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Esquema VII – Valorização Humana e Profissional

5.1 CHANLAT: AS SEIS DIMENSÕES DE RETORNO

5.1.1 Retorno da experiência vivida

Para Chanlat (2000), a experiência vivida concebe o encontro entre o espírito e a realidade externa, possibilitando a construção de sentidos pelo sujeito através da interação com seu trabalho, dotando este de marcas pessoais que traduzem a integração e agregam a percepção do indivíduo ao seu ofício. Contudo, o mundo da gestão tende a preconizar fórmulas para guiar a relação do indivíduo com a realidade externa a fim de prevenir-se de elementos imprevisíveis, não sujeitos ao planejamento, haja vista, no entendimento de Enriquez (2014), estes componentes serem tidos como

“perturbação” ao trabalho bem feito, à distribuição de poder e à alocação de responsabilidades.

Embora a prescrição suponha a eficácia no mundo da gestão e busque suplantar a experiência vivida concretamente pelo indivíduo no ambiente de trabalho, deve-se considerar que, por mais que especialistas e dirigentes pensem acerca de instruções e formalização de um trabalho, esta atividade será reconstruída pelo sujeito que a executa, isto porque a realidade do trabalho é “mais ou menos incerta e totalmente imprevisível” (CHANLAT, 2000). Neste mesmo sentido, Dupuis (1996), observa que as práticas e os procedimentos de trabalho, apesar de estarem definidos no interior do universo organizacional, estão em constante transformação em razão das práticas incessantes dos atores organizacionais.

Isto posto, compreende-se que a liberdade do sujeito em interagir com o seu trabalho é tão importante quanto indispensável em razão das normatizações nem sempre abarcarem a integralidade da prática do trabalho. Não à toa, segundo Enriquez (2014), estudos modernos têm mostrado que o trabalhador procura implicar-se no seu ofício, ele não quer ser um mero executor de tarefas e regras, ele quer ser um sujeito participativo, desejante, construtor, transformador e não alienado. A valorização da experiência vivida passa, assim, pelo reconhecimento do ator e do sujeito, de sua essencialidade para organização, não só enquanto membro dela, mas como construtor da realidade nela vivenciada, destacando o lado humano que a compõe.

Recorrendo a Faria e Schmitt (2007), pode-se entender melhor a necessidade do retorno da experiência vivida ao se ter em mente que o vínculo dos trabalhadores com a organização tem origem psicológica, quando o indivíduo se identifica com a empresa e percebe que nela pode realizar suas fantasias e necessidades, ou material, quando se liga a salários e benefícios, ou seja, do trabalho decorrem tanto o sustento como também o reconhecimento do homem enquanto ser social. Logo, conceder espaço à experiência vivida é capital à toda organização porque se reduz o espaço entre os procedimentos prescritos e a realidade, fato que se caracteriza como preponderante não só ao bom funcionamento da organização, mas também para a saúde física e mental dos indivíduos (CHANLAT, 2000). É o que apontam Chanlat (2008) e Dejours (1996) ao abordarem as consequências do sofrimento na saúde mental e física do indivíduo, sobre o ambiente e sobre a produtividade.

Para Dejours (1996), a depender do sentido adquirido, o sofrimento pode operar como um fator de inteligibilidade dentro das organizações, a saber: um sentido

patogênico, quando o indivíduo é impedido de interagir criativamente com o seu trabalho e desenvolve um quadro de repressão psíquica, ou um sentido criativo, quando o indivíduo usa da criatividade para lidar com as dificuldades e a realidade do trabalho, como num jogo que resultará em descobertas e em criações sociais e humanamente úteis. Desta feita, unindo o pensamento de Chanlat (2000) ao de Dejours (1996), o sofrimento enfrentado durante a tomada de decisão, ao retornar à experiência vivida, ganharia o sentido criativo porquanto promoveria o encontro entre o conhecimento e o modo como o indivíduo enxerga o trabalho, propondo, assim, novas formas de lidar com a prática do seu ofício. Em decorrência das novas formas de lidar com o ofício, o sujeito se experimenta e se transforma, descobre, inventa e, portanto, realiza-se como sujeito dentro da organização (DEJOURS, 1996).

Em oposição ao retorno da experiência vivida, de acordo com Chanlat (2008), o indivíduo que não participa criativamente do seu trabalho tem recorrente perda de autoestima e desmotivação no trabalho, o que, para Dejours (1996), constituiria o signo da repetição (ressurgimento do sofrimento) cujo resultado seria o sofrimento patogênico. As consequências deste sofrimento sobre a saúde mental advêm da separação entre a concepção e a execução do trabalho (oriunda do taylorismo), processo produtivo difusor da prescrição das ações do indivíduo por uma vontade exterior, repressor do pensamento e da criatividade para o não cometimento de erros (DEJOURS, 1996).

Ora, sendo a organização um local em que as pessoas empregam suas energias para realizar tarefas em prol dos objetivos do empreendimento, como afirmam Bergamini e Beraldo (2010), na medida em que o indivíduo é afastado da realidade do trabalho, tendo tolhida sua energia criativa, sente-se inerte e sem reação, num estado de anestesia psíquica que pode culminar no desenvolvimento de uma doença física (DEJOURS, 1996). O torpor psíquico pode ser explicado por se impedir a execução da atividade com sentimento, o que compromete a tomada de decisão e o desenvolvimento do raciocínio, como postulam Damásio (2003) e Lapierre (1996).

Dejours (1996) também aponta consequências nefastas nos relacionamentos interpessoais, no ambiente interno ou externo à empresa, os quais podem padecer de paciência e ânimo por parte do indivíduo em sofrimento patogênico. No tocante à produtividade, devido à prescrição não abarcar a experiência vivida (CHANLAT, 2000), os indivíduos podem “fraudar” o procedimento prescrito para adaptá-lo à realidade, implicando formas individuais e secretas de se executar uma atividade, as

quais podem gerar conflitos entre equipes oriundos da desconfiança quanto aos métodos utilizados (DEJOURS, 1996).

Para Enriquez (2014), as prescrições e os regramentos quanto à interação do indivíduo com o seu trabalho têm em sua base a modelização para reduzir o movimento que o inconsciente humano agregaria, de maneira a tornar o comportamento dos sujeitos controlável, domesticado e docilizado aos interesses da organização, pois, como Chanlat (2010) pondera, são necessários ajustes a fim de coordenar as atividades de todos em prol dos objetivos organizacionais, evitando-se que cada uma das pessoas faça o que julga apropriado e necessário. Para minorar dificuldades que coloquem obstáculos à consecução dos objetivos empresariais, ainda de acordo com Enriquez (2014), as organizações dotam de precisão as estruturas, as funções, os papéis, as tarefas dos indivíduos, visando torná-los previsíveis e domináveis.

Para Chanlat (2000), o retorno da experiência vivida representa a reação à redução das pessoas e de suas práticas a aspectos técnicos ao passo que, em vez de seguir regras e padrões, pelo uso da criatividade, o indivíduo confere sentido ao seu trabalho e faz descobertas e inovações que transformam a realidade em que ele vive e a si mesmo.