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CAPS i atende crianças e adolescentes com transtornos mentais graves e persistentes e os que fazem uso de crack, álcool e outras drogas Serviço aberto e de caráter

4. A CONSTRUTIVIDADE DO PROJETO TERAPÊUTICO: DAS NORMAS ÀS RENORMALIZAÇÕES

4.2 As tarefas e os processos de trabalho no CAPS ad: a Clínica de Redução de Danos

4.2.4 Reuniões de equipe e supervisões clínicas

Durante o período das observações, as reuniões de equipe aconteceram semanalmente às terças-feiras, das 13:30 às 17:30. Participaram da reunião a coordenadora, os TSS, os médicos e alguns técnicos de enfermagem. Ficavam de plantão um dos TSS e outros técnicos de enfermagem. A partir de setembro de 2011, começaram a participar também da reunião a pesquisadora, estagiários de psicologia e respectivo supervisor, inaugurando o primeiro intercâmbio entre serviço-universidade. Além desse intercâmbio, ocorreu concomitantemente, neste mesmo período, visitas de residentes de saúde mental e um projeto PET - Pesquisa e Extensão Tutorial - parceria entre uma universidade e o serviço, na área de assistência social.

Nas reuniões, os assuntos discutidos referiam-se principalmente aos processos de trabalho e aos casos clínicos. A reunião era registrada em ata e os profissionais se revezavam para preenchê-la. Ao final da reunião, os presentes assinavam tal ata.

Quanto ao formato, as reuniões costumavam começar com atraso de até uma hora e às vezes se estendiam além do horário previsto. Os atrasos dos profissionais eram frequentes e

nem todos participam de todas as reuniões devido a revezamento de plantões, folgas ou de outros fatores incidentais.

Observou-se que havia uma participação maior de alguns nas discussões. Um TSS entrevistado chegou a verbalizar que, para ele, a reunião chegava a ser um sofrimento, que havia três anos que se repetia a mesma coisa e nada mudava, que era repetitiva e pouco resolutiva e deliberativa. Isso se repetiu também na fala de outro TSS e de alguns técnicos de enfermagem que se mostraram desmotivados a participar das reuniões. A postura da coordenação mostrou-se bastante diretiva na reunião, ocupando às vezes um lugar de supervisão da equipe.

Reunião de equipe, eu acho que elas são mal aproveitadas, pessoal chega atrasado, perde o foco às vezes. Eu gosto de reunião prática: a pauta é essa. Acho que é um defeito do povo da saúde mental, perde um pouco o fio da meada (P3).

Desisti de participar das reuniões porque sempre que eu levava um assunto, eles diziam que não era assunto para aquela reunião. Só blábláblá (P6).

São quatro horas de reunião e quatro horas de um blablablá que não vai chegar a lugar nenhum. [...] Então tá, eu acho que essas reuniões, por enquanto, perda de tempo, aliás, eu acho que serve muito mais para angustiar (P2).

Havia intervalo para um lanche que um dos técnicos ficava responsável por providenciar a cada semana. O momento do lanche mostrou-se um momento de descontração que eventualmente demorava mais que o previsto. No entanto, identificou-se dificuldade de alguns em se comprometerem a levar o lanche, o que gerava insatisfação de outros, a ponto da equipe discutir, mais de uma vez, se realmente valia a pena contar com o outro ou cada um trazer o seu. Questiona-se se isso não reflete a própria dinâmica da equipe, onde uns se mostram mais comprometidos que outros com as tarefas instituídas. Presenciou-se queixas de que o descaso de alguns sobrecarregam outros, mas essas queixas não foram diretas.

Observou-se que nem sempre havia atenção coletiva na discussão dos casos. Eventualmente, ocorriam discussões paralelas entre médicos e técnicos de referência. Alguns casos de manejo mais difícil foram discutidos mais exaustivamente, evocando a atenção de todos que contribuíram com algumas informações sobre o usuário em questão e sugestões para condutas de condução do caso.

Quanto ao conteúdo das reuniões, nas discussões que giravam em torno dos processos de trabalho, a equipe levantou, ao longo do período de observação, uma série de problemas vivenciados no cotidiano. Definiu-se que havia uma necessidade de revisar e sistematizar as

normas e processos de trabalho. Para tanto, a equipe dividiu-se em duplas para escrever e fazer sugestões de melhorias e apresentá-las na reunião seguinte.

Mais uma vez, observou-se que também nesse aspecto, houve um maior empenho de alguns e dificuldade de outros em cumprir com essa tarefa, o que fez com que o tempo gasto com ela demorasse mais que o previsto. Um ponto positivo foi que os problemas foram trazidos e compartilhados, embora nem sempre solucionados.

Ainda com relação ao conteúdo das discussões, ressaltou-se nas reuniões uma necessidade de pactuar por escrito com os usuários seu projeto terapêutico; definir Permanência Dia quanto à demanda e critérios para admissão para não sobrecarregar o serviço; necessidade de maior pactuação com outros serviços de saúde e assistência social para facilitar a referência, contra-referência e os encaminhamentos pós-alta, uma vez que havia usuários que já poderiam receber alta, mas não tinham outro vínculo de suporte. Quanto a esse aspecto, discutiu-se a dificuldade de intercâmbio com outras regionais e outras secretarias (SUAS) para encaminhar os usuários também para profissionalização.

Outros problemas discutidos referiam-se à dispensação de medicação e de vale- transporte. No caso dos vales, a quantidade disponibilizada pelo município não era suficiente para todos e, portanto, havia necessidade de definir melhor os critérios de dispensação, restringindo-os para os usuários com maiores dificuldades financeiras.

Quanto à dispensação de medicação, a inclusão de um farmacêutico no serviço foi considerada indispensável, embora não houvesse naquele momento, o cargo disponível na regional. Discutiu-se também a necessidade de uma comunicação mais efetiva das altas com setor de farmácia e a necessidade de criar estratégias para que as prescrições não ficassem desatualizadas.

Discutiram-se ainda estratégias para lidar com usuários que tentavam consumir droga no serviço e com situações de conflitos ou violência entre os usuários.

Diante de uma demanda da coordenação de saúde mental para que o serviço escrevesse um artigo para um jornal que circula na rede e também o convite para participar de um evento sobre álcool e drogas promovido pelo CAPS ad estadual, a equipe se mobilizou também para discutir o que apresentar, escolhendo fragmentos de casos exitosos ou não para apresentar e discutir o trabalho orientado pelo modelo de redução de danos.

Outro tema que foi frequentemente discutido, inclusive com a presença da coordenação de saúde mental do município, referia-se ao rumo das políticas de atenção ao usuário de álcool e drogas, onde se reafirmou as premissas focadas na Redução de Danos e se questionou a política estadual, focada na repressão ao uso. A política de financiamento de comunidades terapêuticas também foi duramente criticada nas reuniões. No entanto, reconheceu-se que a estrutura da rede municipal ainda era frágil para fazer frente às críticas ao modelo de Redução de Danos, mas o modelo não foi, em momento algum, desacreditado pela equipe. A palavra ainda representa que o projeto estava em construção e aperfeiçoamento e não que não fosse efetivo.

o problema é que, às vezes, a gente agarra no que é problema e esquece de ver que tem casos vitoriosíssimos, que a gente tem orgulho, mas que a gente não fala porque foi vitorioso. A gente discute os problemas e tem que discutir mesmo, mas se a gente focar só no que deu errado, a gente não caminha (P1).

Essa verbalização aponta que as reuniões constituem-se em espaços privilegiados para compartilhamento de dificuldades e de construção de saberes sobre o trabalho, onde aparecem às tensões, os confrontos de valores, o que vai de encontro ao que Abuhab et al (2005) e Vasconcellos e Azevedo (2010) também afirmaram. Para os autores, reuniões técnicas constituem-se em facilitadores da reflexão sobre si e sobre o trabalho.

Esse processo, por vezes, mostra-se tenso, cansativo e angustiante. No entanto, o espaço da reunião mostrou-se o lugar onde se reafirmam os valores e pressupostos da Redução de Danos e, ao mesmo tempo, onde se discutiam e se desenvolviam estratégias para enfrentamento das adversidades que não se reportassem ao modelo manicomial.

Observou-se que, nesse processo, cada um contribuía não só com o saber específico de sua formação, mas com o saber da sua experiência ao lidar com as situações singulares, tanto na discussão dos casos como no funcionamento do serviço.

O que fica para mim do serviço é a vontade que a equipe tem de construir um trabalho bacana, de fazer um trabalho bacana. Acho que a gente tem essa enorme vantagem (P2).

Por outro lado, a análise das observações das reuniões de equipe e de algumas verbalizações colhidas nas entrevistas exige que se chame atenção para o risco de que a comunicação, a cooperação e a aprendizagem entre os integrantes possam ficar prejudicadas com a cristalização dos papéis nos grupos, quando somente alguns subgrupos determinam os processos (PICHON-RIVIÈRE, 1998). Nesse, sentido, identificou-se no contexto desse

estudo, em relação à dinâmica de funcionamento das reuniões, situação semelhante ao que Silva (2010, p.196-197) descreveu acerca da fragmentação do coletivo em três subgrupos: um grupo que determina; um grupo que contesta, mas não é suficientemente considerado e um grupo que se cala ou se ausenta. Dessa forma, a reunião corre o risco de sofrer um esvaziamento de sentido, perdendo seu caráter de compartilhamento de angústias e construção de saberes.

A reunião, eu odeio, odeio, odeio. Saio daqui irritada de todas as reuniões. Tenho vontade de sair correndo e nunca mais voltar... E aí eu fico com uma mágoa muito grande com o serviço. Você ainda não me viu muito. Todo dia eu reclamo. Mas eu também acho que eu trago soluções assim que nunca são acatadas (P2).

Concorda-se com Nardi e Remminger (2007) quando apontam que falas frequentemente desprestigiadas por não concordarem com o discurso político-ideológico dominante podem gerar um processo de exclusão de saberes e experiências que não condiz com os princípios essencialmente democráticos da Reforma Psiquiátrica.

Se esta mesma militância nega a reflexão mais livre a respeito dos limites do trabalho em saúde mental porque a Reforma Psiquiátrica tem que dar certo, transforma-se em fonte de sofrimento. A reflexão desaparece, cegada pelo discurso da verdade única, impedindo a ação para transformar o trabalho a partir do reconhecimento dos problemas que ele apresenta (NARDI; REMMINGER, 2007, p.283).

Ainda quanto a esse aspecto, Silva (2010) cita Cunha (2007) ao afirmar que os problemas podem não ser percebidos como resultantes de relações de poder, mas moralizados, naturalizados, explicados por incapacidades pessoais de se integrar e participar. Dessa forma, a auto-estima dos sujeitos também pode ser prejudicada, dificultando a construção de uma imagem de si valorizada e sólida.

A cada 21 dias, as reuniões eram realizadas na sede da administração regional e divididas em dois momentos: o primeiro momento era destinado à supervisão técnica, juntamente com profissionais de outros serviços de saúde mental da regional. No segundo, a equipe do CAPS ad se reunia para a discussão de assuntos referentes especificamente ao serviço. A cada supervisão técnica, um profissional de um dos serviços que compunha a regional apresentava um caso que era discutido com o supervisor técnico e os profissionais dos demais serviços.

Observou-se que as intervenções do supervisor tinham um forte caráter psicanalítico. A participação dos profissionais do CAPS ad nas discussões coletivas se mostrou tímida. Nesse sentido, profissionais do CAPS ad verbalizaram em diversos momentos que sua

atuação não era bem compreendida pelos profissionais da rede e que havia resistência dos outros serviços em estabelecer parcerias e colaboração (Diário de Campo). Entretanto, por iniciativa dos profissionais do CAPS ad, foi apresentado e discutido um caso que demandava atenção em toda a rede, o que favoreceu a construção de maior articulação, conforme se pretende discutir com maior profundidade no item a seguir.