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CAPÍTULO 2: A CRISE FINANCEIRA GLOBAL 2008-2009 : ORIGEM, PROPAGAÇÃO

2.3 Causas da Crise Financeira

2.3.3 Securitização de Ativos

Segundo Bernanke (2010) e Buiter (2007) as características apresentadas anteriormente, propiciaram inovações na engenharia financeira, principalmente na criação de securitizações que possibilitou às hipotecas residenciais subprime serem reestruturadas em títulos lastreados e vendidos aos investidores do mercado de crédito, concebendo aos credores acesso a um enorme pool de poupança global para financiar mais empréstimos. O processo de reestruturação apresentado de forma ilustrativa na figura 5 demonstra o risco à diversificação e como as preferências dos investidores permitiram a transformação de um grande número de ativos de risco em ativos seguros (BERNANKE, 2010; BUITER, 2007; COVAL et al., 2009). Segundo Pinto e Alves (2016, p.114) o processo de reestruturação dos títulos, ocorre da seguinte forma:

Na etapa (1): uma empresa que gera empréstimos ou ativos que produzem receita – originator - identifica o pool de ativos que podem ser securitizados19; Na etapa (2): o pool de ativos é transferido para um SPV20; Etapa (3): o SPV mantém o pool de

ativos, pagando por ele por meio da emissão de securities; Etapa (4): as securities são estruturadas em classes diferentes e oferecidas ao mercado de capitais, que geralmente são comprados por bancos, seguradoras, fundos de pensão e outros investidores institucionais; Etapa (5): é realizado o pagamento da compra de ativos; e Etapa (6): o originator coleta os fluxos de caixa relacionados aos ativos.

19 “The originator typically identifies assets with similar characteristics. Theoretically, any asset producing regular cash flows can be securitized” (PINTO e ALVES, 2016, p.144, grifos do autor). .

20 Segundo Jobst (2008, p.48) “[…] a special purpose vehicle (SPV) an entity set up, usually by a financial institution, specifically to purchase the assets and realize their off-balance-sheet treatment for legal and accounting purposes”. Para mais detalhes, ver o Apêndice A.

Em relação as classificações dos ativos, a avaliação de Classe A21 pode ser compreendida em dois fatores: i) a dissociação dos ativos em relação ao risco de falência da empresa ou instituição financeira que o originou e sua avaliação de crédito; ii) a implementação de estratégias de aprimoramento de crédito, como por exemplo, a criação de dispositivo de suavização de risco de crédito que repassa o risco da Classe A para as classes inferiores B,C,D (PINTO E ALVES, 2016).

Frequentemente, mecanismos adicionais de reforço de crédito podem ser utilizados para melhorar a classificação de crédito das securities emitidas e reduzir os riscos para os investidores. Os mecanismos de aprimoramento do crédito podem ser externos ou internos:

(1) garantias; (2) cartas de crédito; e (3) seguro de obrigações. Estes tipos de garantias podem ser aplicados a uma parcela ou a todas as tranches22 emitidas. Alguns mecanimos de aprimoramento também podem ser internos: (1) subordinação; (2) overcollateralization23; (3) cash reserve accounts; (4) spread excessivos24; (5) eventos gatilho; e (6) Níveis de cobertura mínima de dívidas ou serviços de interesse. (PINTO e ALVES, 2016, p.114 -115).

Figura 5 - Processo de Securitização

Fonte: Pinto e Alves (2016)

21Ver no Apêndice A (Bond rating).

22 Segundo Jobst (2008, p.48) as tranches são: “the reference portfolio is divided into several slices, called tranches, each of which has a different level of risk associated with it and is sold separately”.

23 Ver no Apêndice A. “The overlying bonds are lower in value compared to the underlying asset pool”(PINTO e ALVES. 2016, p.145).

De acordo a Builter (2007) o estímulo excessivo à securitização se deve a crença dos investidores e reguladores de que as securities reestruturadas estavam livres de risco devido as altas avaliações das agências de risco, principalmente das agências Moody’s, Finch e Standard & Poor. Segundo Coval et al. (2009) as ótimas classificações recebidas pelos instrumentos estruturados se devem ao excesso de confiança das agências em seus modelos de avaliação de risco.

Coval et al. (2009) argumenta também que uma importante característica do processo reestruturação dos ativos para formação das securitizações consiste em substituir riscos que são diversificados por riscos com características sistemáticas, portanto, as securities produzidas pela engenharia financeira são mais vulneráveis a crise econômica do que os títulos tradicionais advindos das empresas. Segundo Jobst (2008, p.49) isso se deve as inovações financeiras ocorridas nos instrumentos de securitização na ultima década:

The landscape of securitization has changed dramatically in the last decade. No longer is it wed to traditional assets with specific terms such as mortgages, bank loans, or consumer loans (called self-liquidating assets). Improved modeling and risk quantification as well as greater data availability have encouraged issuers to consider a wider variety of asset types, including home equity loans, lease receivables, and small business loans, to name a few. although most issuance is concentrated in mature markets, securitization has also registered significant growth in emerging markets, where large and highly rated corporate entities and banks have used securitization to turn future cash flow from hard-currency export receivables or remittances into current cash.

A figura 6 apresenta a classificação dos instrumentos de securitização. Segundo Pinto e Alves (2016, p.115) os instrumentos de securitização podem ser criados de duas formas: i) securitização financiada, a securitização é uma venda real realizada por meio do fluxo de caixa ou por financiamento. Os ativos subjacentes são vendidos pela empresa ou instituição financeira geradora para o SPV e são removidos do balanço patrimonial; ii) securitização sintética, os ativos subjacentes permanecem no balanço patrimonial da empresa ou instituição financeira geradora e apenas o risco dos ativos são transferidos para o SPV comprando derivativos de crédito como CDS sobre esses ativos. Em linhas gerais, não há venda de ativos, o originator não recebe nenhum fluxo de caixa e o SPV não é o proprietário do pool de ativos, a entidade detentora do risco de crédito associado é que torna-se proprietária.

Segundo Pinto e Alves (2016) as três principais categorias de ativos de credito securitizados são: as MBS25, ABS26 e CDO27. O custo de compra desses ativos refletem seu

25Segundo Marshall (2009, p.52) é um ativo financeiro em que um amplo conjunto de hipotecas são reestruturadas para criar um ativo garantido pelos juros gerados por um grande número de hipotecas.

perfil de risco. Segundo Marshall (2009) em teoria, esses pools de ativos, tornam-se mais atraentes devido à redução do risco de default. Pinto e Alves (2016) consideram que as securitizações de CDOs multisetoriais28, principalmente as baseadas em títulos lastreados em hipotecas do mercado subprime, se destacaram durante a crise financeira global devido as enormes perdas geradas aos investidores. O aumento da securitização de hipotecas permitiu uma maior separação da origem dos empréstimos hipotecários dos fundos de financiamento, assim o sistema bancário paralelo29 com menor regulamentação passou a substituir os bancos comerciais como principais financiadores de títulos relacionados a hipotecas.

Figura 6 - Instrumentos de Securitização

Fonte: Pinto e Alves (2016).

26Ativo financeiro em que um amplo conjunto de ativos são reestruturadas para criar um ativo garantido pelos juros gerados por um grande número de ativos (MARSHALL, 2009).

27Ativo financeiro em que um amplo conjunto de ativos - dívidas que rendem juros - são reestruturadas para criar um ativo garantido pelos juros gerados por um grande número de ativos (MARSHALL, 2009, p.50). 28Na perspectiva de Marshall (2009, p. 51) “A derivative similar in structure to a CDO except that the asset is backed by CDOs as collateral rather than more tangible assets”. Para mais detalhes, ver Apêndice A.

De acordo a Gertler e Gilchrist (2018) o boom da bolha imobiliária no sistema financeiro norte-americano provoca grande elevação nos preços das habitações, construções civis e dívidas hipotecárias, com a inadimplência das hipotecas e o consequente colapso no mercado de securitizações, os países avançados que possuíam fortes ligações financeiras com os Estados Unidos (as principais economias da Europa e diversos outros países da Europa ocidental) são os primeiros a serem afetados pela crise, com o colapso da Lehman Brothers em setembro de 2008 a crise atinge proporções globais (DIDIER et al, 2011BLANCHARD et al., 2010; CLAESSENS, 2010).