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Rotinas de produção jornalística na televisão

Cap 2 O jornalismo televisivo e as suas especificidades

2.4 Rotinas de produção jornalística na televisão

Antes de qualquer rotina de produção no jornalismo televisivo, houve a criação de um formato de telejornal, que com o passar dos tempos não foi alterado, apenas atualizado. “Seria o caos, do ponto de vista da enunciação, se cada emissão o enunciador tivesse que elaborar uma nova maneira de dizer do telejornal.” (Ferreira & Sampaio, 2011, p. 164) Para os telespectadores o jornalismo televisivo é algo que já é rotineiro, que apresenta sempre o mesmo formato, e contém sempre os mesmos aspetos, como é referido ainda por Ferreira e Sampaio (2011):

Existem elementos que são apresentados de forma familiar para os telespectadores, tais como: o mesmo número de blocos, a forma de enquadramento da câmara, a forma do apresentador se dirigir ao espectador e apresentar as notícias entre outros aspetos discursivos que fazem parte dessas rotinas de produção da enunciação do telejornal. (p. 164)

E, apesar de haver já rotinas na produção jornalística, com o aparecimento do jornalismo televisivo tiveram de ser criadas umas e alteradas outras para que fizessem sentido neste novo formato.

Dá-se nome de rotina de produção às práticas estabelecidas de acordo com as quais os jornalistas desenvolvem o seu trabalho no dia-a-dia; como diz Alfredo Vizeu (2002a), “no dia- a-dia de sua atividade, o jornalista é servido pela língua, códigos e regras do campo das linguagens, para, no trabalho da enunciação produzir discursos”. (p. 4) Como se sabe, o quotidiano de um jornalista é informar o mundo sobre o próprio mundo, e isso faz-se através de notícias, quer escritas em jornais ou revistas, quer ditas e/ou mostradas em rádio ou televisão, quer tudo isso na internet.

As rotinas de produção são tipificações e padrões que os jornalistas criam para o seu trabalho diário, para que seja mais fácil o seu desempenho na redação. Essas rotinas são criadas dentro da redação, tendo cada um dos jornalistas de respeitar o seu funcionamento, isto é, um jornalista não pode fazer de determinada maneira, e depois vir outro e fazer diferente. É para isso que servem as rotinas de produção, para permitir à estação televisiva uma tipificação, para que quem lá entre faça sempre da mesma forma. “As rotinas começaram a fazer parte da vida quotidiana do jornalista, que as entende como um fator inerente à própria essência do jornalismo”. (Fontcuberta, 2010, p. 106) No fundo, as rotinas de produção são todo o percurso que os jornalistas fazem até levarem a sua notícia à audiência.

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As rotinas de produção, a partir do momento em que, como o nome diz, passam a ser rotinas, acabam por comprometer o meio de comunicação com o público, uma vez que o público espera dele o trabalho que tem sido feito até hoje - e, se por acaso tal não acontecer, as pessoas estranham. Neste sentido, “O jornalista é o elo fundamental do processo jornalístico.” (Vizeu, 2002a, p. 55) Ele é o intermediário do processo de “transmissão de notícias”, uma vez que ele é que procura o acontecimento, transforma-o em notícia, e depois sim, este chega ao público. (ver figura abaixo)

Figura 3. Jornalista como intermediário

Acontecimento Jornalista Público

Dissemos que as rotinas de produção são algo para ser seguido, e não desrespeitado. Contudo, há que inovar, sem violentar o perfil do jornal, porque inovar é aceitável, pois só dessa forma se consegue atingir novos objetivos e novas audiências. (Gradim, 2000, p. 36) No entanto, as rotinas de produção existem para rotular o telejornal, transformando-o num único género, “com as suas próprias regras de seleção – hierarquização, estruturação narrativa, mediação.” (Brandão, 2010, p. 16)

As rotinas de produção não se referem apenas aos modos de funcionamento da redação, mas também a todo o caminho da peça jornalística. É ao jornalista que cabe apresentar a notícia ao mundo, e para isso é necessário que o seu trabalho tenha coerência, de modo a fazer-se entender. “Quem quer que produza uma notícia deverá ter em conta não apenas uma orientação em relação ao acontecimento, mas também uma orientação em relação ao recetor.” (Gomes & Menezes, 2008, p. 2)

Regra geral, todos os meios de comunicação têm rotinas de produção. E todas elas são idênticas, em 6 passos: receção e chegada da informação; distribuição das notícias agendadas pelos jornalistas disponíveis; recolha da informação no terreno pelos jornalistas e repórteres de imagem; redação da notícia; edição da notícia; e, por último, alinhamento do jornal, isto é, o coordenador vê o que tem à sua disposição, de notícias, para criar o alinhamento do jornal. (Gradim, 2000)

Como vemos, todo o processo das rotinas de produção começa na receção da informação, continuando na sua seleção: “Toda a informação da comunicação social, seja impressa, radiofónica ou televisiva, obedece a critérios de seleção e de destaque.” (Fidalgo, 1996, p. 1) Quer a seleção quer a recolha devem respeitar os princípios adotados pelo meio de comunicação. No entanto, sabemos que a recolha de informação deve ser rigorosa, e deve ser

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pré-preparada antes da saída do jornalista para o terreno; o jornalista deve ir consciente do sítio para onde vai, que perguntas fazer, que imagens captar, etc. Pois, como afirma Anabela Gradim (2000), “a recolha de informação deve ser sistemática, rigorosa, todos os dados – especialmente em assuntos delicados – devem ser cuidadosamente verificados e, se possível, quando não houver testemunhos diretos por parte do jornalista, confirmados por outras fontes”. (p. 109)

As rotinas de produção podem ser vistas como decorrendo da teoria do Newsmaking, pois esta tem a ver, nada mais, nada menos, do que com todo o processo de criação da notícia.

Também neste processo entram os valores-notícia mencionados atrás, pois são eles que determinam em parte a construção do enunciado jornalístico e, por isso, eles acabam por ser também uma rotina, em termos do processo de criação: “Os valores-notícia contribuem para tornar possível a rotinização do trabalho jornalístico.” (Vizeu, 2002a, p. 83) A credibilidade, também, pode ser considerada quer como valor-notícia, quer como dispositivo, pois ela é essencial na construção da informação, uma vez que tem como intuito o “fazer crer” no que está a ser visualizado. “Na comunicação mediática é a própria construção da informação que deve incluir, como elementos essenciais, os índices/critérios da sua credibilidade – uma situação que procurámos traduzir dizendo que, na comunicação mediática, a credibilidade se transforma em dispositivo.” (Serra, 2006a, p. 10)

Nas rotinas do jornalismo, a apresentação é, a par da recolha e da seleção, uma fase essencial: “as principais fases da produção diária da informação são: a captação, a seleção e a apresentação.” (Vizeu, 2002a, p. 83) A fase da captação é toda a recolha e agendamento da informação, em que se procura a informação ou se analisa a que está agendada para a realização de um telejornal; a seleção é a fase onde entram os Gatekeepers e os valores- notícia, onde se pretende escolher as notícias a ser transmitidas; por último, a apresentação é quando as notícias são elaboradas de modo a estarem prontas e serem transmitidas ao público.

No jornalismo televisivo, as rotinas de produção têm um objetivo principal, que é manter telespectadores e agarrar novos, e isso faz-se principalmente através de imagens fortes e que falem por si. Também, os dispositivos3 de credibilização são outros fatores que fazem parte das rotinas de produção, uma vez que todas as notícias apresentam pelo menos um, e como já foi dito, embora não sejam conhecidos como tal, são utilizados com esse fim.

Os telejornais são feitos de notícias, e essas notícias são feitas pelos vários profissionais existentes nas redações. Aqui as notícias passam por mais que um sítio, seguindo toda uma

3 De uma forma mais geral, os modos e mecanismos de credibilidade são tratados por dispositivos dado o

seu caráter geralmente pré-estabelecido. Assim, os modos e mecanismos podem ser definidos como o conjunto de procedimentos, relativos quer ao comunicador (modos) quer ao contexto (mecanismos), que a comunicação adota no sentido de que o destinatário/telespectador a considere credível.

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rotina, já formalizada pelo canal, para que haja um melhor e menos confuso desenvolvimento da atividade de jornalista.

Um exemplo de rotina de produção, neste caso na edição de imagem, é a pergunta “será que a mãe do Odejaime vai entender?”. Esta pergunta surgiu quando os editores do jornal pediam opinião ao editor-executivo sobre as suas peças, e este dizia-lhes que se a mãe percebesse, todos os telespectadores iriam perceber. Assim, afirma-se que a pergunta ficou conhecida como o guia para se apresentar uma informação de maneira a ser compreensível para todo o auditório. (Vizeu, 2002a)

Um outro exemplo tem a ver com as breaking news: “A situação em que as breaking news ou notícias de última hora já deixaram muitas vezes de serem efetivamente urgentes é um bom exemplo: criam-se rotinas para dar ao público a sensação de estar consumindo informação inédita.” (Correia, 2009, p. 16) Uma vez que o valor-notícia atualidade é um dos valores principais na procura e criação de enunciados noticiosos, todas as notícias podem ser “vistas” como breaking news.

As rotinas de trabalho são um bom exemplo de profissionalismo, pois elas trazem eficácia a todos os tipos de trabalhos. Segundo Nelson Traquina (2007), Gurevitch e Blumler, no seu estudo sobre a cobertura de uma eleição legislativa na Grã-Bretanha pela BBC, demonstram claramente a importância das rotinas como fator determinante na produção jornalística. (p.118) “Saber o modo como as notícias são produzidas é a chave para compreender o que significam” (Sigal, como referido em Vizeu, 2002a, p. 52) isto porque ao conhecer todo o seu processo, torna-se mais fácil perceber porquê estas notícias e não outras, porquê elaboradas de esta maneira e não de outra.

Concluímos que apesar de cada meio, cada redação, cada canal ter a sua rotina de produção, “as rotinas precisam de ser produtivas.” (Traquina, 2007, p. 201) E só assim se tornam rotinas, pois não há rotina nenhuma chamada “rotina” que não seja produtiva, porque se não o fosse, não era uma “rotina”, mas sim apenas mais uma forma de trabalhar individual, pelo menos neste mundo que é o do jornalismo.

Acima de tudo, as rotinas de produção têm mesmo de ser rotinas, e os jornalistas devem ser capazes de lhes responder dessa forma, mostrando sempre o seu melhor trabalho e a sua preocupação em fazê-lo. “O profissional, de uma maneira ou de outra, está sempre preocupado com o que o público, um público presumido, espera de uma notícia.” (Vizeu, 2002a).

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Conclusão do capítulo

Com este capítulo pretendi centrar-me no jornalismo televisivo e mostrar que, apesar de este ser diferente dos já existentes - imprensa e rádio -, também envolve os seus valores-notícia, os seus Gatekeepers e o seu Newsmaking. Só desta forma existe uma boa transmissão noticiosa. Transmissão essa que é feita de notícias já pensadas mas também de notícias de última hora, ou insólitas ou inesperadas, ganhando estas últimas cada vez mais interesse no jornalismo televisivo. Contudo, e apesar dos diferentes tipos de notícias, estas devem ser curtas, simples e diretas, ganhando assim o direito a maior atenção junto do telespectador. Nos dias que correm o jornalismo televisivo ganhou um grande destaque, e isso deve-se principalmente ao facto de ele ter a capacidade de mostrar simultaneamente a imagem e o som, bem como fazer transmissões em direto e ter 24 horas de emissão diária.

O jornalismo televisivo, sendo tão importante, implica rotinas de produção, ou seja, tipificações e padrões que o jornalista segue no seu trabalho diário, de forma a evitar quaisquer falhas e a tornar esse trabalho mais fácil e organizado. A partir do momento em que essas rotinas são postas em prática, os jornalistas acabam por corresponder ao seu compromisso com o público, uma vez que o público espera deles o trabalho que tem sido feito até aos dias de hoje e que, se por acaso não for feito, provoca estranheza nas pessoas. Quando nos referimos a rotinas de produção estas não se referem apenas ao trabalho na redação, mas a todo o caminho da peça noticiosa.

No próximo capítulo é abordado o tema: modos e mecanismos de credibilidade. Pretende-se perceber como são escolhidos, qual a sua relação com o jornalista e quais encaixam nesta definição.

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