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3. ESTUDO, COMPARTIMENTAÇÃO E ZONEAMENTO DA

3.2. RELEVÂNCIA DA ANÁLISE DO RELEVO PARA

Na definição de meio (físico), os três elementos mais importantes a serem atentados são os fatores climáticos, os fatores edáficos e os fatores topográficos (ROUGERIE, 1990). A atenção para os fatores de ordem geomorfológica são fundamentais no estudo da paisagem enquanto unidade sistêmica. A compartimentação do meio físico pode ser conduzida a partir da análise do relevo, possibilidade esta que é realçada em áreas onde este atributo do complexo paisagístico é dotado de destaque. É o caso de amplas áreas do complexo cristalino do Brasil Sudeste, como os terrenos remanescentes de antigos dobramentos pré-cambrianos no Sul de Minas, as frentes dissecadas de blocos falhados das faixas costeiras geomorfologicamente representadas pela Serra do Mar recuada, o sistema de falhas reativadas no mesozóico da Serra da Mantiqueira, os setores relacionados à faixa de dobramentos da paleocordilheira do Espinhaço, entre outros.

Os compartimentos geomorfológicos podem funcionar como prismas que refletem uma organização sistêmica que se processa na paisagem. Não se trata de eleger o relevo como único e principal atributo formador da paisagem, mas de valorizar seu papel de substrato que conforma as relações entre morfogênese e pedogênese e as demais

articulações espaciais vigentes e necessárias para o discernimento de uma unidade de paisagem enquanto sistema.

Sem negar a importância do relevo para o estudo da paisagem, Tricart (1982) lembra que esta não se resume às obras geomorfológicas, assertiva exemplificada com a associação existente entre os tabuleiros costeiros do litoral do nordeste brasileiro e a vegetação que medra sobre seus solos arenosos, associação esta que reflete na própria designação da paisagem em questão, a vegetação de tabuleiros. Monteiro (2000), por sua vez, também corrobora a relevância do relevo na análise do complexo da paisagem em áreas onde ele se faz marcante, da maneira que o é nas bases empíricas de Georges Bertrand, que tomou tal atributo como elemento central para sua proposição acerca dos geossistemas.

Do ponto de vista ecológico e ambiental, as formas de relevo constituem fatores de influência sobre as condições ecológicas locais, criando condições hidrológicas e topoclimáticas específicas, o que mostra que variações no relevo são responsáveis por variações ecológicas que delimitam diferentes mosaicos de paisagem, conforme se considerou, no início do século vinte, para delimitar diferentes “regiões geográficas” (TROPPMAIR, 1990).

O relevo configura, portanto, componente dos mais expressivos na paisagem, sendo, em alguns casos, o atributo mais marcante. O padrão de formas de relevo qualifica substancialmente uma paisagem, que pode ser discernida com base na repetição constante da morfologia onde se circunscreve determinada ordem de relações e feedbacks entre o substrato geológico-geomorfológico e os demais atributos. De Martonne (1932) já esclarecera sobre os fatores topográficos atuando em conjunto com os condicionantes climáticos na distribuição dos vegetais. A paisagem faunística, por sua vez, também está na dependência e em estreita relação com o jogo de relações descrito. Sobre isso, Silveira (1965) informa que necessidades de âmbito alimentar, climático e topográfico devem ser satisfeitas para que a fauna habite uma determinada área: a fixação de animais vegetarianos em determinada gleba exige que a flora seja mais ou menos rica em espécies forrageiras e frutíferas, possibilitando a reboque a instalação de animais carnívoros e o estabelecimento de uma cadeia alimentar em todos os níveis tróficos.

O desenvolvimento do arsenal teórico-metodológico para a compartimentação do relevo (e também para a cartografia geomorfológica em geral) teve vida própria na ex- URSS por intermédio, principalmente, das idéias de Gerasimov e Meschericov, que,

apoiados nos princípios teóricos de W. Penck, classificaram o relevo segundo três categorias genéticas: geotextura (grandes feições da crosta associadas a processos de grande amplitude), morfoestrutura (grandes unidades geomorfológicas, como áreas cratônicas, bacias sedimentares e cadeias orogênicas) e morfoescultura (modelado ou padrão de formas desenvolvido através dos agentes exógenos no interior das morfoestruturas) (ROSS, 1990).

A proposta supracitada constitui uma compartimentação do relevo segundo diferentes níveis hierárquicos, e exerceu significativa influência na comunidade geomorfológica brasileira.

A Escola Francesa do pós-guerra também forneceu substancial contribuição para a Geomorfologia praticada no Brasil em diversos aspectos, entre eles naquilo que toca a compartimentação do relevo, vastamente inspirada na proposição taxonômica para as manifestações geomorfológicas de Cailleux & Tricart (TRICART, 1965). Tal classificação têmporo-espacial distingue oito ordens de grandeza para os fatos geomorfológicos, numa proposição genética que esclarece as relações de causalidade entre fatos diferentes. Com base na proposição arrolada integrada ao estudo da paisagem calcado no esquema metodológico de Bertrand (1971), Casseti (1981) propõe uma compartimentação da paisagem segundo uma perspeciva geomorfológica, considerando o relevo em conjunto com os demais componentes do meio físico.

Apresentamos sucintamente as oito ordens de grandeza preconizadas por A. Cailleux e J. Tricart, reveladas em Tricart (1965):

Primeira Grandeza: corresponde às diferenciações elementares entre continente e oceano, considerando as forças endógenas de evolução crustal, e a divisão do globo em zonas climáticas, tomando por base os agentes exógenos de elaboração do modelado terrestre.

Segunda Grandeza: subdivisão do globo em grandes unidades territoriais (dimensões superiores a 1 milhão de km2) e temporais, como plataformas, dorsais e grandes bacias.

Terceira Grandeza: abrange áreas de centenas até dezenas de milhares de km2 de superfície, correspondendo a estruturas geomorfológicas de destaque, como maciços antigos e bacias sedimentares.

Quarta Grandeza: corresponde a unidades dimensionais cujas grandezas podem variar de dezenas a centenas de km2, e se encontram no interior das unidades superiores, sendo que é nesta ordem de grandeza que se acomodam os geossistemas de G. Bertrand. Abrange conjuntos menores embutidos nas grandes bacias e escudos antigos.

Quinta Grandeza: refere-se a unidades com alguns quilômetros de dimensão linear e alguns quilômetros de superfície, correspondendo a uma unidade inferior que, juntamente com a Quarta Grandeza, também é representativa dos geossistemas de G. Bertrand. Pode ser uma faixa de depósito de tálus, uma colina ou um vale (do Jura segundo exemplo do autor).

Sexta Grandeza: dimensões com algumas dezenas a algumas centenas de m2 de superfície.

Sétima Grandeza: corresponde a microformas desenvolvidas na superfície, tais como os lapiás das áreas cársticas ou as manifestações de tafoni, formas de intemperismo cavernoso que geram cavidades em rochas aflorantes.

Oitava Grandeza: ordem de grandeza microscópica que permite a visualização do arranjo estrutural e mineralógico que caracteriza o relevo em questão.

O nível de detalhamento a ser atingido com a aplicação direta das ordens de grandeza arroladas está na dependência da escala trabalhada. Quanto mais detalhada for a escala, maiores as possibilidades de representação de elementos de detalhe do relevo, como formas isoladas ou perfis de vertentes. Da mesma forma, quanto maior o detalhamento escalar, maior a visualização da ação antrópica atuando na dinâmica da paisagem em função da menor perspectiva têmporo-espacial que permite, por vezes, a pesquisa e monitoramento da evolução do relevo em tempo real.

Para fins de compartimentação do meio físico, a análise do relevo de maneira separativa e unilateral deve ser substituída por um enfoque sistêmico. Para tanto, os processos atuantes devem ser valorizados em conjunto com os dados morfométricos e de ordem genética. Dentro de uma mesma forma ou conjunto de formas de relevo podem ser identificados processos distintos que denunciam uma dinâmica e evolução particular, e estes fatores estão no âmago de uma proposta de distinção de unidades de paisagem em perspectiva sistêmica.

Consideramos não ser uma postura determinista se valer do relevo como atributo norteador para a compartimentação do meio físico nas áreas onde este se faz marcante e toma padrão movimentado, impondo diversidade ao sistema ambiental e condicionando fortemente a fisiologia da paisagem.

CAPÍTULO 4

4. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA