, fui percebendo, à medida que anunciava que investigaria o Multimeios em suas múltiplas dimensões, que havia, nos discursos dos “nativos”, uma sensação de prestígio, sobretudo satisfação por identificar seu local de trabalho em evidência no âmbito acadêmico.

Ao serem indagados, no entanto, acerca do histórico do Multimeios, percebi que (assim como eu) os “nativos” sabiam muito pouco acerca da constituição daquele espaço, o máximo que conseguiam relatar vinculava-se aos projetos de que haviam participado ao longo dos últimos dez anos.

Passei algumas semanas buscando coletar dados e confesso que algumas vezes saí do local da pesquisa com sensação de desânimo, sentindo-me por demais fracassada em minhas tentativas de coletar material, tendo em vista que minha “esperança” estaria tanto na memória humana dos “nativos” quanto em seus “acervos digitais”. A essa altura, minha compreensão sobre coleta de dados afinava-se com as descobertas de Zaluar (2000, p. 04) quando em sua aventura antropológica afirma: “descobri que os dados não são apenas construídos simbolicamente e teoricamente por todos os participantes da pesquisa. Os dados são também conquistados”.

Essa conquista exigiu de mim o desenvolvimento de estratégias para conseguir alcançá-los. Foi quando resolvi recorrer aos arquivos na administração do Laboratório. As secretárias forneceram dados digitais (relatórios) acerca das atividades desenvolvidas nos projetos envolvendo o ensino, a pesquisa e a extensão, que o Laboratório tem desenvolvido ao longo desses anos. Nesse contexto de aventuras da pesquisa empírica, a seguir, irei relatar um fato ocorrido nas sessões de entrevistas que me chamou atenção, em especial, no que tange ao papel da memória na coleta de dados.