4. O discurso dos conselheiros: entre o normativo e o real
4.11. Relacionamento conselho/diretoria: cumulação de cargos e intermediação dos
Foi perguntado aos entrevistados como se dava o relacionamento dos conselheiros com
os diretores nas empresas em que atuaram. Para dois entrevistados, a interação entre a
diretoria e o conselho fica aquém do que seria necessário para a boa atuação de
ambos.
275Um entrevistado também mencionou desempenhar por vezes uma função de
aconselhador do diretor presidente
276, mas esta não é a função que se espera do
conselheiro, para caracterizar uma boa interação do conselho com a diretoria.
270 “Agora, quando você está num Conselho onde normalmente há construção de consenso e chega uma
hora que você não consegue construir o consenso, o impacto é muito forte. Há uma resistência, e uma conotação negativa dos incumbentes. Então há um peer pressure para que isso não aconteça, tá? Se você fizer uma análise das atas publicadas você vai ver que é tudo consenso, né? (...) É um mundo lindo”. (C4)
271 “Não, nas empresas com dono não havia a menor discordância. Quer dizer, vamos ser francos. É, quer
dizer, a gente copiou um modelo americano que não tem nada a ver com o modelo brasileiro. Nas empresas com controlador não tinha nada, o controlador mandava, colocava em pauta o que ele queria... Já sabia [o resultado que queria chegar]. E se você começasse a fazer pergunta, ou querer propor alternativas você não ia voltar. Esquece isso aí”. (C11)
272 “Eu acho que são frequentes. Quer dizer, nos Conselhos que eu participei sempre...[...] Sempre houve
o voto discordante, abstenções, declaração de voto. Mesmo nos Conselhos menos confrontacionais. Mesmo nos mais confrontacionais, eu acho que dá para tirar um denominador comum, uma coisa assim”. (C10)
273 “Eu tenho a impressão que à medida que os Conselhos vão amadurecendo eles tendem a ter mais
decisões por maioria, com motivação de voto. O que é natural. Eu tenho a impressão que quando a discussão fica mais madura, não é nem mais madura, as pessoas não têm medo de divergir, de discordar, de entender a ótica do outro, né”. (C10)
274 “Na minha experiência pessoal a coisa sempre foi com consenso, eu nunca participei de um Conselho
que teve que votar alguma coisa, né. E eu acho que esse é o caminho, se você não tem consenso é melhor esperar mais um pouco. Enfim, todo mundo abre mão de alguma coisa, enfim, eu acho que o consenso é um caminho fundamental para um bom Conselho. Você ter que votar é um fracasso, eu acho.” (C7)
275 “Não, a resposta é muito objetiva. Hoje, se a mostra dos Conselhos que eu participei é verdadeira, a
grande parte fica aquém, essa interação fica aquém do desejado. [E essa interação depende mais do...] entendimento maior do Conselho como recurso. [Do controlador] e dos executivos também...”. (C5)
276 “Eu acho que também depende muito do perfil do diretor presidente, tá? Tem caras que são muito
Alguns deles destacaram que a interação se dava ou por intermédio do presidente do
conselho ou dos Comitês. Também foi indicado que em uma das empresas, essa relação
era intermediada pelo grupo controlador (1).
No caso de o relacionamento ser intermediado pelo presidente do conselho, o presidente
do conselho atuaria fazendo o ‘meio de campo’ entre a diretoria e o conselho, resolvendo
conflitos dentro do conselho e mediando disputas de poder entre os dois órgãos.
277Para
um entrevistado, o presidente do conselho traçaria as diretrizes, tomaria as iniciativas e
trabalharia lado a lado do presidente da companhia, que poderia, mas não precisaria
participar do conselho.
278Para outro, caberia também ao presidente do conselho assumir
um papel de liderança dento do órgão para, ciente das competências de cada
conselheiro, pedir as opiniões para cada um.
279Por vezes, isto se dava em função de uma cumulação de cargos: a pessoa era ao mesmo
tempo o diretor presidente e o presidente do conselho (2)
280. Embora para um dos
entrevistados essa cumulação pudesse ser considerada às vezes um fator de
praticidade
281, ela, em regra, não foi vista com bons olhos por todos os entrevistados. Um
ouvir, ele liga pro conselheiro, tem muitos que ligam pra mim e diz: “olha, eu estou fazendo uma operação aqui, o que você acha desse negócio?” Eu opino: “olha, é assim, assim, assim”. É muito comum o diretor de relação com investidores ligar para o advogado que é do Conselho: “olha, o que você acha disso aqui? Tem um acionista que está pleiteando isso, ou nós precisamos fazer uma divulgação, é fato relevante, ou não é fato relevante?” Independente de ter um advogado do, você vai lá e orienta, entendeu? Assim como o diretor presidente pode ligar pra um cara que é especializado em finanças: “olha, estamos pensando em fazer uma operação de empréstimo, o que você acha?”. (C12)
277 “Não. Aí havia regra informal, está certo, que eram consultas com o presidente do Conselho e tudo.
Fazia o meio de campo. (...) Então, era um conflito, não era uma coisa que se explicitava numa reunião, mas o que era disfuncional vinha através de um canal adequado, que era o presidente do Conselho, entendeu? Então isso existe, claro. E é bom que haja. Quer dizer, é bom que os canais funcionem assim porque senão você não tem feedback do que está acontecendo, você pode entrar por um caminho que está errado, está inadequado para a organização humana que você tem”. (C9)
278 “Eu acho que pode, pode ser. Eu acho que, talvez, é muito interessante uma afinidade grande entre o
presidente do Conselho e o presidente da companhia, não é. Eu acho, assim, sendo mais formalista e rigoroso, talvez o presidente do Conselho, seria o natural que ele traçasse as diretrizes, que tomasse as iniciativas, e trabalhasse coordenadamente com o presidente da companhia, não é. E o presidente da companhia, nesse caso, não precisaria ser membro do Conselho. (...) Quer dizer, eu não quero ser xiita e tal, acho que, digamos, não ser membro do Conselho podia facilitar, né”. (C10)
279 “Eu não tenho dúvida, tá, que o Conselho é o reflexo da postura do presidente. Um Conselho é atuante
quando o presidente é atuante, quando ele belisca o pessoal. (...)O presidente do Conselho ele tem que ter mapeado o perfil de todo mundo que ele tem ali, entendeu? Perguntar, por exemplo, chamar o conselheiro, muitas vezes, para dar uma opinião, né. As vezes tem pessoas que são inteligentíssimas, mas elas são um pouco mais constrangidas de falar. Traz essa pessoa: “o que você acha?” A pessoa se vê fortalecida dentro naquele meio, né. Então isso é muito da liderança do presidente do Conselho”. (C12)
280 “Então você também tinha um representante do Conselho, no caso, que era [ao mesmo tempo] o
presidente do Conselho e o presidente da Diretoria. (...) Então ele fazia um pouco esta ponte [entre o conselho e a diretoria].” (C1)
281 “Em certas coisas facilita bastante. Mas quando você olha para a gestão, é uma gestão bastante
deles afirmou que uma separação entre os dois cargos é fundamental para que o
conselho tenha qualquer efetividade.
282Um dos entrevistados afirmou que não seria um problema a participação do CEO no
conselho, desde que ele não fosse o chairman. Para ele, isto poderia ser inclusive
benéfico, por reforçar a seção executiva do órgão.
283Por outro lado, o mesmo não seria
verdade para os demais diretores: dois entrevistados consideraram que a previsão legal
de que até 1/3 dos conselheiros seja de diretores é excessiva ou inadequada. Para estes,
o management, ainda que seja convidado para participar das reuniões eventualmente,
não deve ser incorporado ao board.
284Sobre a presença do controlador no conselho, o
dono da empresa, um entrevistado se mostrou incrédulo com relação à possibilidade de
o dono saber distinguir bem os dois papeis e não se comportar como dono no
conselho
285.
Além de participarem das reuniões enquanto conselheiros, diretores frequentemente
participam das reuniões como convidados, nas quais fazem apresentações temáticas com
o intuito de fornecer subsídios aos conselheiros
286. Foi constatado nas falas dos
entrevistados, que estas participações, mais do que os relatórios que os diretores
elaboram
287, são o principal eixo de ligação entre a diretoria e o conselho, pois são poucos
os conselheiros que ativamente procuram os diretores para obter informações que
considera necessárias para discutir alguma questão no conselho
288. Os diretores que
282 “Se você tem o cara nos dois, como muitos anos se perpetuou, não existe uma, não tem como. O diretor
presidente participou de uma negociação inteira de uma compra de uma empresa. Ele vai botar em votação como presidente do Conselho o negócio. Como que ele vai defender isso? Ele põe a hora que ele quer, né, ele justifica da forma que ele quiser, e ele tem muito mais argumentos...” (C12)
283 “Olha, eu não tenho uma visão muito forte contra o CEO ser membro do Conselho, eu acho que é até
positivo em ele não sendo chairman. E aí entra, quer dizer, reforça a importância da seção executiva”. (C4)
284 “Acho ruim. Acho excessivo [a previsão da lei] (...) Olha, eu não tenho nenhuma empresa que eu
participe, ou que eu tenha participado, onde qualquer membro da Diretoria que não o presidente, tenha sido conselheiro”. (C4) “Nas empresas um pouco maiores cada vez tem menos diretores, eles são convidados da reunião, mas eu acho que é uma boa prática, a não ser em casos, de novo, uma empresa pequena, mas é boa prática você não ter o management como parte do board, mas sim como convidado”. (C7)
285 “Bom, deixa eu te dizer, existe uma diferença muito grande entre Conselho que tem a presença de
acionista como conselheiro, em que os demais conselheiros sabem que no limite ele vai se comportar como dono do negócio, e Conselhos em que você não tem acionista presente como conselheiro. É muito difícil para o acionista ele, vamos dizer, ele se disciplinar ao uso de dois chapéus quando ele está num Conselho de Administração. Muito difícil. Ele raramente abandona o papel de dono, né”. (C9)
286 “É. Porque aí vem o cara de vendas, vai, fala, relata como estão indo as vendas, o cara da fábrica ele diz
os problemas, periodicamente tem caras do meio ambiente, etc.” (C2)
287 “Depois você tem, normalmente em qualquer reunião de Conselho você tem um relatório feito por cada
um dos diretores sobre as suas áreas. O diretor geral, que faz a coisa geral, depois você tem o diretor financeiro, que faz também a sua exposição de relações com o mercado, depois você tem um diretor de logística, que é importante”. (C1)
288 “E o que eu percebo nas empresas que eu participo é que eu sou o único conselheiro que vai lá e quer
conversar com o diretor, né, os outros não fazem isso. Muitos nem precisam porque são insiders, né, e já conhecem todo mundo e coisa e tal, não tem essa necessidade. Outros geralmente não dão bola”. (C4)
participam mais, segundo a fala de um entrevistado, são o presidente executivo e o
diretor financeiro; os outros diretores participam pontualmente, naqueles assuntos que
lhes diz respeito
289.
Um entrevistado afirmou que a participação do CEO como convidado nas chamadas
sessões executivas é muito produtiva. Essas sessões consistem na presença do CEO em
parte do tempo da reunião, reservando-se o começo e o fim da reunião para que os
conselheiros discutam sozinhos, sem a presença do management
290.
Além da presença dos diretores, foi mencionada a presença de especialistas em
determinados assuntos que estavam na pauta da reunião, tanto internos, funcionários
da empresa da área em questão
291, quanto externos. Estas participações podem ser tanto
uma coisa de rotina
292, quanto excepcional, em função de alguma operação nova que
está sendo estudada
293. Para um entrevistado, essas participações são subaproveitadas,
pois os conselheiros não conseguem se preparar o suficiente para usufruir dos
conhecimentos dos especialistas
294.
289 “O que existe é assim, o presidente executivo participando de grande parte da reunião, o diretor
financeiro em vários casos também, em boa parte da reunião, e os outros diretores participando pontualmente, naqueles assuntos que diz respeito a eles”. (C8)
290 “Isso eu acho... o CEO tem que estar presente, eu gosto muito da ideia das sessões executivas, quer
dizer, o CEO está presente em quase toda a reunião, e aí muitas vezes no início e no fim você tem uma reunião só entre os conselheiros. Antes falava muito em reunião no final, mas a experiência tem mostrado reuniões no início também muito produtivas, sem a presença do management (...) E no fim é muito mais para fazer um fechamento, tal. Mas eu acho legal ter no começo e no fim o espaço só para o Conselho, e a grande parte da reunião ter sempre o CEO”. (C7)
291 “Isso é frequente. Área de Meio Ambiente lá tem um grupo de profissionais que assessoram a empresa,
e outras áreas também, sim. Mas é mais o pessoal da empresa mesmo, mas sempre se chama. (...) São problemas tão específicos que o especialista ele conhece bem, né”. (C2)
292 “Ela é variável, né, tem empresas que tem práticas saudável, das áreas se reportarem regularmente ao
Conselho.” (C4).
293 “Dependendo da necessidade do assunto sim. Sim. Geralmente o pessoal mais estratégico, geralmente
tem economista, tem um monte de gente. Ou se você está fazendo algum trabalho, colocando algum sistema novo. Alguma operação diferente, você está fazendo uma aquisição ou está estudando abertura de capitais, aí traz uma pessoa de investimento naquela reunião, para aquela área específica”. (C5)
294 “Outra coisa que não existe, você tem temas importantes e novos para o Conselho. Aí o que os Conselhos
normalmente fazem? Convidam algum palestrante. Um especialista. Então todo mundo falando de inovação, eu vou convidar um cara que seja especialista em inovação. O cara vem para o Conselho e vai fazer uma palestra brilhante e tal, os conselheiros vão fazer uma ou outra pergunta, não é. O cara vai embora, o que é que fica? Não fica quase nada. Então o que a gente recomenda, mas que ainda não é uma prática? Que tenha uma agenda temática para o ano, que alguém, que a gente já saiba com antecedência, que nós estamos em julho, na reunião de outubro o tema é inovação, e alguém fique responsável por subsidiar os conselheiros com relação aquele assunto, né. Então, o que, quais são os papers mais atuais de Harvard e outras escolas em relação a inovação? Fornece isso para os conselheiros. Eventualmente até um livro. Quais são as empresas que são benchamarks em inovação? O que elas estão fazendo? (...) Porque daí, primeiro que as perguntas para o especialista vão ser mais inteligentes, e depois que o cara vai embora a gente senta e define: bom, e agora, quais são os próximos passos, o que a gente vai fazer? Entendeu?”. (C8)