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3 – PLANEJAMENTO E MOBILIDADE URBANA

4.3 VISÃO INTEGRADORA NO PLANEJAMENTO DA MOBILIDADE

O conceito tradicional de transporte urbano focava apenas o deslocamento de pessoas e mercadorias na cidade. A evolução para o conceito de mobilidade urbana passou a relacionar o transporte aos parâmetros de uso e ocupação do solo, ao desenho urbano, às características socioculturais e outros aspectos da cidade e seus habitantes.

Conforme destacado por diversas vezes nesta dissertação, a multiplicidade de fontes, informações e conceitos passou a exigir uma visão sistêmica e integradora para o planejamento da mobilidade urbana. Considerar o impacto econômico ao restringir a circulação dos automóveis em áreas centrais; considerar o impacto viário na elaboração dos parâmetros de uso e ocupação do solo; considerar a saúde pública na promoção dos modos não motorizados de transporte, entre outras, são exemplos das diferentes relações entre o urbanismo e outras áreas do conhecimento (SRINIVASAN, FERREIRA, 2002; YORAN, KAPLAN, HAKKERT, 2003).

Rodier, Johnston e Abrahan (2002), com base em estudo de caso desenvolvido na região de Sacramento-EUA, demonstram o potencial multiplicador da integração entre diferentes medidas:

Medidas de uso do solo e restrição de trânsito podem reduzir as emissões em 5-7% num período de 20 anos. Se adicionarmos a este cenário medidas econômicas para desestimular o uso de carros, os resultados sobem para 10% (RODIER, JOHNSTON, ABRAHAN, 2002, p. 252, tradução do autor).

El Fadel e Bou-Zeid (1999), em estudo de caso sobre a mobilidade no Líbano, também demonstram que a visão sistêmica e integrada das políticas públicas otimiza as iniciativas de planejamento. Com base em quatro cenários, os autores traçam previsões para o aumento da frota de veículos e a emissão de gases poluentes no Líbano. A diferença entre os cenários se dá pela integração entre iniciativas de diferentes áreas do planejamento urbano.

O cenário tendencial aponta um aumento de 100% das emissões para o ano de 2020, considerando apenas a aplicação de medidas tecnológicas como catalisadores mais eficientes e combustíveis de menor impacto. Neste cenário, os investimentos em transporte coletivo e organização territorial são quase inexistentes.

O cenário 4, que integra o aspecto tecnológico à iniciativas de investimento em transporte coletivo; criação de ambientes favoráveis para pedestres e ciclistas; limite ao crescimento do tecido urbano; e o estímulo ao zoneamento misto, além de programas de conscientização ambiental, traz resultados surpreendentes. Neste cenário, as emissões em 2020 estariam no mesmo patamar das emissões de 1997, demonstrando a eficácia da integração entre diferentes iniciativas.

Outro exemplo que demonstra a importância da integração e coerência entre as diferentes políticas públicas diz respeito a uma posição antagônica do Brasil, já levantada na introdução deste trabalho: de um lado, o país busca reduzir a utilização do automóvel como modo de transporte, de outro, é bastante dependente do setor automotivo para gerar emprego e renda.

O planejamento integrado das políticas públicas pode levar a uma situação de equilíbrio, onde o carro ainda é valorizado em determinadas situações, mas o transporte coletivo mantém a prioridade e reduz o impacto ambiental dos deslocamentos cotidianos. O exemplo da cidade de Freiburg- Alemanha é esclarecedor.

Ryan e Throgmorton (2003), analisando a política de mobilidade de Freiburg, demonstram que a cidade soube promover o transporte coletivo na área central (mais adensada e com uma maior demanda por deslocamentos) e manter uma boa estrutura viária para o uso do automóvel em outras situações:

O resultado desta política aparece nas estatísticas de transporte da Cidade. Mesmo com o aumento do número de veículos de 1979-1989 de 62.000 para 78.286, o número de viagens em automóveis permaneceu o mesmo – 232 mil viagens por dia, e o número de usuários do transporte público subiu 136% entre 1980-1995 (RYAN, THROGMORTON, 2003. p. 42, tradução do autor).

A complementação do transporte coletivo pelo transporte individual não motorizado é um exemplo bastante citado para exemplificar a integração entre medidas de planejamento da mobilidade urbana. Rietveld (2000) analisa a importância da bicicleta como modal alimentador dos sistemas de trem na Holanda, defendendo a integração entre o planejamento da rede ferroviária e da rede cicloviária:

O trem é uma das formas mais sustentáveis de transporte, principalmente em áreas de alta densidade e grandes distâncias. A acessibilidade das estações é um fator crucial para a otimização dos sistemas de trem, sendo que a bicicleta representa uma solução flexível, barata e de baixo impacto ambiental para garantir este acesso (RIETVELD, 200, p. 72-74, tradução do autor).

Seguindo o mesmo ideal de uma visão integradora para o planejamento da mobilidade urbana, também deve ser valorizado o cruzamento de dados com origens distintas para dar maior solidez e confiabilidade às análises sobre o tema. “A utilização e o cruzamento de dados de modelos diversos de análise trazem maior confiabilidade às leituras e construções de cenários para

mobilidade urbana” (RODIER, JOHNSTON, ABRAHAN, 2002, p. 251, tradução do autor). Acrescentar estatísticas de saúde pública para demonstrar a evolução das políticas de transporte não motorizado é um dos exemplos mais citados pelos autores.

A visão integradora no planejamento da mobilidade urbana também aparece com destaque ao se tratar das políticas metropolitanas e regionais de transporte.

Yoran, Kaplan e Hakkert (2003), ao analisar os principais entraves do sistema de mobilidade urbana da região metropolitana de Tel Aviv-Israel, destacam a falta de uma instituição metropolitana com poderes para coordenar as políticas de mobilidade dos diversos município que compõem a região. Com base em dados existentes e entrevistas com mais de 60 (sessenta) especilistas no tema, os autores elaboraram dois cenários para a mobilidade na região, sendo a principal diferença entre eles a existência de um órgão de planejamento supramunicipal. No cenário onde as políticas de mobilidade eram coordenadas por uma instituição metropolitana, os resultados foram consideravelmente melhores:

Não há muita divergência sobre as medidas a serem adotadas para tornar a mobilidade urbana mais sustentável. Criamos dois cenários onde a principal diferença é a existência de um órgão metropolitano para coordenar as ações nos diferentes municípios. Segundo nossas previsões, a existência do órgão metropolitano será essencial para harmonizar as diferentes iniciativas nos diferentes municípios (YORAN, KAPLAN, HAKKERT, p. 331, tradução do autor).

Srinivasan e Ferreira (2002), analisando cenários para a mobilidade na região metropolitana de Boston-EUA, também destacam a importância do planejamento metropolitano. Segundos os autores, a coordenação e integração das iniciativas municipais através de uma autoridade metropolitana são essenciais para garantir melhores resultados em cada município e na região como um todo.

Indo além das políticas públicas, alguns autores também ressaltam a importância de integrar a sociedade civil no planejamento dos sistemas de mobilidade urbana.

Tendo como estudo de caso três empresas de Hertfordshire-Inglaterra, Dickinson et al (2003) analisam o uso da bicicleta como modo de transporte, destacando as diferentes medidas que podem ser implementadas pelos empregadores para estimular os deslocamentos por bicicleta: disponibilização de bicicletários, vestiários adequados, flexibilidade de horário para ciclistas etc. (DICKINSON et al, 2003).

Esta expansão dos critérios de pesquisa e planejamento da mobilidade urbana vem fazendo com que a mesma seja relacionada a diversos aspectos da vida em comunidade, com destaque para a relação entre mobilidade e saúde pública.