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3 – PLANEJAMENTO E MOBILIDADE URBANA

3.3 RESTRIÇÕES AO AUTOMÓVEL EM ÁREAS CENTRAIS

Cada cidade é peculiar, e reflete um processo de crescimento direcionado por forças geográficas, históricas e culturais. Mesmo assim, há aspectos das cidades que se repetem em diversas regiões do mundo.

Sob o aspecto da mobilidade urbana, as áreas centrais caracterizam-se pelos espaços limitados, ocupados por prédios históricos e vielas estreitas,

onde circulam milhares de pessoas para a realização de tarefas cotidianas ligadas principalmente ao comércio e à prestação de serviços públicos. Certamente há centros dotados de infraestrutura moderna e preparados para receber um grande fluxo de veículos e pedestres, mas a figura das áreas centrais, enquanto centros históricos com infraestrutura precária, repete-se em diversas cidades.

A concentração de centros comerciais e prestadores de serviço público, convivendo com prédios históricos e vielas estreitas características de muitas zonas centrais, consolida um cenário onde motoristas disputam espaço com pedestres e transportadores de mercadorias. Considerando que aproximadamente 50% da área disponível nos centros urbanos seja destinada à circulação e guarda de automóveis (DUARTE, LIBARDI, SANCHEZ, 2008), restringir seu acesso é uma medida essencial para garantir espaço pra os meios coletivos e não motorizados de transporte, mais aptos a circular nestas áreas.

É sempre válido destacar que as medidas de planejamento citadas nesta dissertação devem ser consideradas em conjunto, sob uma visão sistêmica dos diversos fatores compõe o cenário da mobilidade.

Para restringir o acesso de automóveis nas áreas centrais, deve-se garantir o acesso e circulação de pessoas através de outros modos de transporte mais condizentes com estas áreas. A simples restrição dos automóveis nas áreas centrais pode causar o seu esvaziamento, trazendo prejuízos para os comerciantes e proprietários de imóveis em geral (RODIER, JOHNSTON, ABRAHAN, 2002).

Quando as medidas de restrição de acesso aos veículos são complementadas por medidas eficientes que promovem modos de transporte coletivo e não poluentes, todos saem ganhando. Conforme demonstrado por Ryan e Throgmorton (2003), a cidade de Freiburg (Alemanha) teve sucesso em substituir o uso do automóvel por trens leves sobre trilhos, bicicletas e amplas áreas exclusivas para pedestres. Estas medidas aumentaram o fluxo de pessoas na área central, valorizando imóveis e promovendo o comércio, além de melhorar a qualidade do ar.

Conforme destacado, a restrição de automóveis nas áreas centrais tende a melhorar a qualidade do ar, mas isso nem sempre ocorre. Em estudo

sobre a região central da cidade de Oxford (Inglaterra), Parkhust (2004) demonstrou que a restrição sobre os automóveis levou a um crescimento exagerado do número de ônibus em circulação, o que piorou a qualidade do ar na zona central. Este aumento dos níveis de poluição deve-se aos potentes motores a diesel dos ônibus, que não possuem a mesma tecnologia e nem as restrições legais de emissão impostas aos fabricantes de automóveis. Em Oxford, este quadro ainda foi agravado pela privatização do transporte coletivo na área central, o que levou a um disputa por passageiros entre as empresas concorrentes e consequentemente a um aumento exagerado da frota de ônibus em circulação.

A experiência de Oxford demonstra a importância de complementar o sistema de transporte coletivo com áreas para pedestres e ciclistas, promovendo a multimodalidade e o uso de modos não poluentes de transporte. Uma forma inteligente de promover a multimodalidade nestas áreas é a oferta de estacionamentos integrados a outros modos de transporte, conforme detalhado no sub-capítulo 3.5.

Ainda na Inglaterra, na cidade de Newcastle, vem sendo implementado um plano de mobilidade que tem como base a restrição de automóveis na áreas central.

Inicialmente, foi feito um estudo para classificar os veículos que mais acessam o centro da cidade em trânsito “essencial” e “não-essencial”. Foram considerados essenciais os ônibus, veículos comerciais e bicicletas, que passaram a ter preferência sobre outros modos de transporte. A priorização de alguns modos de transporte levou à transformação de áreas destinadas ao estacionamento de automóveis em ciclovias e áreas para pedestres. Também foram previstos estacionamentos para automóveis no entorno da área central, integrados com outros modos de transporte, para que as pessoas possam ir de automóvel até as proximidades do centro e depois continuar a viagem com outros modos menos impactantes (SALEH, NELSON, BELL, 1998).

Utilizando o programa TEMIS - Total Emissions Model for Integrated

Systems, os autores fizeram estimativas sobre a melhora na qualidade do ar no

centro de Newcastle. A Tabela 3, abaixo, indica as previsões de redução da emissão de gases poluentes, considerando o recorte temporal entre 1990 e 2011, e a existência de quatro cenários vislumbrados pelos autores:

a) Cenário I – Tendencial, sem adoção de novas medidas;

b) Cenário II – Restrição de automóveis na área central e manutenção do crescimento atual de vagas de estacionamento privadas e públicas integradas;

c) Cenário III – Restrição de automóveis na área central e congelamento das vagas de estacionamento privadas nos níveis existentes em 1990 e aumento tendencial das vagas públicas integradas;

d) Cenário IV – Restrição de automóveis na área central e congelamento das vagas de estacionamento privadas e públicas nos níveis de 1990.

Tabela 3 – Emissão de gases poluentes para diferentes cenários de restrição ao acesso de veículos em áreas centrais

CENÁRIO GASES POLUENTES (toneladas)

CO2 CO CH4 NMVOC N2O

Cenário I 21.669 0.725 0.015 0.175 0.001

Cenário II 9.986 0.334 0.007 0.081 0.001

Cenário III 9.328 0.312 0.007 0.075 0.001

Cenário IV 7.399 0.248 0.005 0.060 0.000

Fonte: Elaborado pelo autor com base em Saleh, Nelson e Bell (1998)

A Tabela 3 indica claramente que podem haver ganhos significativos na melhora da qualidade do ar com a restrição de automóveis na área central e a promoção de outros modos menos impactantes de transporte. Além do aspecto da melhora na qualidade do ar, também cabe destacar outros ganhos advindos da restrição aos automóveis: diminuição dos acidentes graves e letais, diminuição da poluição sonora, maior disponibilidade de espaços livres etc. (HIDAS; WEERASEKERA, DUNNE, 1998).

Potencial Riscos Sugestões Exemplo

• Estimula uso do transporte coletivo e TNM.

• Promove conforto ambiental das áreas centrais.

• Diminui risco de acidentes nas áreas centrais. • Congestionamento de ônibus e similares na área central, levando à piora na qualidade do ar; • Perda de vivacidade e dinâmica nas áreas centrais

• Medida deve ser complementada por estímulos ao transporte coletivo e TNM, para que áreas centrais não percam vivacidade e dinâmica. • Ideal que as restrições variem de • Freiburg, Alemanha. Experiência bem sucedida na restrição de veículos em áreas centrais. • Newcastle, Inglaterra. Restrição de acesso a veículos na área central prevista no

• Potencial para estimular o comércio local ao reduzir velocidade de passagem dos transeuntes. acordo com a demanda, para atingir ponto de equilíbrio entre estrutura disponível e número de veículos. • Devem ser considerados meios de acesso para serviços de emergência. Plano Integrado de Transporte. • Oxford, Inglaterra. Experiência com restrição de veículos na área central.

Quadro 5. Restrições ao Automóvel em Áreas Centrais Fonte: elaborado pelo autor