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Esquema VII – Valorização Humana e Profissional

5.1 CHANLAT: AS SEIS DIMENSÕES DE RETORNO

5.1.4 Retorno da ética

A vida nas organizações e as relações sociais por ela suscitadas repousam sobre valores e regras que guiam as ações e os julgamentos dos indivíduos em interação (CHANLAT, 1992). Contudo, segundo Caldas e Wood Júnior (1999), o desenvolvimento da ciência e da técnica e a busca pelo lucro no mundo moderno fizeram as organizações se orientarem pela chamada racionalidade instrumental, a qual pauta as ações pela eficiência e utilidade para atingir determinados fins, deslocando, assim, a racionalidade substantiva, a qual significa as ações humanas a partir de uma ampla rede de valores sem considerar resultados subsequentes. Desta feita, os indivíduos, enquanto membros das organizações, compromissados com a empresa, com seus valores e suas regras, analogamente, mostram-se afeitos à eficiência e aos interesses econômicos (ENRIQUEZ, 2014).

As organizações, porém, são um universo social movido não apenas por valores econômicos, mas, também, por valores morais e éticos sobre os quais os atos individuais e coletivos devem constituir-se (CHANLAT, 1992). Segundo Srour (2003), por moral, entendem-se os códigos de normas e condutas, socialmente validados e múltiplos no espaço e no tempo, determinantes do que é certo ou errado de se fazer dentro de uma coletividade, regulando, portanto, a ação dos indivíduos. A ética, por sua vez, de acordo com Chanlat (2000), precede à moral porquanto a questiona, objetivando compreender os fundamentos a partir dos quais as normas e condutas são edificadas. Ser ético, portanto, conforme Srour (2003), é refletir acerca das consequências que nossas ações, condutas e estratégias terão sobre os outros, agindo com responsabilidade e altruísmo em prol dos interesses de todos os envolvidos na relação.

De acordo com Chanlat (1992), toda a ação individual no contexto organizacional deveria atentar-se para um triplo interesse: o interesse por si próprio, pelo qual o indivíduo posiciona-se como sujeito, definindo-se pelas suas ações, em vez de fechar-se sobre si mesmo de forma egoísta; o interesse pelos outros, pelo qual o indivíduo se guia pela reciprocidade, concordando com os direitos e obrigações constituintes de toda a relação social e reconhecendo o respeito pelo outro, por sua palavra, por suas competências e originalidade; e, oriundo da conjugação dos dois interesses anteriores, o interesse pela instituição, pelo qual o indivíduo se vincula à organização pela lealdade e participação. A partir da reflexão ética, conforme Chanlat (2010), os sujeitos e os atores são dotados de poderes, são eles: o poder da reflexão que pressupõe a liberdade de escolha quanto às ações praticadas, visando às suas consequências; o poder de agir e transformar a realidade vivida a partir do que se acredita; o poder de discutir, de expressar sua opinião e dialogar com o outro; o poder de julgar, de avaliar as ações dos indivíduos com base nas circunstâncias e no contexto e o poder de conhecer limites para a sua atuação, levando em conta o outro e a própria existência da humanidade ̶ quando se considera as questões ambientais, por exemplo. Desta maneira, percebe-se que a ética é vivida em interação e realiza-se pelo reconhecimento e respeito ao outro, baseando-se na sabedoria de vida, na civilidade e na confiança (CHANLAT, 2000). A reflexão ética, deste modo, considera a existência de um eu e um outro, com diferentes culturas, histórias e interesses, os quais devem ser considerados quando da análise das consequências de nossos atos (ENRIQUEZ, 2014).

No entanto, ainda de acordo com Chanlat (1992), o ambiente organizacional sugestiona a adoção de atitudes de frieza e desligamento junto a um certo número de pessoas, notadamente entre o pessoal administrativo e a direção. Isso pode ocorrer, recordando Enriquez (2014), devido à vontade de quantificação, à expulsão do inconsciente, do humano e do social, promovidas pela definição precisa de estruturas, papéis e funções que estabilizam comportamentos e, também, separam as pessoas umas das outras. Tendo o delineamento da estrutura da qual faz parte, a clareza do papel e das tarefas a serem desempenhadas, o indivíduo tende a criar uma identidade social e realizar a autocategorização. Para Ely (1994, apud STEIL, 1997), a identidade social é concebida como uma estrutura social, assim como o é a organização, que informa o significado do pertencimento a grupos de identidade (profissão, sexo, por exemplo) às pessoas e, igualmente, define como se dará a interação entre os membros do grupo de identidade e os não-membros. Para Steil (1997), a partir da significação extraída da identidade social, as pessoas entram num processo de autocategorização por meio do qual classificam a si mesmas e aos outros em função do status, idade, raça, gênero, entre outros.

As pessoas, uma vez fechadas em si mesmas neste processo de autocategorização, podem destituir-se do interesse por si mesmas porque não refletem sobre suas ações, bem como do interesse pelos outros e, por conseguinte, os laços de lealdade, de participação e de confiança, característicos do interesse pela instituição não se estabelecem, haja vista o respeito por si mesmo compreender o interesse pelo outro (CHANLAT, 1992). Neste sentido, o entendimento das organizações como palco central para a transformação do sujeito e de sua realização integral parece ser reafirmado, pois as atitudes individuais estão inerentemente associadas às atitudes coletivas (CHANLAT, 1992; 2000).

Para Chanlat (1992), a ética coletiva possui um duplo interesse: com as

pessoas, baseado no reconhecimento das suas singularidades, de seus direitos e

deveres, na garantia de igualdade e na disponibilização de espaços para escuta e diálogo; e com a coletividade, entendido como o relacionamento que a organização mantém com o ambiente em que está inserida (responsabilidade social, gestão ambiental, por exemplo). Desta feita, recorrendo a Enriquez (2014), é preciso que as organizações estejam conscientes da existência de microculturas em seu interior as quais desenvolvem relações de consenso e de conflito entre si e, além disso, conforme Caldas e Wood Júnior (1999), que seja propiciado o diálogo, a troca de opiniões e a

exposição de argumentos entre estas microculturas de maneira igualitária, livre e responsável em busca do entendimento a fim de se estabelecer um ambiente de respeito pelas pessoas e pela coletividade.

Para Chanlat (1992), por meio da ética, o ser humano descobre que viver é uma arte fundamentada pela instituição do diálogo, sendo caracterizada, em nível individual, no interesse por si mesmo, pelo outro e pela instituição e, em nível coletivo, no interesse pelas pessoas e pela coletividade. Isto posto, compreende-se que o sujeito só se realiza individual e coletivamente a partir do reconhecimento de um outro ser, do qual é diferente, com quem dialoga, troca experiências, criativamente, igualitariamente, livremente e eticamente, pela socialização ou ligação social e, só assim é possível viver bem em sociedade (TODOROV, 1995, apud CHANLAT, 2000).