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CAPÍTULO 3. A RECEPÇÃO DE O FIM DA HISTÓRIA DA ARTE NO BRASIL

3.2. I NDICADORES DE RECEPÇÃO

3.2.1. Resenhas

Entre resenhas em diversas publicações (acadêmicas ou não) que fizessem referência à publicação da obra O fim da história da arte de Hans Belting no Brasil, poucas foram encontradas, ao menos em meios oficiais de comunicação. Salienta-se que foram encontradas resenhas em meios de comunicação pessoais, especialmente em blogs. No entanto, considerou-se que deter-se nesse número sem fim de dados seria desnecessário, na medida em que, em muitos casos, as resenhas disponíveis nestes espaços mais repetiam informações em forma de resumos do que realizavam uma análise aprofundada da obra. Acredita-se que uma possível justificativa para este tratamento superficial nestes espaços deva-se às suas próprias características: a estrutura permite a rápida atualização de conteúdos, numa linguagem dinâmica e coesa, que foge da rigidez praticada nos meios de comunicação oficiais.

Entre artigos encontrados em meios oficiais de comunicação, citam-se as matérias publicadas no Caderno 2 do jornal O Estado de São Paulo, ambas com autoria do jornalista Antonio Gonçalves Filho, repórter especial do Caderno 2.

A primeira matéria, datada de 2006 e intitulada como Alemão decreta fim da história da arte (Anexo 2), foi publicada por ocasião do lançamento da tradução brasileira de O fim da história da arte: uma revisão dez anos depois. O artigo é interessante por não apenas enumerar e descrever pontos importantes da obra de Belting: Gonçalves Filho estabelece algumas relações concernentes com a obra de outros pesquisadores, os quais necessariamente não são citados por Belting. Particularmente, a relação estabelecida entre a obra de Belting e a de Edward Said (1935-2003), Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente (1978), foi a que pareceu mais interessante ao longo do artigo. Principalmente, porque extravasa as cercanias beltinganas de referências bibliográficas.

Said, a saber, tem como objeto de estudo as visões e versões fabricadas por uma civilização (ocidental) para inventar uma outra (oriental). Compreende, assim, que o

conceito de Oriente, enquanto um empreendimento ocidental, ajudou a definir a imagem européia. Neste sentido, o Oriente é parte integrante da civilização e da cultura da Europa, pois é uma invenção ocidental.

O Oriente não é um fato inerte da natureza, um ponto geográfico apenas. O Oriente não está lá: antes de tudo, ele está no Ocidente. Os lugares, regiões e setores geográficos tais como o “Oriente” e o “Ocidente” são construções humanas e, por isso, históricas, tendo implicações sociais, políticas e culturais

Said elucida como essas representações dos povos orientais foram importantes para a definição da identidade ocidental como ferramenta legitimadora de seus interesses colonialistas. O orientalismo é, acima de tudo, um discurso, uma estrutura de pensamento construída pela civilização ocidental a fim de nele achatar o Oriente, facilitando a sua compreensão e dominação: a relação estabelecida entre os conceitos de Ocidente e Oriente é assim uma relação de poder.

Logo, o argumento construído por Said dialoga com a idéia de enquadramento que Belting se utiliza para revelar a história da arte como um sistema de representação encerrado em uma conjuntura muito específica e que, igualmente, revela um discurso político de poder. Assim como o Oriente não está lá, a pretensa “história da arte universal” nunca pertenceu de fato a todos os povos.

No entanto, o mesmo artigo de Gonçalves Filho é obscuro em determinados momentos. Citando a obra do filósofo norte americano Arthur Danto ao lado da de Belting, o jornalista parece confundir o argumento de ambos. Equivocadamente chega a afirmar que Belting, juntamente com o artista e filósofo Hervé Fischer (1941) e Arthur Danto “jamais afirmaram que não existiria arte após o ‘fim da arte’ que decretaram”. Na realidade, como já apontado anteriormente, o argumento de Belting é a respeito do “fim da história da arte” (apesar de tangenciar, em vários momentos, o “fim da arte”). O próprio historiador, poucos anos depois, em entrevista concedida ao mesmo jornalista irá afirmar: “Eu não disse que a arte havia acabado, mas que sua história chegara ao fim, ou pelo menos uma certa história que nos ensinaram a respeito do Renascimento como marco zero da arte ocidental” (BELTING, in: GONÇALVES FILHO, 2008).

É importante que se esclareça que esta confusão entre as teses de Belting e Danto é recorrente no contexto brasileiro. No entanto, ela será tratada particularmente em momento posterior.

A segunda matéria, datada de 2008 (Anexos 3 e 4), foi publicada no ensejo da realização do Simpósio Internacional Crise da Imagem ou Crise das Teorias?, o qual contou com a participação de Hans Belting na primeira mesa do evento, apresentando a comunicação Teoria visual e teoria pictórica: arte renascentista e ciência árabe.

O Simpósio Internacional Crise da Imagem ou Crise das Teorias?, ocorrido entre 26 e 29 de agosto de 2009 no Goethe-Institut São Paulo, foi uma realização conjunta das seguintes instituições: Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Universidade de São Paulo (USP), Goethe-Institut São Paulo e Fórum Permanente: museus de arte entre o público e o privado. Segundo os organizadores do evento, o simpósio pretendia promover uma avaliação crítica e uma revisão dos debates a respeito da crise da imagem, a qual tem dominado o debate no campo da história da arte, a partir de duas perspectivas fundamentais: uma teórica e outra prática.

No simpósio, Belting apresentou brevemente o tema do seu novo trabalho, intitulado Florença e Bagdá: uma história do olhar de leste a oeste (2009)35. Novamente o mesmo jornalista dedica matéria ao historiador, sendo esta capa do Caderno 2. A matéria tem como foco o novo trabalho de Belting. Apesar de em vários momentos citar O fim da história da arte e tocar em pontos convergentes com a tese, este não é o principal interesse da matéria naquele momento.

Além das duas matérias publicadas no Jornal O Estado de São Paulo, é publicada uma resenha, de autoria de Mauro Trindade, na revista Arte&Ensaios36 no ano de 2007. Diferentemente do observado em algumas resenhas publicadas em revistas

35

BELTING, Hans. Florenz und Bagdad. Eine westöstliche Geschichte des Blicks. Munique: Beck, 2009.

36

TRINDADE, Mauro. O fim da história da arte (resenha). In: Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais EBA-UFRJ, ano XIV, número 15, 2007, pp.207-208.

científicas de outros países (como, por exemplo, nos Estados Unidos), o artigo publicado na revista brasileira se detém basicamente num detalhado resumo da obra. Enquanto considerações qualitativas são recorrentes em resenhas científicas estrangeiras, no Brasil, o que se observa é a carência de um posicionamento crítico com relação à obra resenhada, configurando-se essencialmente como descritiva.