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Mapa 17 RIO VERDE localização de setores nobres e loteamentos fechados de Rio Verde,

2.2 Repensando as cidades médias inseridas nas regiões agrícolas

Propomo-nos a apresentar uma breve discussão conceitual sobre as cidades pequenas e médias inseridas em regiões agrícolas, tendo como respaldo teórico Corrêa (1999), Santos (1979; 1989; 1996; 2005), Soares (1999; 2007; 2008) e Elias (2006; 2007; 2008). Em seguida, contextualizaremos a cidade de Rio Verde/GO do ponto de vista de sua funcionalização agrícola e agroindustrial, no sentido de pensá-la enquanto uma cidade média, redefinida funcionalmente para atender ao agronegócio.

No processo de modernização do campo, é fundamental destacar o papel da globalização na efetivação da revolução tecnológica. Compreendida, conforme Corrêa (1999), como um espraiamento do capital produtivo vinculado a grandes corporações que atuam em escala global, a globalização pode se manifestar de diferentes maneiras e por intermédio de diversos agentes no Brasil.

No Centro-Oeste, o Estado e o capital privado foram os grandes agentes que propiciaram a inserção da revolução tecnológica no campo, caracterizada pela Revolução Verde, constituindo-se na modernização agrícola. Corrêa (1999) afirma que esse processo implicou na reestruturação fundiária, em novas relações de produção, nos sistemas agrícolas, em novos cultivos e na criação dos complexos agroindustriais.

O conjunto de elementos que transformaram os Cerrados do Centro-Oeste na sua atual configuração, implicou entre outros fatores, em uma nova divisão territorial do trabalho, redefinindo o papel das diversas cidades e áreas. O campo se refuncionalizou como previam as políticas de interiorização e os Cerrados se transformaram no maior produtor de grãos e carnes do país, contribuindo efetivamente com o crescimento do PIB e atendendo à demanda internacional.

reestruturação agrícola propicia a dispersão da urbanização bem como um novo arranjo produtivo. Ela é responsável por ampliar a fluidez do território8, cujos avanços das bases materiais (sistemas de engenharia) e imateriais (informações, ordens, circulação de pessoas e de mercadorias), têm permitido nas últimas décadas do século XX maior fluxos de matéria e informações até então inimagináveis.

Podemos perceber isso no Centro-Oeste pela aceleração do êxodo rural e o consequente incremento populacional nas cidades, alterando o número e o tamanho delas, além disso, a ampliação do consumo produtivo agrícola e a formação do agronegócio vão provocando mudanças funcionais e econômicas em muitas delas.

Nas regiões agrícolas, a reestruturação produtiva da agricultura estimula a refuncionalização dos centros urbanos e das redes. Primeiro, a refuncionalização não atinge todos os centros da rede urbana com o mesmo grau. A localização, o tamanho, a função local, bem como a estrutura urbana e econômica pré-existentes vão contabilizar na futura mudança de função, podendo responder em maior ou menor grau.

Corrêa (1999) nos mostra que nesse processo, as pequenas cidades são as que mais estão fragilizadas, podendo-se submeter a duas possibilidades de refuncionalização. A primeira, perder de maneira relativa ou absoluta sua centralidade, acompanhada em muitos casos pelo desenvolvimento de novas funções não centrais e ligadas diretamente à produção do campo. Essa perda de centralidade pode ocorrer quando há uma ampliação da polarização de outro centro mais próximo, por meio das melhorias dos transportes e por estar mais equipado em atender à demanda da economia local. Esses pequenos centros terão a função de reservatório da força de trabalho para as modernas atividades agrícolas.

Nas modernas áreas agrícolas Goianas, onde as monoculturas de soja e de cana de açúcar predominam, muitas pequenas cidades irão adquirir função de reservatório de força de trabalho. Além disso, muitas delas, perderam sua centralidade para outros centros que melhor se equiparam, ou que por diversas razões, sobressaíram-se economicamente devido as ações ativas da elite local.

No Sudoeste Goiano, particularmente, vários municípios perderam centralidade para Rio Verde ou Jataí, tornando-se dependentes do comércio e serviços especializados, do setor financeiro, de serviços hospitalares, educacionais, entre outros (Mapa 2).

8 Nesse trabalho, nos limitaremos sobre a discussão teórica do conceito de Território. Sobre o assunto cf.

Percebemos esse fato quando relacionamos a arrecadação de alguns municípios vizinhos de Rio Verde (Tabela 2), inseridos na Microrregião do Sudoeste Goiano e a dependência de muitos deles com os comércio e serviços. Trata-se de pequenos municípios, cuja função atual está vinculada à agricultura globalizada, mas não conseguem exercer centralidade.

Tabela 2: Municípios do Sudoeste Goiano - arrecadação do ICMS (R$ mil), entre 2000/2014

Municípios População (2010) Arrecadação

2000 2007 2014

Aparecida do Rio Doce 2.427 677 1.286 1.661

Castelândia 3.638 3.895 93 436

Maurilândia 11.521 2.530 305 809

Portelândia 3.839 318 694 997

Santo Antônio da Barra 4.423 273 310 5.105

Fonte: Seplan-GO/2000, 2007, 2014. (Org.: OLIVEIRA, B. S. de, 2014).

A arrecadação está vinculada com a limitação das atividades econômicas desses centros, contudo, percebemos que alguns deles, vinculados à agricultura moderna da cana-de-açúcar, não sofrem mudanças no conteúdo social e espacial; pelo contrário, a alta arrecadação originada dessas agroindústrias (usinas canavieiras), em função de uma má administração, não é reinvestida em seus municípios. Dessa maneira, os centros melhores equipados, tais como Rio Verde e Jataí, servem de apoio.

Há também uma segunda possibilidade de refuncionalização entre os pequenos municípios. Ela diz respeito,

[...] à transformação do núcleo a partir de novas atividades, induzidas de fora ou criadas internamente, que conferem uma especialização produtiva ao núcleo preexistente, inserindo diferentemente na rede urbana, introduzindo nela uma mais complexa divisão territorial do trabalho.(CORRÊA, 1999, p. 50).

As especializações produtivas podem conferir aos núcleos urbanos uma singularidade funcional e ampliar sua centralidade. Corrêa (1999) afirma que essas especializações produtivas podem estar associadas às novas demandas da produção agrícola regional, com nova tecnologia, novos padrões sociais e culturais, caracterizando a própria industrialização do campo.

Corrêa (1999) ao analisar a dinâmica das pequenas cidades inseridas nas regiões agrícolas toma como base as discussões de Milton Santos. Este iniciou suas reflexões sobre a classificação das cidades no final da década de 1970 e no decorrer da década de 1980. Na sua obra de 1979, Santos sistematiza a hierarquia das cidades em quatro níveis: cidades

embrionárias, cidades regionais, metrópoles incompletas e metrópoles completas; uma classificação apoiada em numa dimensão demográfica.

A terminologia “cidade intermediária” vai aparecer nos estudos de Santos (1989), associada à noção de “cidade regional” e “cidade média”. Uma intermediação cujo sentido se refere aos centros que comandam a produção regional em seus aspectos técnicos e, até certo ponto, dos aspectos políticos. Ainda nessa época, o autor escreve sobre a urbanização brasileira, levando em consideração os centros urbanos inseridos nas áreas agrícolas.

A partir da década de 1980, esse autor irá tratar das cidades pequenas e intermediárias que se refuncionalizam em atender às demandas do campo moderno, denominando-as de “cidades do campo”, indicando que nelas ocorrem mudanças no conteúdo socioeconômico e espacial, a fim de criarem novas funções e atividades, conforme as demandas do campo. Para Santos (2005) essas “cidades do campo” são centros voltados para a moderna agricultura praticada em sua hinterlândia, deixando de ser uma “cidade no campo”, sem expressividade econômica e social, cuja função era unicamente reservatório de mão de obra.

Enquanto cidades funcionais, Santos (1979) denomina as pequenas cidades das regiões agrícolas de “cidades locais”. Elas distinguem-se de uma cidade média pela sua influência estritamente local. Apesar de possuir um nível urbano elementar, é fundamental para seu entorno imediato, ou seja, as vilas e a zona rural. Isto através das solicitações de produção, circulação, distribuição e consumo que, na medida do possível, têm que ser satisfeitas localmente.

No entanto, o termo cidade do campo é amplo, sendo estendido a todas as cidades que estejam vinculadas com as atividades modernas do campo, cidades que se reafirmam em novas atividades implantadas para atender à demanda do consumo produtivo da agricultura, da pecuária e da agroindústria. Nas palavras de Santos (2005, p. 56)

Esses lugares representam estoques dos meios de consumo, estoques de sementes, [...] estoque de capital de giro, estoque de mão de obra nos mais diversos níveis, centros de transporte e de comunicação, polos de difusão de mensagem e ordens.

Milton Santos foi um autor que contribuiu sobremaneira para os estudos das cidades médias, quando discutiu as “cidades do campo”, uma vez que elas podem se caracterizar com tamanhos e funcionalidades diferentes. Além disso, nos direciona a compreender a urbanização do território, a divisão social e territorial do trabalho, as refuncionalizações dos centros urbanos e do espaço agrário.

Esse conjunto de transformações nos estimula promover novas reflexões e debates sobre as cidades médias, inseridas nas regiões agrícolas, repensando-as além da dimensão demográfica.

Denise Elias é outra autora que tem contribuído muito para a discussão das cidades com funções de atender à produção agrícola e ao consumo globalizado nas regiões agrícolas modernas. Seus trabalhos relacionam a reestruturação produtiva com a formação das cidades do campo, que ela denomina de “cidades do agronegócio”.

A mudança de termo faz jus às novas funções ligadas ao processo produtivo agropecuário e ao agronegócio que essas cidades estão associadas. Elias (2007) afirma que elas se transformam em lugares de todas as formas de cooperação erigidas pelo agronegócio globalizado.

No contexto das cidades médias, inseridas nas regiões agrícolas, a autora busca entendê- las a partir do processo da reestruturação produtiva agrícola e agroindustrial que refuncionaliza essas cidades sob seus comandos, possibilitando a diversificação do setor terciário e, consequentemente, da economia urbana.

Segundo essa autora, a modernização e a expansão do agronegócio globalizado promovem o processo de urbanização e de crescimento das áreas urbanas, cujos vínculos principais se devem às interrelações cada vez maiores entre campo e cidade, desencadeadas pelas novas necessidades de consumo produtivo.

Essas cidades desenvolvem-se atreladas às atividades agrícolas e agroindustriais circundantes e dependem em graus diversos dessas atividades, cuja produção e consumo se dão de forma globalizada. Representam um papel fundamental para a expansão da urbanização e para o crescimento de cidades intermediárias e locais, fortalecendo em termos demográficos, econômicos e funcionais (ELIAS, 2006b).

A gestão do processo produtivo agrícola e agroindustrial necessita da sociabilidade e dos espaços urbanos. Ao mesmo tempo em que esses processos dinamizam o setor terciário e consequentemente a economia urbana, evidenciam também que é na cidade que se realiza a regulação, a gestão e a normatização das transformações do espaço agrícola (ELIAS, 2006a; 2006b; 2006c; 2007).

A ampliação do consumo produtivo agrícola estabelece laços de cooperação e de dependência entre as áreas agrícolas modernas e as cidades do agronegócio. Santos (2005) e Elias (2007; 2008) mostram que essas cidades, desenvolvidas no contexto de reestruturação produtiva, vão se equipar com o que há de mais moderno e funcional para atender à demanda

da produção da agropecuária capitalista e agroindustrial, estabelecendo um papel de dependência entre campo e cidade, uma vez que essas últimas fornecem aportes técnicos, financeiros, jurídicos, mão de obra, pesquisa e assessoria, sistema de armazenagem e de todos os demais produtos e serviços necessários à sua realização.

A demanda pelo consumo produtivo e por um consumo consumptivo criado a partir de novas necessidades das famílias e da elevação de suas rendas, vão fortalecer o agronegócio nas cidades do campo, ampliando o setor terciário. Ampliam os serviços de apoio às empresas rurais, tais como o técnico agrícola, o administrador de agronegócios, o agrônomo, o veterinário, o piloto agrícola; além disso, outros setores vão se ampliando e diversificando em função de novos consumos: concessionárias de automóveis, lojas de grife (tais como moda country), bares noturnos, agências de viagens e turismo, representantes de marcas de aparelhos celulares e de empresas de telefonia, empresas de segurança eletrônica, dentre outros.

A ampliação e diversificação de atividades do setor terciário não atende apenas os “consumidores do campo”; mas todos aqueles ligados ao agronegócio, seja campo ou cidade. Isso, porque o capital provindo do agronegócio faz criar um efeito multiplicador na economia, ou seja, o crescimento das atividades impulsiona crescimento de outros setores, tais como o setor de comércio e prestação de serviços.

Assim, numa cidade do agronegócio, o aumento de emprego e de renda gerado pela agroindústria ou pela produção agrícola estimula a venda nas lojas de implementos e maquinário, nas concessionárias, nos supermercados, nas lojas de eletroeletrônicos. Consequentemente, as indústrias vendem mais para suprir os estoques e empregam mais pessoas. Com dinheiro circulando, as pessoas criam novas necessidades, consomem mais produtos e demandam novos, tais como serviços especializados (saúde, estética, cursos profissionalizantes etc.) ou ampliação do lazer, como viagens, livrarias, boates, clubes, bares.

A realidade socioeconômica e funcional das cidades inseridas nas regiões agrícolas mudaram de conteúdo e técnica. Nesses espaços, a dinâmica da agricultura científica segue o mesmo raciocínio da produção agroindustrial na cidade, no sentido de reduzir custos, reduzir mão de obra, ampliar a produção, ampliar a qualidade, ampliar os lucros.

Nesse sentido, as cidades que se formam no entorno desse campo inteligente, passam a servir de maneira inteligente, mais racional, ligadas cada vez mais ao circuito superior e ao setor terciário; por isso o termo cidade do agronegócio seria mais apropriado do que cidade do campo, uma vez que elas ganham novas funções, direcionadas cada vez mais ao agronegócio.

Elias (2006; 2007) toma como orientação metodológica em seus estudos sobre as cidades do agronegócio, a escolha de temas e processos que possibilite a compreensão da produção dos espaços urbanos não metropolitanos, destacando-se: a) a formação das redes agroindustriais e as novas relações campo-cidade; b) o mercado de trabalho agropecuário e dinâmicas populacionais e c) desigualdades socioespaciais. Segunda a autora, cidades tais como Rio Verde em Goiás, Sinop, Sorriso e Rondonópolis no Mato Grosso, Sertãozinho, Matão e Bebedouro em São Paulo, entre outras, são exemplos de “cidades do agronegócio”.

Os municípios sedes das cidades do agronegócio, associadas à produção agrícola dos Cerrados (Goiás, Mato Grosso, Bahia, Piauí e Maranhão), promovem novos arranjos territoriais produtivos que fortaleceram a economia urbana de vários municípios polos, gerando mudanças de papéis urbanos e regionais.

No contexto das cidades inseridas nas regiões agrícolas, destacam-se as pesquisas de Soares (1999; 2007; 2008), que analisa o desenvolvimento das cidades médias inseridas nos Cerrados e as novas configurações na rede urbana. As cidades inseridas nas áreas do Cerrado estão cada vez mais se refuncionalizando para a agricultura capitalista e esses novos arranjos territoriais produtivos fortalecem a economia urbana de vários municípios, gerando mudanças de papéis urbanos e regionais.

Soares (2007) aponta que para os estudos das cidades médias do Cerrado, diversas características precisam ser consideradas em conjunto, dentre elas o tamanho demográfico, suas funções, sua dinâmica intraurbana, as intensidades das relações interurbanas com o campo, os indicadores de qualidade de vida e de infraestrutura, as relações externas e seu comando regional.

Vários pontos foram destacados por Soares (2007), no sentido de apreendermos o significado e os fenômenos em processo, nas cidades médias brasileiras:

a) as diferenças entre as cidades de porte médio e as “cidades médias”; uma vez que estas últimas apresentam um significado mais complexo tendo em vista sua especialização econômica, o comando regional, equipamentos urbanos, dentre outros;

b) as análises das escalas intra e interurbanas desses espaços articulados com seu entorno, avaliando os níveis de centralidades regionais;

c) a divisão regional do trabalho, para que seja identificada a multiplicidade dos espaços que as compõem;

d) capacidade de organizar atividades na região e de gerar e difundir inovações nas áreas circundantes;

e) a existência de indicadores de qualidade de vida, que abrangem habitação, saúde, educação, lazer, saneamento básico, dentre outros;

f) as relações hierárquicas complementares e competitivas entre as cidades médias; g) identificação da natureza e intensidade dos fluxos que ocorrem nas relações interurbanas;

Sua discussão em muito contribui no sentido de refletirmos sobre as mudanças técnicas e produtivas nos espaços agrícolas do Brasil, em especial, nas áreas dos Cerrados, que é o seu foco de estudo, além disso, direciona-nos para a discussão da urbanização dos Cerrados e da refuncionalização e articulação de suas redes.

Soares (2007) e Elias (2006; 2007) direcionam seus trabalhos buscando compreender as transformações nos espaços produtivos agrícolas e as refuncionalizações das cidades e das redes urbanas que são estabelecidas, contribuindo, portanto, na caracterização das cidades médias das regiões agrícolas.

Muitas características da cidade do agronegócio são encontradas na realidade de Rio Verde. O fato de estar inserida diretamente numa área agrícola moderna, cujo processo produtivo está direcionado ao capital monopolista, acarretando-lhe mudanças funcionais, especialização dos setores agroindustriais e terciários, transformações no espaço intraurbano como também a formação de novos fluxos regionais que permitiram que a cidade viesse exercer maior centralidade interurbana.

Além disso, está em construção um setor terciário que se amplia e se diversifica, atendendo não apenas ao consumo produtivo agrícola, mas também ao consumo urbano, mais qualificado, direcionado à população, ao comércio e à agroindústria local e regional, possibilitando a geração de novas centralidades e novas redes de consumo.