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A CULTURA ANCESTRAL DA COMUNIDADE QUILOMBOLA LAJEADO Celenita Gualberto Pereira Bernieri

4. Resultados e discussões

A Comunidade Quilombola Lajeado está localizada no município de Dianópolis, banhado pelas águas do Rio Manoel Alves. O território Lajeado está ocupado a mais 150 anos e tem relação ao passado do sistema de escravista que exploravam ouro na região da Serra Geral. O Relatório Antropológico da Comunidade Quilombola Lajeado (2016) registra que as famílias que vivem na comunidade identificam suas origens com a escravidão do século XVIII e XIX e reconstroem sua historicidade através das narrativas do grupo que contem referências territoriais precisas e que vão além de memória genérica, dando os contornos das terras as quais seus ascendentes faziam uso, que se estendia para além dos atuais limites do território que a comunidade reivindica.

O Decreto 6.040, 2007 no Art. 3 conceitua povos e comunidades tradicionais, como sendo grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas geradas e transmitidos pela tradição.

O território da Comunidade é reconhecido desde as gerações passadas como a Terra dos Pretos, enquanto os quilombolas ali residentes são conhecidos como Pretos do Lajeado, nome adquirido devido ao fato de serem pessoas com uma identidade diferente dos demais cidadãos negros daquela região. Conforme o art. 2º do Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, “consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida. ”

A área territorial da Comunidade Lajeado está fragmentado em duas áreas devido os processos cercamentos das terras que seus moradores sofreram nos últimos 40 anos, Lajeado de cima e Nova Prata. Conforme o RTDI (2016) a luta da Comunidade Lajeado pela defesa e garantia de seus mecanismos de reprodução material e cultural se consolidou por meio de estratégias e reivindicações dos moradores diante das pressões exercidas por fazendeiros. As famílias começaram a buscar saídas ao sitiamento vivenciado especialmente nas últimas décadas. Mas, a própria história das comunidades quilombolas já é uma história de resistência e luta contra a condição de sujeição ao senhor e as suas formas cotidianas de resistências, na defesa de seu modo de vida através das suas manifestações culturais e religiosas.

Todo o território é constituído por significados e símbolos ligados aos antepassados e que influenciam diretamente na cultura do povo. Nesta perspectiva, Godoi (1999: 113), ressalta que “cada aspecto, cada detalhe dos lugares, possui um sentido inteligível somente para os membros do grupo, porque todas as partes do espaço por eles ocupado passaram a se constituir em pontos de marcação de um tempo por ele vivido”. Almeida (2008) também conceitua território, antes de tudo, como uma convivialidade, uma espécie de relação social, política e simbólica que liga o homem à sua terra e, simultaneamente, estabelece sua identidade cultural. Furtado et al (2014, p.108), destaca a cultura como uma construção coletiva de significados, e acrescenta que:

A cultura, compreendida como uma construção de significados criados pelos sujeitos imprime autenticidade ao universo simbólico analisado, e nos permite perceber a lógica social envolvida. Assim, em busca de um caminho possível para compreender a cultura quilombola, deve-se partir do imaginário social construído por seus sujeitos, que nos remete a um passado comum de escravidão, lutas, fugas e constituição de quilombos.

A Comunidade Quilombola Lajeado possui uma cultura ancestral muito rica, desde 2012, após o reconhecimento da Comunidade, os moradores de Lajeado motivados pela política de reconhecimento dos remanescentes de quilombos e seus direitos coletivos, iniciaram ações para conter a desagregação das tradições entre as novas gerações, fortalecer a identidade e resgatar as suas manifestações culturais.

Neste sentido, Moraes et al (2017, p.02) faz uma alerta a respeito desse contexto social complexo em que os povos tradicionais estão perdendo suas culturas, “ao longo dos séculos perdendo seus espaços geográficos e observando a dissolução de seus traços culturais diante da força dos elementos advindos da sociedade, por sua vez (de maneira geral) pautada no individualismo e no consumo”. O autor Moraes et al (2016, p.11) observa também a ausência do poder público para fornecer a sustentabilidade das práticas culturais, “a falta de apoio do Estado em reconhecer os processos de educação própria dos povos e comunidades tradicionais e da importância da proteção e revitalização de sua cultura”.

Entre as manifestações culturais da Comunidade, destaca-se a dança sússia, a catira, as festas religiosas, a culinária, a medicina popular, a linguagem e entre outras. A sússia, por sua vez é uma dança que possuem a marca dos rituais de matriz africana como o tambor, a dança da sússia, as músicas que foram se perdendo ao longo do tempo. Bernieri, Fôlha e Alves (2017) entende a dança como uma prática cultural em formato de dança que ainda causa curiosidade e indagações em função dos seus passos marcados e o repertório de músicas em geral compostas pelo grupo coexistente, ainda que em menor escala, mas, que retratar a vida cotidiana daquele povo. Qual é repassada às crianças e jovens pelos mais velhos dotados da sabedoria ancestral quão transmite através da oralidade em contexto com a escola que busca cumprir o seu papel social a propor instrumentos metodológicos que viabilize a promoção do resgate identitário.

A catira é outra manifestação que se destaca na Comunidade, dança que possui o ritmo musical marcado pela batida dos pés e mãos dos participantes e ouvintes. Segundo Bernieri e Fôlha (2018), na Comunidade Lajeado, além de dançar a catira, possuem os autores que criam as letras de músicas cantadas durante a dança as chamadas “modas”. A música é cantata e acompanhada por viola e pandeiros. Os participantes se organizam em duas filas, uma na frente da outra, cantam, tocam e dançam, com fortes movimentos realizados com as mãos e pés.

As festas religiosas também são manifestações que fortalecem a cultura local, entre as principais estão os terços voltados para algumas divindades e as folias. A culinária local possui

suas características próprias do povo da Comunidade. Bernieri e Fôlha (2018, p.20) ressalta que a culinária “funciona como um marcador identitário, são pratos à base dos grãos, frutos, verduras e legumes cultivados nas roças, quintais e no cerrado”. Mantém muitas práticas alimentares e receitas ancestrais, como: as receitas do bolo quebrador, peta, bolo de arroz, canudo de palha de banana, alimentos utilizados no cotidiano e oferecidos nas festividades.

Na Comunidade Lajeado também se pratica constantemente a medicina popular, geralmente, aplicada pelos os mais velhos que procuram meios alternativos feitos a partir de plantas e/ou ervas medicinais, cultivadas por ele nos quintais de suas casas ou do próprio cerrado.

A memória social da Comunidade Quilombola Lajeado se forma a partir das experiências vividas nas diversas manifestações culturais. Nesta perspectiva, Furtado et al (2014) afirma que a cultura quilombola, é um espaço de trocas e compartilhamento de conteúdos simbólico-afetivos, e por se dar em relação a um contexto social, cultural e político específico, enfatiza as particularidades dos sujeitos que a constituem. É uma instância que preserva elementos culturais carregados de um passado histórico e social e que propicia um posicionamento subjetivo do sujeito ao reconhecer-se nesse passado.

5. Considerações finais

A Comunidade Quilombola Lajeado, enquanto grupo étnico-racial, busca se fortalecer pela reciprocidade entre seus membros, sujeitos que possuem histórias marcadas pela resistência e resiliência e que diante das adversidades tem buscado a preservação da sua cultura, por meio dos vínculos com a ancestralidade. Tanto as músicas, quanto as danças, a culinária, a medicina popular, a linguagem, as narrativas, entre outros aspectos culturais, têm passado por um processo de reintegraçãocom objetivo de fortalecer a identidade dos quilombolas lajenses.

6. Referências

ALMEIDA, Maria Geralda de. Diversidade paisagística e identidades territoriais e culturais no Brasil sertanejo. In: ALMEIDA, Maria Geralda de; CHAVEIRO, Eguimar Felício; BRAGA, Helaine Costa. (Orgs.). Geografia e Cultura: os lugares da vida e a vida dos lugares. Goiânia: Editora Vieira, 2008, p. 47 - 97.

BERNIERI, Celenita Gualberto Pereira; FOLHA, Jardilene Gualberto Pereira; ALVES, Laurenita Gualberto Pereira. Resiliência Cultural da Sússia: Num Resgate Identitário a

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BERNIERI, Celenita Gualberto; FÔLHA, Jardilene Gualberto Pereira. Comunidade

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A INVASÃO E IMPOSIÇÃO DA IMAGEM DA MULHER INDÍGENA:

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