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7 RESULTADOS

7.4 Organização do trabalho e fatores psicossociais

7.4.1 Requisitos do trabalho

Dentre os nove aspectos arrolados por Kompier e Levi na categoria Requisitos do Trabalho (Quadro 6), os cinco seguintes indicam a presença de elementos estressores, a maioria dos quais relacionados à estrutura temporal do trabalho:

- 85,5% dos sujeitos apontaram que o trabalho exige muita rapidez;

- 68,5% assinalaram que a necessidade de depender de outras pessoas ou setores para a realização das tarefas prejudica o ritmo individual de trabalho;

- 59,7% referiram receber solicitações conflituosas ou contraditórias por parte dos superiores;

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- 58,1% assinalaram que o trabalho exige longos períodos de concentração intensa;

- 51,6% apontaram que o volume e o ritmo de trabalho são elevados.

Esses resultados sugerem a presença de dois fatores psicossociais estressores: uma sobrecarga quantitativa de trabalho, refletida na percepção da velocidade exigida na atividade de atendimento e nas referências ao volume e ritmo de trabalho elevados; a presença de ambigüidade, refletida na elevada porcentagem de referências ao recebimento de solicitações conflituosas por parte dos superiores hierárquicos.

Entretanto, a avaliação dos operadores sobre os demais requisitos do trabalho aponta para a presença de aspectos atenuantes daquela sobrecarga:

- 79,8% dos operadores referiram não ser solicitados a trabalhar excessivamente;

- 75,0% avaliaram o tempo para a realização das tarefas como suficiente;

- 71,0% referiram que o trabalho não envolve interrupções freqüentes, com necessidade de retomadas subseqüentes; - 68,5% apontaram que o trabalho não é muito árduo.

Em relação ao primeiro grupo de aspectos, merece destaque a elevada porcentagem de referências à interdependência entre setores/pessoas prejudicando o ritmo individual do trabalho. No caso dos operadores de telemarketing, este aspecto apresentou-se como um estressor especialmente relevante, tanto do ponto de vista do relacionamento interno, como do relacionamento com os usuários do serviço, como ilustram os dois depoimentos a seguir:

152 Depoimento 8

"Isso me deixa um pouco irritada, porque a gente não é criança, a gente tá... tá liberando o mais rápido possível, como o MS falou, teste ergométrico, coisas mais simples, a gente nem pára pra chamar médico, a gente já vai liberando, mas tem coisas que independem da gente. Então você tá lá com uma tela todinha preenchida aguardando pro médico fazer uma análise, tem poucos médicos, ele tá numa outra operadora analisando, ele demora às vezes, demora... (...) Aí fica lá, um monte de operador aguardando... É claro que, se eu pudesse liberar, se eu tivesse autonomia, como ele falou, eu liberaria, porque aparece lá: 'Chame o

login do médico'. Então a gente não pode liberar (...)" (operadora N;

grifos nossos).

Já as queixas com relação aos prestadores de serviço referiam-se ao fato de apresentarem-se nas ligações sem os dados necessários em mãos, ou não saberem identificar as guias de preenchimento obrigatório.

Depoimento 9

"Porque o que a gente pega de prestador de serviço que não tá a fim de fazer aquilo... Que ela foi mandada por um chefe dela: 'Olha, liga pra Empresa X e pega essa autorização para este procedimento', e a pessoa não tá a fim... Sabe, quando não tá a fim de trabalhar? Então você pede algum dado, 'Peraí'. Você ouve os passos da pessoa no corredor... Aí você ouve os passos vindo: 'É tal'. 'E quanto ao código?'. 'Ah, peraí...'. Aí você ouve os passos de novo... (risos). Aí você ouve os passos voltando de novo, 'É tal'. 'E qual o relatório médico?'. 'Ah, peraí!' (risos)" (operador S).

Com relação ao esse aspecto, 50% dos sujeitos pesquisados apontaram os usuários não objetivos/cooperativos, que alongavam o tempo de duração das ligações, como importante fator de incômodo e fadiga; 37,9% assim os consideravam algumas vezes, e 12,1%, nunca ou raramente.

Essa preocupação com o prejuízo do ritmo individual de trabalho justifica-se ao considerarmos a inter-relação dos seguintes aspectos: a) a cobrança de redução do tempo médio de atendimento15; b) o fato de que a própria organização do trabalho restringia a autonomia dos operadores para solucionar as questões apresentadas pelos clientes; c) a falta de controle

15 Estipulada pela certificação ISO 9002, a meta de redução do Tempo Médio de

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dos operadores quanto ao comportamento dos usuários durante o atendimento, fossem eles prestadores de serviço ou usuários dos planos de saúde; e d) o fato de o ritmo individual de trabalho -- que se reflete na quantidade de atendimentos realizados por unidade de tempo -- constituir um parâmetro importante da avaliação de desempenho.

Outros importantes requisitos do trabalho dos operadores pesquisados eram o conteúdo do trabalho e o contato constante com o público.

No caso da Central estudada, o conteúdo do trabalho relacionava- se à saúde de pessoas, envolvendo desde assuntos simples até problemas de remoção de doentes em situação de emergência médica, casos de internação, entre outros. Ao entrar em contato com a Central, os próprios clientes muitas vezes encontravam-se emocionalmente fragilizados, devido a problemas de saúde enfrentados por eles próprios ou por seus familiares.

Depoimento 10

"Ainda mais pro usuário que liga porque tá com um problema com a doença, ele fica lá, trinta, quarenta minutos... Você imagina que isso vai potencializando do outro lado lá...então na hora que ele ligou tava com um resfriado, quando ele for atendido vai tá com pneumonia já (risos) (operador B; grifo nosso).

Relacionada ao conteúdo do trabalho, identificou-se entre os operadores pesquisados uma pressão contraditória entre a orientação para -- e por vezes o desejo do próprio atendente de -- estabelecer empatia com o cliente, e a necessidade de administrar o risco de envolvimento emocional.

Na entrevista coletiva registraram-se inúmeras manifestações sobre esses aspectos, aqui ilustradas através dos seguintes depoimentos:

Depoimento 11

"... a atenção é o principal, é o elemento... de você se colocar no lugar da pessoa. Lógico que em todos tem que colocar, mas aqui principalmente, de saúde, porque vamos dizer que eu sou atendente, ele tá ligando pra início da pesquisa, o TMA era de 2 a 3 minutos no Núcleo Administrativo e de 5 a 7 minutos no Núcleo Ambulatorial.

154 mim, é um paciente ele vai pedir pra mim uma senha para fazer um teste ergométrico, que é um teste que qualquer pessoa faz, mas pra ele, lá na cabecinha dele, aquilo... Ele tá com a última das doenças, no estado terminal... (risos). Entendeu? Então eu tenho que passar tranqüilidade pra ele, né?" (operador B; grifos nossos).

Depoimento 12

"Quando eu entrei aqui, nossa, eu quase enfartei!... Porque eu vinha pra cá e eu saía daqui com aquilo na cabeça, eu levava todo mundo junto comigo! (riso) Aqueles pacientes todos que ligavam pra cá, eu não conseguia... Eu acho que foi isso uns três meses, pra eu me adaptar com isso, né, porque eu nunca tinha trabalhado [com telemarketing]'. (operadora N; grifos nossos).

Segundo o depoimento de uma experiente funcionária da Central, ex- operadora, "Um problema é a parte do estresse. Quando você percebe a repetição dos xingamentos... O operador chega a um ponto que já não agüenta".

Depoimento 13

"... a gente tá falando diretamente com a pessoa, não conseguiu resolver e a pessoa ficou insatisfeita, às vezes a gente tem que absorver esse tipo de insatisfação. Aí pode vir em forma de protesto, eles gritam, às vezes gritam... Pode vir por xingamento, pode vir de uma forma formal também, mas a gente... É desgastante, psicologicamente falando, devido a ... a ... que a gente lida com o muito emocional das pessoas" (operador S; grifos nossos).

Depoimento 14

"E quem tá do outro lado, não pensa em você uma pessoa, atendente, que tá cumprindo regras da empresa... Então, eu tô respondendo pela empresa X, eu não sou a E, eu sou a X!" (operadora F).

Depoimento 15

"Tem gente que já culpa você, não culpa o plano... Então, de uma certa maneira, o telemarketing é uma coisa desgastante, ainda mais porque cresceu muito no último ano, o número de centrais de atendimento cresceu enormemente (...) aumentou muito a exigência delas. Então tornou-se um trabalho muito desgastante. Por mais que parece: 'ah, fica sentado digitando...'. Não é tão simples assim... Desgastante na área psicológica” (operador S; grifos nossos).

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A existência das longas filas de ligações contribuía significativamente para a irritabilidade dos clientes, pois quando estes eram conectados ao serviço, após um longo período de espera, mostravam-se muito irritados e com freqüência destratavam o operador. Dada sua importância, o aspecto pressão da fila de ligações será objeto de uma descrição mais detalhada adiante, sob o item Controle sobre o Trabalho.

Merece destaque, finalmente, a freqüência com que expressões como

'robô', 'clone' e 'máquina' emergiram em diferentes momentos da

entrevista coletiva:

Depoimento 16

"A gente nem participava da brincadeira [presenciada pelo entrevistado entre um supervisor e um operador, quanto ao resultado de um jogo de futebol], mas só de ver a alegria de uma pessoa brincando com outra, descontraindo, 'Olha só, que bom! Não somos robôs!'” (risos; grifo nosso)

Depoimento 17

"Mas durante o expediente, eu procuro às vezes descontrair, porque senão não dá, seis horas, você ficar sério..." (operador B).

"Robô, né?" (completa o operador S; grifo nosso). Depoimento 18

"Você pode passar uma... a pessoa te pergunta alguma coisa e você vai passar a resposta... Você pode passar, assim, feito uma máquina, ou você pode passar sentindo junto com a pessoa aquilo que ela quer ouvir (...)" (operadora N; grifos nossos)

Outro aspecto identificado refere-se ao relacionamento com os clientes no Módulo Administrativo, visto como mais difícil e frustrante:

Depoimento 19

"[No Módulo Ambulatorial] é uma responsabilidade grande também, mas... Eu acho que... não, a complexidade é grande, mas o estresse causado tem diferença... Tem uma diferença grande, tem uma diferença. No Administrativo, geralmente a pessoa fica meio frustrada... Ele sempre fica meio frustrado, porque ou ele liga porque pediu um reembolso na unidade que não recebeu ainda, ou ele liga porque pediu cartão faz três meses, não recebeu... E aí eu falo 'Vou pedir outro, vai demorar tantos dias'... Ou é o boleto que ele quer pagar, então ele tá sempre mais frustrado. O

156 Ambulatorial até agradece a gente!... E lá no Administrativo é muito difícil" (operadora N; grifo nosso).

Como é possível observar no Quadro 8, os aspectos acima descritos encontram-se refletidos na avaliação dos operadores sobre fatores de incômodo e fadiga.

'Ser visto/tratado como máquina' foi considerado como importante fator de incômodo e fadiga por 44,4% dos pesquisados, o mesmo acontecendo algumas vezes para 25,8%; 29,8% referiram nunca ou raramente sentir-se afetados por esse aspecto. Também relacionado ao contato constante com o público, o aspecto 'Não ter meios de extravasar as tensões/raiva que emergem do trabalho' foi considerado importante fator de incômodo/fadiga por 40,3% dos operadores, por 30,6% algumas vezes, e por 29,0%, nunca ou raramente.

O relacionamento com os clientes é visto como um importante estressor, por freqüentemente envolver destrato; porém, quando envolve manifestações de reconhecimento é considerado uma importante fonte de satisfação, como apontado por 40,3% dos pesquisados e por igual porcentagem (40,3%), algumas vezes; 19,3% dos indivíduos referiram que tais manifestações raramente ou nunca são vistas como fonte de satisfação.

O aspecto significado do trabalho parece relacionado a três dos dez fatores de satisfação constantes do Quadro 9: ao reconhecimento acima mencionado; à possibilidade de sentir-se útil, importante fator de satisfação para 55,3% dos operadores; para 29,8% algumas vezes e, para 14,9%, raramente ou nunca, e ao sentimento de autorealização no trabalho, importante fator de satisfação para 42%; algumas vezes, para 29% e nunca ou raramente, para 29%. Na entrevista coletiva registraram-se várias menções a esses aspectos, como por exemplo:

Depoimento 20

"Não que eu ganhe bem... É uma coisa pessoal boa, eu gosto de sentar lá e atender... Igual: às vezes a gente fica super estressada e não quer mais... Você ah... presta algum atendimento, você desliga, putz!... É tão, assim...

157 da minha vida... (...) Você pode passar assim feito uma máquina, ou você pode passar sentindo junto com a pessoa aquilo que ela quer ouvir (...)" (operadora N; grifos nossos).

Depoimento 21

"É recompensador você escutar uma pessoa vez ou outra 'Muito obrigado! Realmente você resolveu o meu problema!'... Eu acho que qualquer tipo de trabalho você tem que pensar como, através do seu trabalho, você vai poder estar ajudando uma outra pessoa, não pensar só em si (...) Mas o usuário, quando liga, que é uma pessoa que tá doente (...) Às vezes, até uma palavra amiga, ou alguma coisa que... ou só escutar o desabafo, você já tá prestando algo de bom pra pessoa, né? Acho que isso é muito bom! A gente vive num mundo que as pessoas estão tão 'atropeladas', que a gente não sente que às vezes um minuto que a gente dê de atenção pra pessoa tá fazendo um bem, aquilo significa demais pra pessoa!" (operador B; grifos nossos).

A relevância do trabalho não apenas como meio de subsistência, mas como meio de aprendizagem e de crescimento psicológico e social, é ilustrada pelos seguintes depoimentos:

Depoimento 22

"Eu também tenho essa visão que o trabalho enobrece e independente de qualquer experiência ou mesmo que tenha suas... seus problemas, que toda a empresa tem né? (...) Então acho que o dinheiro, o que você ganha, o que você vai conseguir profissionalmente, é apenas uma conseqüência... Você tem que estar aproveitando aquele momento pra você poder passar da melhor forma possível, dar o melhor de você, pra conseguir algo melhor adiante" (operador B; grifo nosso).

Depoimento 23

"Pra mim, o trabalho é... faz parte da minha vida, porque, não sei... (...) eu acho muito importante porque você tá desenvolvendo sempre uma capacidade que você acha que você não tem. E você vai lá e adquire e aprende... Aí você não quer parar de aprender, um pouquinho mais... Eu acho que é com o trabalho que a gente adquire tudo, não é?" (Operadora N; grifos nossos).

Finalmente, cabe mencionar, ainda na categoria Requisitos do Trabalho, a questão do horário de trabalho dos operadores de telemarketing pesquisados. Um aspecto visto como negativo era a necessidade de trabalhar nos fins de semana, como indicam os seguintes depoimentos:

158 "Eu até maio trabalhei aqui final de semana também, eu trabalhava trinta seis horas... Mas isso me frustrava demais, eu ter que sair de casa pra vir trabalhar no final de semana, pra mim era uma coisa terrível! Aí, graças a Deus eu consegui reduzir a carga horária, né? Porque eu achava que o meu final de semana era perdido, eu achava que eu não tinha que trabalhar, a obrigação minha não era tá aqui no final de semana... Então era muito frustrante..." (operadora N).

Depoimento 25

"Tá todo mundo 'baixo' final de semana... Ninguém gosta de trabalhar final de semana!... (operador S).

Por outro lado, o horário diário de trabalho, de 6 horas, foi citado como o mais importante fator de satisfação, tendo sido assim apontado por 73,4% dos sujeitos; por 12,1%, algumas vezes, e nunca ou raramente, por 14,5%. Segundo a opinião de uma experiente ex-operadora entrevistada, "o trabalho em telemarketing é para poder pagar os estudos e depois buscar outras oportunidades". A mesma operadora referiu visualizar dois perfis distintos de pessoas nessa ocupação: "o que está na faculdade e quer mudar de área, e os que têm só o ensino médio, se acomodam e parecem não pretender sair da profissão". Outra razão indicada para a satisfação com o horário de 6 horas foi a necessidade de conciliar o trabalho e o cuidado dos filhos e obrigações domésticas, como se observa no seguinte depoimento:

Depoimento 26

"Pra mim foi meio assim, unir o útil ao agradável. Porque eu tava parada há um tempão, né... (...) eu era promotora de vendas, trabalhava na rua, tal, aí ficou estressante, esgotante, porque você tinha que andar a cidade de São Paulo inteira o dia todo, eu chegava em casa tarde, assim, irritadíssima, né... (...) Aí parei, larguei, mas depois passou dois anos, 'Ah, não, já não dá mais, vou procurar alguma coisa'... (...) Eu quero trabalhar numa coisa que seja meio período, conciliar meu... conciliar a casa assim e também estar trabalhando, aí essa área me interessou, eu fui atrás, porque tem muito e é meio período, né?" (operadora N; grifo nosso).

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