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5. ADOÇÃO INTERNACIONAL NO DIREITO BRASILEIRO

5.4 O PROCESSO DE ADOÇÃO

5.4.2 Requisitos para habilitação dos adotados e dos candidatos estrangeiros

Inicialmente, para que seja efetuada a adoção internacional é necessário que a criança já tenha uma situação jurídica definida, ou seja, tenha sido destituído do poder familiar, conferindo ao Ministério Público a exclusiva legitimidade ativa para propositura desta ação.

A perda do poder familiar só é decretada mediante sentença transitada em julgado. A ausência de prazo para que a ação ministerial seja proposta e processada, observando o procedimento do contraditório, previsto nos arts. 155 a 163 do ECA – pois o poder familiar é um direito personalíssimo - acaba por agravar a situação de muitas crianças e adolescentes á espera de adoção em abrigos, onde muitas vezes chegam a permanecer até atingirem a maioridade. 106

Sobre essa questão, a professora Claudia Brauner, em seu artigo sobre adoção internacional, descreve:107

105 BRAUNER, Maria Cláudia Crespo. Op. Cit. p. 179

106 OLIVEIRA, Adriane Stoll de, RIBEIRO, Flávio Luis S. Adoção internacional. Disponível e internet.

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4819, acessado em 06.11.2008.

“É importante ressaltar que nem toda criança considerada abandonada pode ser adotada. Para ser considerada adotável, a criança tem que ser desprovida de qualquer vínculo familiar. Não se trata de questão simples declarar que uma criança se encontra em situação de abandono uma vez que os pais, apesar de não entrarem em contato com os filhos por anos, ainda possuem o poder familiar e não pretendem abrir mão deste, impossibilitando o menor de ser adotado, haja vista que é necessário que a criança não tenha pais, seja por desconhecimento ou por destituição do poder familiar deste, para que seja realizada a adoção.

Nos casos de ação de destituição do poder familiar cabe ao magistrado, buscando o melhor interesse o menor, ainda que tenha que abrir de mão de sua identidade nacional”

Para Edson José Fonseca108:

“Convém esclarecer que o estado de pobreza ou de miséria não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio poder e a posterior adoção. No ordenamento italiano, os menores são declarados oficialmente em estado de adotabilidade caso se encontrem em situação de abandono, desde que esta falta de assistência não seja causada por motivos de força maior, de caráter transitório. “

Somente a partir do consentimento do responsável, a criança será inserida em um cadastro de menores (caso ainda não tenham sido determinados os candidatos a adotantes para ela). Este cadastro será mantido em cada órgão judicante competente de cada Comarca ou foro regional. Sendo que poderá a parte, se for o caso, requerer, além da adoção, o pedido cumulado com a destituição do pátrio-poder-dever, se os pais do adotando ainda o exercerem, visto que não existe nenhuma incompatibilidade entre os pedidos.

Quanto ao adotante, a primeira iniciativa que ele deve tomar em relação à adoção de um menor brasileiro é providenciar o rol de documentos elencados no art. 51, em seus par. 1°, 2° e 3° e juntá-los ao requerimento de inscrição para o cadastro da adoção internacional.

Art. 51 Cuidando-se de pedido de adoção formulado por estrangeiro residente ou domiciliado fora do País, observar-se-á o disposto no art. 31.

§ 1º O candidato deverá comprovar, mediante documento expedido pela autoridade competente do respectivo domicílio, estar devidamente habilitado à adoção, consoante as leis do seu país, bem como apresentar estudo psicossocial elaborado por agência especializada e credenciada no país de origem.

§ 2º A autoridade judiciária, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá determinar a apresentação do texto pertinente à legislação estrangeira, acompanhado de prova da respectiva vigência.

§ 3º Os documentos em língua estrangeira serão juntados aos autos, devidamente autenticados pela autoridade consular, observados os tratados e

convenções internacionais, e acompanhados da respectiva tradução, por tradutor público juramentado.

Superada a fase documental prevista no art 51, começa a etapa do estudo prévio, disposta no art 52, realizado por profissionais das áreas de assistência social que integram a Comissão Estadual Judiciária de Adoção e são responsáveis por elaborar um estudo aprofundado sobre a viabilidade de credenciar o interessado-adotante.

Dentro do estudo do processo de adoção internacional, interessa-nos sobretudo discutir os critérios para habilitação dos futuros candidatos a adotantes.

Segundo o art 7ºda Lei de introdução do Código Civil, a lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre sua capacidade para os atos da vida civil, aplicando-se a teoria distributiva. Desta forma, a norma aplicável é a do país de domicílio dos adotantes estrangeiros, ou conforme preceitua a Convenção de Haia em seu art 2º: o local de residência habitual.

Assim, a adoção internacional será sempre determinada pela lei do Estado em que os pleiteantes habitualmente residam, uma vez que, conforme já foi mencionado, a convenção se encontra ratificada e vigorando no ordenamento brasileiro por força do Decreto Executivo nº 3.087/99, como leitura ordinária especial aplicável às adoções internacionais, capaz, portanto, de revogar a norma genérica do art 7º da LICC.

Desta forma, entende-se que a capacidade de direito e a capacidade de fato do(s) adotantes(s) devem ser reguladas pela lei de sua residência habitual. Portanto a lei alienígena é a que regula os requisitos que irão atribuir capacidade ao candidato para adotar. Esta medida é importante porque as leis de vários países europeus, como Itália, Alemanha, Suíça e Espanha exigem uma idade mínima do adotante superior à exigida pela lei brasileira. Assim, se fosse concedida a adoção pelo juiz brasileiro, ela não seria reconhecida no país de domicílio dos adotantes e a criança não seria reconhecida como legalmente adotada segundo o ordenamento vigente naquele país.

O ECA trata do assunto em seus art.51 e 52.

Art. 51 Cuidando-se de pedido de adoção formulado por estrangeiro residente ou domiciliado fora do País, observar-se-á o disposto no art. 31.

§ 1º O candidato deverá comprovar, mediante documento expedido pela autoridade competente do respectivo domicílio, estar devidamente habilitado à adoção, consoante as leis do seu país, bem como apresentar estudo psicossocial elaborado por agência especializada e credenciada no país de origem.

§ 2º A autoridade judiciária, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá determinar a apresentação do texto pertinente à legislação estrangeira, acompanhado de prova da respectiva vigência.

Deve o adotante fazer prova fornecida por autoridade competente de seu país no sentido de que está apto a adotar uma criança e em que condições. Tal prova é regulada pelos arts 14 e 15 I da Convenção de Haia. Para isso, ele precisa apresentar junto à autoridade competente (CEJA) nacional um estudo psicossocial elaborado pela Autoridade Central ou agência especializada e credenciada no país de origem.109 A partir deste estudo será verificado se os solicitantes estão habilitados e aptos para o exercício das funções parentais e condições de propiciar ao adotanto um ambiente familiar adequado. Será então preparado um relatório que contenha as informações sobre a capacidade jurídica e a adequação dos solicitantes para adotar, sua situação pessoas, familiar, seu meio social, os motivos que o animam, sua aptidão para assumir uma adoção internacional, assim como sobre as crianças que eles estariam em condições de tomar a seu cargo (art 15, I de Haia).

O nosso país utiliza, como forma de cadastro dos estrangeiros interessados em adotar uma criança brasileira, as Agências de Adoção Internacional – estas credenciadas junto aos CEJA. Porém, também é possível que os adotantes habilitem-se diretamente junto ao órgão oficial no Brasil e em seu país de origem, sendo necessário que os estrangeiros primeiro procedam a habilitação em seu país de origem, para então obter a homologação no Brasil.110

A intervenção das agências especializadas é de um lado muito positiva, pois exige seleção prévia no país de origem dos adotantes, dando maior segurança para a decisão do juiz, mas por outro lado é necessário frisar que nem todas as agências merecem irrestrita confiança. O contato entre agência e o poder judiciário é a melhor maneira de avaliar a seriedade da agência.

O pedido de adoção formulado por estrangeiro deve conter sua qualificação e todos os documentos em língua estrangeira a serem juntados aos autos devidamente autenticados pela autoridade consular brasileira e acompanhados da respectiva tradução, por tradutor público

109 MONACO, Gustavo Ferraz de Campos.Op. Cit. p. 86 110 MARQUES, Claudia Lima, Op. Cit. p.15

juramentado (ECA, art 51, par. 3º) e enviados ao CEJA deverá ser enviada à Autoridade Central Administrativa Federal- ACAF. a autorização, juntamente com toda a documentação referente ao caso para fins de fiscalização.

Desta forma a habilitação de estrangeiros se difere da habilitação dos brasileiros adotantes porque os estrangeiros passarão pelo processo de habilitação no país de origem, sendo chamados ao Juizado somente quando forem receber a criança brasileira em adoção, quando acompanharão o processo de adoção em si, o qual ocorrerá no Brasil.

A lei pessoal dos adotantes pode impor certas restrições às adoções decorrentes do estado civil dos envolvidos como a exigência de que sejam casados ou podem permitir a adoção de pessoa solteira, divorciada etc. Como esta questão é decida pelo juiz nacional, põem baseada em lei estrangeira vigente, pode ser que o magistrado entenda que a questão fere a ordem pública interna.111E caso o juiz entenda desta forma, será negada a prestação jurisdicional pleiteada com base no disposto nos arts. 39 a 52 do ECA e 227 par. 5º da Lei Mangna.

No caso do estado civil, dificilmente a lei do adotante ferirá a ordem pública interna pois o ordenamento jurídico brasileiro permite, inclusive a adoção por pessoa solteira como forma de se constituir a família monoparental (art.226, par. 4º da CF). Ao aplicar a lei do país do adotante, está se assegurando o reconhecimento da adoção no país de destino da criança. Se a lei de origem do adotante autoriza a adotar, deve a adoção ser deferida, preenchidos os demais requisitos exigidos pelo ECA.112

Em se tratando de autorizações de adoção a estrangeiros advindos de países da comunidade Européia e que não mantenham relações análogas ao matrimônio, estas devem ser analisadas levando-se em conta o caráter programático do art 6º I da Convenção de Estrasburgo de 1986, firmada sobre o manto do Conselho da Europa, que regula a possibilidade da adoção por pessoa singular de forma meramente indicativa das soluções a serem seguidas pelos Estados-partes na Convenção. A doutrina Italiana, por exemplo, manifesta-se quanto à aplicação do artigo mencionado oferecendo três possibilidades

111 DOLINGER, Jacob.A evolução da ordem pública no Direito internacional Privado, Rio de Janeiro, Forense

Universitária 1979.

diferentes: permitindo a adoção apenas da parte de uma pessoa singular, permitir a adoção apenas da parte de duas pessoas unidas por matrimônio, permitir a adoção, quer da parte de duas pessoas unidas em matrimônio, quer da parte de uma pessoa solteira. Segunro esta interpretação, os Estados contratantes não estão obrigados a permitir a adoção seja por casal, seja por pessoa solteira.113

O autor Gustavo Mônaco analisa a possibilidade de a lei do país do adotante autorizar que o ele, sendo casado, adote uma criança em caráter singular, ou seja, só constando o nome do adotante no registro da criança, e não de seu cônjuge, firmando desta forma um vínculo monoparental, mantendo a criança sem nenhuma relação familiar. Entende o autor que o juiz nacional não deve aplicar esta autorização deferida por lei estrangeira, por considerar ofensa à ordem pública nacional. Tal dispositivo impediria a proteção dos direitos da criança e do adolescente, fundamento do instituto da adoção. Como bem elucida a doutrinadora Maria Josefina Becker: “trata-se, sempre, de encontrar uma família adequada a uma determinada criança e não de buscar uma criança para aqueles que querem adotar.114 Tal medida seria ofensiva ao disposto no art 43 do ECA:

Art. 43. A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos.

Porém, há os que entendem que a adoção neste caso deve ser deferida e não se trata de afronta aos princípios que regem o instituto nem ao art 43, pois se estaria atendendo o interesse da criança na medida em que ao concordar com a adoção da criança, o cônjuge estaria implicitamente aceitando-a como se fosse seu adotado, apenas não lhe transmitindo os efeitos daí decorrentes. Diante desta posição, Gustavo Mônaco pensa que ela pode ser defensável, mas sem deixar de causar estranheza pois de onde viria a concordância se não o ânimo de adotar? Deve ser analisado o real motivo desta recusa, possíveis conflitos entre o casal e que futuramente sejam prejudiciais à criança, que ao invés de se sentir integrada em uma família, se sentirá rejeitada e até mesmo vir a sofrer maus tratos. Para o autor, melhor

113 MONACO, Gustavo Ferraz de Campos. Op. Cit p. 89

114BECKER Maria Josefina. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado-comentários jurídicos e sociais. 2ª ed. Coord.Munir Cury, Antônio Fernando do Amaral e Silva e Emílio Garcia Mendez. São Paulo: Malheiros, 1996.p.148

atendido seria o interesse da criança se a mantivesse à disposição de adotantes plenos e certos do grande passo que estão dando. 115

A questão da idade e da ordem pública é revestida de uma certa complexidade, pois devem ser consideradas três hipóteses: a idade mínima e máxima para adotar, a idade mínima e máxima para ser adotado e a diferença mínima e máxima de idade entre adotantes e adotado. O ECA, em seu art 42, determina que o limite mínimo de idade para adotar é 21 anos de idade e na hipótese de serem casados, caso um deles não tenha atingido esta idade, ainda assim poderá adotar. E no caso de adotados maiores de 12 anos, será necessário considerar o consentimento do menor (ECA, art.45, par. 2º).

Art. 42. Podem adotar os maiores de vinte e um anos, independentemente de estado civil.

§ 2º A adoção por ambos os cônjuges ou concubinos poderá ser formalizada, desde que um deles tenha completado vinte e um anos de idade, comprovada a estabilidade da família.

Se a lei estrangeira indicar uma idade inferior a 21 anos, o juiz nacional poderá não deferir o pedido de adoção por entender como ofensa à ordem pública. No entanto, na prática este fato dificilmente irá ocorrer pois também é considerada a diferença de idade entre adotantes e adotado, que é no mínimo de 16 anos e como em geral os estrangeiros adotam crianças mais velhas, esta hipótese é praticamente remota. Mas no entender do autor Gustavo de Mônaco, caso a lei alienígena preveja, e o juiz nacional deferir, um maior de 18 anos pode adotar uma criança de até dois anos de idade. O doutrinador Antônio Chaves suscita uma questão difícil de ser respondida, afinal “se o indivíduo que completou a maturidade e mesmo antes dela, pode ter filhos de sangue, por que não adotivos?”116

O ordenamento jurídico brasileiro veda que o tutor adote seu tutelado enquanto não prestar contas de sua administração

Art. 44. Enquanto não der conta de sua administração e saldar o seu alcance, não pode o tutor ou o curador adotar o pupilo ou o curatelado

O intuito é proteger o patrimônio do tutelado, evitando que o tutor se use da adoção para esconder a má gerência realizada pela confusão entre os patrimônios. A doutrinadora

115 MONACO, Gustavo Ferraz de Campos. Op. Cit. p. 90-91

116 CHAVES, Antônio, Estatuto da Criança e do Adolescente comentado – Comentários jurídicos e sociais, 2º Ed.

Maria Helena Diniz entende que “há casos em que a adoção permitida pela lei pessoal dos interessados não poderá realizar-se em certo país cuja lei venha a impor limitações em razão da ordem pública” 117