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II. E NQUADRAMENTO TEÓRICO

2. A DEFICIÊNCIA VISUAL NO E NSINO S UPERIOR EM P ORTUGAL

2.3. E NQUADRAMENTO LEGISLATIVO

2.5.1. S OLUÇÕES TECNOLÓGICAS

Os estudantes com deficiências severas têm vindo a adquirir independência de estudo, mobilidade e comunicação graças ao desenvolvimento de tecnologias, em particular na última década (Christ, 2008). Este autor defende igualmente que a tecnologia não substitui por completo as necessidades de apoio de todos os estudantes, contudo tem vindo a eliminar barreiras que inibiam o desempenho destes alunos e aumentar as suas oportunidades.

Para as pessoas com deficiência a tecnologia de apoio permite realizar as actividades que necessitam nos diversos contextos da sua vida e assim poder participar de forma plena na sociedade (Azevedo, Abascal e Ceres, 2007).

De uma forma geral, Scherer (2007) considera que para cada indivíduo que precisa existe uma tecnologia compatível com as suas necessidades e que se adequa melhor aos seus desejos. Quando uma pessoa tem uma deficiência visual as tecnologias de apoio podem ajudá-la a recolher a informação sensorial em perda aumentando o sinal e/ou alterando a via sensorial de entrada (Cook e Polgar, 2008). Estes autores dividem os utilizadores com deficiência visual quando à utilização de tecnologias de informação e comunicação em duas categorias:

- baixa visão – aqueles que são capazes de usar o sistema visual para ler, apesar de terem muitas dificuldades em utilizar a informação como ela está disposta normalmente nos equipamentos comerciais, ou pelo tamanho ou tipo de letra, ou pela falta de contraste figura-fundo ou pelo espaçamentos;

- cegos – aqueles que o sistema visual não oferece informação que possam operar os equipamentos comerciais baseados em interfaces visuais, e que necessitam de ter interfaces ou auditivos ou tácteis para os usarem.

Estes mesmos autores organizam as tecnologias em três grandes categorias (Cook e Polgar, 2008): ajudas para a leitura, incluindo o acesso à Internet; ajudas para a orientação e mobilidade; e, ajudas específicas para os cuidados pessoais, para a escola ou trabalho e para a recreação e lazer.

Uma das formas que as pessoas com deficiência visual têm de aceder à informação escrita e visual é através do tacto e de equipamentos desenhados como suplemento ou alternativa aos ecrãs visuais, quer através do braille ou outro tipo de relevos quer através de vibração (Brewster, Wall, Brown e Hoggan, 2008). Para estes autores este tipo de informação sensorial tem algumas vantagens sobre a utilização do áudio, uma vez que é privada para o utilizador e é menos afectada pelos factores do envolvimento como o ruído, pelo que consideram os interfaces tácteis como uma aposta de futuro quer em tecnologias de apoio quer em tecnologias ditas comerciais.

A escolha dos meios de leitura e escrita no ensino superior depende de vários factores: capacidade visual, estilos de aprendizagem, tipos de actividades consoante as disciplinas e da tecnologia disponível.

Para os estudantes com baixa visão existem sistemas ópticos que ampliam através de lentes, com ou sem iluminação própria, como sejam as lupas, os telescópios ou mesmo os óculos e que não exigem grande treino para rentabilizar a sua utilização (Cook e Polgar, 2008). Todavia estes sistemas estão limitados apenas à ampliação ou a percorrer diferentes partes da imagem/texto a ler não podendo resolver questões como o contraste figura-fundo nem realizar tarefas mais específicas, pelo que se deve recorrer à ajuda dos dispositivos electrónicos como os CCTV14, quer os de secretária quer os portáteis. Estes sistemas recorrem ao vídeo digital o que permite manipular as imagens em tempo real, apesar de para os autores ser necessário formação para utilizar os equipamentos em todo o seu potencial. Outras soluções para a leitura de documentos impressos passa pela utilização de digitalizadores (dispositivos que captam a imagem do papel e transforma-a em informação do tipo digital para que os computadores a possam usar) associados a programas de reconhecimento de caracteres (software que a partir de imagens contendo texto as transforma em ficheiros que os programas de texto os conseguem editar).

Os computadores com os respectivos programas de acessibilidade proporcionam duas potenciais vantagens para os alunos com baixa visão: a manipulação das imagens (tamanho, contraste, brilho, cor, …) de acordo com as suas preferências visuais; e, a iluminação dos monitores que permitem ao estudante aproximar-se da imagem sem bloquear a luz (Douglas, Kellami, Long e Hodgetts, 2001). A partir do trabalho realizado no contexto de diferentes projectos de investigação da Faculdade de Motricidade Humana em colaboração com várias entidades nacionais e internacionais (Espadinha e Pereira, 2002; Freitas, Allen, Pereira, Bühler e Civit, 2001; Pereira, Espadinha e Saragoça, 2001; Pereira, Saragoça, Loura e Espadinha, 2003) foram identificadas como indicadores de qualidade deste tipo de software: a qualidade e nível da suavização nas grandes ampliações e das imagens ampliadas; os tipos de janelas disponíveis para ler texto ampliado (em linha, caixa, etc.); as opções de movimentação pelas áreas desejadas no ecrã; as opções para detectar um cursor, um ponto de inserção, uma caixa de aviso, um foco,... ; as opções de cor de texto e de fundo; a integração com sistemas de leitura de ecrãs; a complexidade dos comandos de rato ou teclado necessário ao controlo do sistema; a facilidade de instalação; a compatibilidade com o software comercial; a

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Close Circuit TeleVision – sistemas de ampliação baseados em “circuitos fechados de televisão” também chamada de ampliação vídeo

necessidade de treino para trabalhar com o software; e, incluir capacidades de discurso.

O acesso aos computadores realiza-se neste momento, de acordo com Cook e Polgar (2008), com soluções mistas que podem ser usadas por todo o tipo de deficiências visuais consoantes as suas preferências, uma vez que as soluções mais usadas são programas que analisam a informação visual constante em cada ecrã, e que depois podem ter diferentes formas de ler: ou através de sintetizadores de voz ou através de braille (impresso ou por um dispositivo de saída, linha braille, que permite tactear os pontos por intermédio de um sistema electromecânico que eleva ou baixa pequenos pinos de forma a formar os respectivos caracteres). Estes autores referem que existem soluções no mercado que agregam várias destas soluções como equipamentos que são um digitalizador, com programa de reconhecimento de texto e um leitor de ecrã que pode ter uma saída através de sintetizadores de voz ou através da ligação a uma linha braille; ou computadores portáteis com teclados braille e linhas braille integradas.

Todavia Gerber (2003) sintetiza as desvantagens da utilização de computadores por pessoas com deficiência visual do seguinte modo: para além das potencialidades referidas de utilização no universo laboral, do acesso à informação e a redes sociais para as conseguir utilizar é necessário formação específica (incluindo materiais didácticos em formatos acessíveis), acessibilidade dos programas e ultrapassar o medo de falhar.

Para além disso, a utilização de sintetizadores de voz podem trazer problemas de inteligibilidade e qualidade de som quer pelo ruído ambiente quer pela qualidade dos equipamentos sonoros usados (Cook e Polgar, 2008). Gill (2001) valoriza a importância da introdução da emoção na leitura do discurso produzido por estes equipamentos e da qualidade da inteligibilidade do mesmo. Simpson (1999) avalia um bom sintetizador de voz com três características: prosódia (ou seja ritmo, entoação adequada à pontuação ou sentido da frase que normalmente neste equipamentos falha); controlar a velocidade de leitura e possibilidade de escolha da forma de leitura (por caracter, por palavra, ler frases, linhas ou parágrafos).

Para além destes meio existem muitos equipamentos electrónicos de utilização específica de determinadas áreas científicas que podem ter sistemas alternativos aos interfaces visuais, desde calculadoras, osciloscópios a dispositivos que informam sobre a cor dos objectos (Cook e Polgar, 2008).

Actualmente existem três tendências nas instituições universitárias (Asuncion, Fichten, Barile, Fossey e Robillard, 2004): a generalização da utilização de tecnologias de informação e comunicação (e.g. portais, computadores, …); a criação de infra-estruturas de rede para a utilização de Internet dentro de todos os locais do campus; e, a introdução de novos métodos de ensino com recurso às tecnologias quer dentro da sala de aula quer no aumento da oferta dos cursos ministrados fora deste espaço.

O ensino à distância tem vindo a crescer nas universidades desde o final do século XIX, especialmente com o desenvolvimento das tecnologias de comunicação e informação tem evoluído para o que actualmente se denomina de e-learning (Ferreira e Espadinha, 2007). O ensino à distância para Sax (2002) está a alterar a maneira como os professores e os alunos têm acesso à informação, e as universidades estão cada vez mais a aderir a esta forma de ensino-aprendizagem nos seus cursos. Para a autora, a tendência que existe actualmente é a incorporação de sistemas como o correio electrónico, a Internet e a colocação de recursos e materiais em plataformas on-line, salas de conversação, fóruns de discussão, entre outros. Contudo é necessário que todos os alunos consigam aceder a tais tecnologias, o que implica que os equipamentos e serviços estejam estruturados com possibilidade de comunicação multi e inter-modal com compatibilidade com todos os tipos de periféricos de entrada e de saída, com interfaces de identificação intuitiva e universal com possibilidades de personalização (Pereira et al., 2001).

Neste contexto, a acessibilidade pode ser definida como a forma dos alunos com deficiências conseguirem usufruir de todos os conteúdos e experiencias oferecidas pelas tecnologias educativas, quer sejam multimédia, realidade virtual, portal de Internet, grupos de discussão ou qualquer outro meio usado no e-learning (Seale e Cooper, 2010). Ou seja, para estes autores os ambientes de aprendizagem devem ser adaptáveis e flexíveis de forma a poderem ser ajustados para responder às necessidades dos alunos. Se estas condições não forem reunidas esta forma de ensino pode colocar barreiras à igualdade de participação de pessoas com deficiência de poderem usar e usufruir deste tipo de ensino que poderia à partida ser mais vantajoso (Burgstahler, 2006).

Numa parceria entre universidades australianas e indonésias foi construída uma ferramenta de avaliação específica para os sistemas de educação à distância baseados na Internet (Hosie, Schibeci e Backhaus, 2005). Esta ferramenta alerta

para a importância de se avaliarem três aspectos distintos: os aspectos pedagógicos, os recursos didácticos e as infra-estruturas que incluem a equidade e acessibilidade dos materiais e actividades de forma a permitir estudantes com deficiências visuais ou motoras usufruírem do serviço.

Seale e Cooper (2010) concluíram, no seu estudo, que os professores para desenharem cursos de e-learning deveriam recorrer a instrumentos específicos de acessibilidade informática e em simultâneo usar instrumentos de cariz mais pedagógico, não que a utilização deste conjunto de ferramentas garanta por si só a acessibilidade dos conteúdos, mas porque poderá ajudar os docentes a tomarem consciência sobre a influência pedagógica e técnica deste elemento na aprendizagem dos estudantes. Esta ideia vai de encontro ao sugerido por Steyaert (2005) e Burgstahler (2006) para como se pode influenciar a construção de conteúdos de e-learning no Ensino Superior baseados na Internet verdadeiramente inclusivos: em primeiro lugar todos os conteúdos deveriam considerar os princípios de acessibilidade consagrados para a produção de páginas de Internet; segundo avaliar de forma sistemática o nível de acessibilidade dos mesmo quer recorrendo a ferramentas automáticas quer pela avaliação dos próprios utilizadores.

Os resultados de projectos de e-learning ingleses levaram os investigadores a concluir que a acessibilidade depende da sensibilidade e conhecimento de quem constrói os conteúdos pedagógicos e das questões técnicas de quem implementa e gere os sistemas técnicos, em particular a escolha dos tipos de meios e formatos a usar para os conteúdos que podem trazer benefícios e problemas consoante as características de cada utilizador (Dunn, 2007). Edmonds (2004) acrescenta que para além de diversificar o público-alvo, o facto das universidades adoptarem medidas proactivas em relação à acessibilidade evitem processos legais baseados na lei antidiscriminação.

Carvalho e Daltrini (2002) defendem que a inclusão dos estudantes com deficiência visual no Ensino Superior pode ser facilitada através do recurso do ensino à distância uma vez que barreiras como a aceitação por parte de colegas ou professores não se coloca, ou barreiras de aprendizagem se a tecnologia usada e os materiais didácticos construídos respeitarem os princípios de acessibilidade com maior facilidade o estudante consegue acompanhar a formação respeitando o seu próprio ritmo. Junior (2010) acrescenta que a preparação que envolve a construção de formações à distância em comparação com os modelos presenciais leva a uma maior probabilidade dos docentes de forma mais sistemática poderem construir

materiais acessíveis do que todas as situações mais imprevistas que podem ocorrer em sala de aula, desde a existência de quadros onde se usar para escrever a imagens projectadas que por lapso não são descritas.

Existem diferentes tipos de tecnologias utilizadas pelas universidades nos seus cursos à distância. Carvalho (2001) propõe uma classificação baseada no tipo de percepção sensorial requerida: visual, auditiva ou táctil. Este autor não identificou qualquer tecnologia que recorresse à percepção olfactiva ou gustativa com aplicação no contexto da educação à distância, contudo considera serem vias de futuro para oferecer mais formas de acesso ao conhecimento por parte dos estudantes.

Num projecto australiano de formação à distância ligado à certificação de formação na área das tecnologias de informação e comunicação, foi claro que os estudantes com deficiência visual conseguiram alcançar os mesmos conhecimentos que os colegas, uma vez que todos os materiais e equipamentos usados quer presencialmente quer à distância foram concebidos de forma a serem acessíveis a todos os estudantes (Armstrong e Murray, 2010).

Na criação e implementação de uma formação em e-learning acessível para pessoas com deficiência visual que cumpria as normas de acessibilidade existentes não foi garantia de ter um curso acessível a todos (Francisco, 2009). Mais ainda, o autor refere a experiência da sua instituição onde existiram muitas dificuldades na descrição de imagens, legendagem e áudio-descrição pela inexistência de normas. Apesar do curso ter sido desenvolvido na plataforma Blackboard (com muitas limitações de personalização e de acessibilidade) o autor realizou uma pequena experiência com a plataforma Moodle que os participantes cegos consideram ser muito mais fácil de utilizar. Da experiência deste projecto a construção de cursos on-line acessíveis e inclusivos foi considerada complexa e exigente pois tem de combinar conhecimentos informáticos, pedagógicos, linguísticos e de design (Francisco, 2009).

3.

SÍNTESE

Sob o ponto de vista teórico e legislativo, nos países ocidentais a igualdade de direitos e oportunidades para todos é um princípio inquestionável. Todavia, não é consensual a forma como as sociedades se devem organizar para que os cidadãos com deficiência beneficiem dessas mesmas oportunidades. .

No caso do Ensino Superior, em Portugal e na maioria dos países ocidentais, foram aprovadas leis que protegem contra a discriminação e impõem medidas excepcionais que favorecem a entrada de estudantes com necessidades educativas especiais (que incluem os alunos com deficiência) neste nível de ensino.

Os serviços de apoio aos estudantes universitários com deficiência identificados, quer a nível nacional quer internacional, estão na sua maioria vocacionados para dar resposta às necessidades educativas imediatas dos alunos, configuradas no acesso às especificidades de cada curso. Outro tipo de abordagem encontrada na literatura está relacionada com a criação de estruturas de apoio para a generalidade dos estudantes universitários (e.g. um estudante pode requerer gravações de textos por não conseguir ler a negro, ou por este ser o seu meio preferencial de aprendizagem).

Na pesquisa realizada, no que diz respeito à existência de apoios aos estudantes com deficiência a nível do Ensino Superior, as adaptações pedagógicas e curriculares parecem ser as mais negligenciadas. Assim, é desejável auscultar os alunos com deficiência sobre as suas necessidades de apoio e as formas que os viabilizam, no sentido de melhorar o seu nível de participação em todas as actividades, académicas e sociais, para que possam adquirir as competências essenciais ao seu sucesso profissional.

Com o intuito de propor soluções para que todos os alunos com deficiência beneficiem de um conjunto de serviços imprescindíveis à sua vida académica é importante analisar, igualmente, a acessibilidade dos novos processos inerentes à informatização dos serviços académicos, designadamente (1) secretarias virtuais, (2) consulta de bases de dados bibliográficos on-line, (3) plataformas de e-learning onde os docentes são incentivados a colocar os materiais de apoio às unidades curriculares.

Face à realidade do apoio no Ensino Superior em Portugal pode-se ainda acrescentar:

o número de estudantes com deficiência que chega ao Ensino Superior é claramente inferior quando comparada com a proporção dos pares, bem como, com a realidade europeia e norte-americana;

a escassez de recursos didácticos disponíveis e acessíveis para os alunos com deficiência no Ensino Superior, a saber, bibliotecas, livros, revistas de cariz científico, software e hardware (compatíveis com as tecnologias de apoio pessoais);

a identificação de um reduzido número de instituições com serviços de apoio, em relação ao universo do ensino universitário português;

a falta de formação dos professores universitários sobre estratégias e formas de adequação de conteúdos às diferentes características dos seus estudantes com deficiência;

a maioria dos serviços de apoio foram criados para dar resposta às necessidades específicas dos estudantes com deficiência visual, verificando-se contudo que estão limitados à criação de materiais adaptados, disponibilização de serviços de orientação e mobilidade e de tecnologias de apoio; ou seja, negligenciam outras áreas fundamentais do currículo expandido consagradas na literatura, como as competências de vida independente, as questões vocacionais relacionadas com a transição para o mercado de trabalho, ou mesmo a utilização mais proficiente das tecnologias de apoio para a leitura e escrita.

É de realçar que os estudantes para além de terem o direito de escolher qualquer curso no Ensino Superior, têm igualmente direito a entrar pelo contingente especial, pese embora a omissão na lei das medidas a adoptar para que estes alunos possam fruir das mesmas oportunidades dos colegas. Da mesma forma que a legislação prevê o acesso privilegiado dos estudantes com deficiência ao Ensino Superior, deveria também prever as medidas para o sucesso no seu percurso académico, assegurando a qualidade da formação, o aumento das oportunidades de ingresso no mercado de trabalho na perspectiva de uma contribuição activa para a sociedade.

III. ORGANIZAÇÃO EXPERIMENTAL