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Fonte: Elaboração própria.

A mesa disposta na foto 2 aparece como “eixo central” da produção, uma vez que é sobre ela que se consertam os computadores28, fabricam-se esboços de artigos, as decisões nas reuniões dos Grupos de Pesquisa, celebraram-se datas festivas, veem-se divergências teóricas entre os colegas, realiza-se reuniões com o Coordenador, assim como é onde são compartilhadas as literaturas externas, quase sempre comparadas com as produzidas no Laboratório.

Essa mesa é também “palco” dos muitos conflitos e discordâncias entre os pesquisadores do Laboratório. Particularmente, vivenciei vários momentos no entorno dessa mesa. Lembro-me bem da situação quando, o Coordenador me pediu para colaborar nas atividades do projeto de extensão Portal do Professor e Banco Internacional de Objetos Educacionais (PROBIOE). Meu primeiro contato com a equipe de trabalho ocorreu no entorno dessa mesa. Estavam um pesquisador/coordenador e cinco bolsistas de graduação em Pedagogia. Isso ocorreu em meados do ano de 2009, e eu havia acabado de aportar de volta ao Multimeios, ainda estava (re)conhecendo o terreno que havia deixado há alguns anos. Um dos coordenadores do projeto abordou-me com certa desconfiança, questionando: “O que você veio fazer por aqui?” Com essa pergunta, comecei a perceber, novamente, que essa minha (re)integração não seria fácil, mesmo porque havia uma clara e evidente disputa pela

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É muito comum ao entrar no Laboratório e se deparar com o Coordenador realizando o conserto de alguma máquina que fica essa mesa, fios e pedaços de peças espalhados por todos os lados. Nesse momento, há sempre um bolsista que o acompanha, sendo que este é, ao mesmo tempo: auxiliar-ajudante-aprendiz. Essa é uma cena tipicamente corriqueira do Laboratório Multimeios.

ocupação dos espaços, assim como sua gestão era marcada por vínculos hierárquicos de poder.

Quando falamos de poder, vem-nos à tona, de imediato, a relação de força, autoritarismo, um manda, e outro obedece, relação unilateral, dominação. Tal situação nos alinhou às preocupações do filósofo Michael Foucault ao enfocar suas discussões relativas ao poder nas variadas instituições, como escola, os hospitais e fábricas. Na leitura de Foucault (1998), o poder não é uma realidade que possua natureza própria, uma essência que se defina por suas características universais. Não existe algo unitário e global chamado poder, mas unicamente formas díspares, heterogêneas, em constante transformação. O poder não é um objeto natural, uma coisa; é uma prática social, como tal, constituída historicamente.Afinal, “Rigorosamente falando, o poder não existe; existem sim práticas praticas ou relações de poder.” (FOUCAULT, 1998, p. 16). Ainda com relação às relações “sutis” de poder, segue mais uma cena vivenciada:

Era mais ou menos quatorze horas quando entro na sala da disciplina de EAD. Neste dia, iríamos realizar a discussão do um texto utilizando-se da ferramenta chat. No decorrer da sessão uma das bolsistas saiu da sala por alguns instantes. Ao retornar percebi que seu rosto está trêmulo, com olhos cheios de lágrimas. Continuei acompanhando o bate-papo e observando seu movimento meio que, de longe, sutilmente... Lá por volta das quinze e trinta, o Coordenador chega à sala, comenta um pouco sobre o bate-papo, olha os computadores, examina o funcionamento do ar condicionado até que em um momento chega pertinho da bolsista e nesse momento há um silêncio de quem fala por dentro, fala com o corpo e gestos. O Coordenador saiu da sala e logo acaba a sessão de bate-papo, bolsistas de outros projetos entram na sala e já chegam abraçando a bolsista que se derrete em choros demorados por alguns segundos. Pergunto-lhes: o que houve? e um deles/as responde: “ela entrou na sala do projeto @D e a coordenadora a destratou, expulsando-a da sala!” e outro bolsista acrescenta: “isso não é a primeira vez, mas já estamos calejados!”. Outro bolsista complementa: “ela disse que não a respeitamos, simplesmente porque não a obedecemos! (DIÁRIO, em

14/05/2013).

Observei que esses comentários citados pelos bolsistas eram quase sempre colocados pela metade, apresentando um tom de medo, ficando muito evidente as práticas de poder ali instituída. O Coordenador ao qual fazia referência estava realizando seu curso de pós-doutorado no Multimeios e exigia uma relação hierarquizada com os bolsistas. Essa situação reforça a maneira como se dão as relações no interior desde Laboratório, ou seja, são relações carregadas com recortes intencionais de dominação. É importante ressaltar que o poder só é percebido quando pela pressão exercida como determinador de formas de dominação.

Quando penso na mecânica do poder, penso também em sua forma capilar de existir, no ponto em que o poder encontra o nível das pessoas, atinge seus corpos, vem se inserir em seus gestos, atitudes, discursos, aprendizagem, vida cotidiana (FOUCAULT, 1998). Vi a categoria conflitos, ensejada pela demarcação de espaço e na realidade, pelas relações hierárquicas de poder. Apesar das dores, no entanto, percebi também o espírito solidário e o acolhimento entre os demais, como uma família que acaba se agregando para se proteger do “perigo”.

A essa altura, não tinha como não recorrer a Freire (1996) e sua crítica à prática pedagógica, que privilegia uma relação hierarquizada entre aluno e professor. Ao contrário, Freire defende a superação dessa relação sujeito x objeto, dessa dicotomia professor e aluno por uma relação mútua de respeito, pois, “[...] embora diferentes entre si, quem se forma se re-forma ao formar quem é formado forma-se e forma ao ser formado.” (FREIRE, 1996, p.23). Assim, quem ensina aprende, e consequentemente quem aprende também ensina, estabelecendo uma relação sujeito-sujeito.

Saindo da “rota” dos conflitos, vou para a ala do Salão Rosa (SR). Este espaço contém livros, dicionários, artigos, computadores. Aqui se trabalha o material escrito. Lê-se, escreve-se, digita-se. Os pesquisadores do SR leem, escrevem sentados em suas bancadas. Em rápida observação, é possível perceber que cada bancada tem materiais escolares (livros, cadernos, porta-lápis, grampeador etc), computador ligado em rede e pertences pessoais (bolsinha com escova de dentes, creme e fio dental). Percebo, entretanto, que, se, por um lado, o sujeito se vincula ao “seu” espaço, por outro, ele, também demarca seu território. Enquanto aqueles que se ocupam da parte “técnica” na SS, passam parte do tempo ocupados em examinar os aparelhos, têm que limpar uma memória aqui, instalar um anti-vírus, verificar se o “servidor” está funcionando. Aqueles que pertencem ao SR passam longo tempo discutindo com seus colegas que realizam o conserto de algum computador na sala de SS, assim uma sala sempre se comunica com a outra. Apesar do fluxo de conversas, a divisão entre as alas que compõem o Laboratório são evidentemente claras, não se observa uma relação direta entre as partes: Sala do Coodenador (SC)+ Sala do Suporte Encontro (SS+ SE) e a Salão Rosa (SR). Igualmente ao Laboratório pesquisado por Latour e Woolgar (1997, p. 39) “O Laboratório se singulariza por uma relação específica entre o espaço ocupado pelos escritórios e espaços das bancadas.”

Em primeiro lugar, no período da manhã, as secretárias cuidam dos documentos, uma declaração não remetida, os documentos solicitados pela Pró-Reitoria de Extensão, o relatório enviado para renovação do Projeto de Monitoria, verifica as chaves na “casinha” da

entrada e confere no livro de ponto a última assinatura. Vez por outra, saem para pegar algum material de consumo no almoxarifado da Faculdade. Realizam também o arquivamento dos projetos e relatórios semestrais dos bolsistas. No Laboratório, esses documentos constituem uma prestação de contas daquilo que foi processado e produzido semestralmente ou pelo menos anualmente. Em segundo lugar, os pesquisadores enviam pelo correio eletrônico os artigos/resumos que saem do Laboratório – “Os artigos, longe de serem os relatórios do que foi produzido na fábrica, são considerados pelos membros da equipe como os produtos de sua usina singular”. (LATOUR; WOOLGAR, 1997, p. 39).

Uma rápida passada de olhos nos permite dizer que os conteúdos dos artigos/resumos dizem respeito a temáticas vivenciadas pelos pesquisadores dentro do Laboratório. Os artigos realizados por outros constituem a literatura externa, tendo influência da literatura francesa (ARTIGUE, 1996). Como observadora, percebo que a “produção de artigos” parece ser um indício do princípio que dá sentido à atividade desenvolvida no interior do Laboratório. As fotos 3 e 4 ilustram perfeitamente o tipo de trabalho científico realizado neste Laboratório.