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3 A SEGREGAÇÃO SÓCIO-ESPACIAL DA CIDADE E OS NOVOS VETORES DE CRESCIMENTO

“O bairro valoriza seu investimento. A localização valoriza a sua vida”18

. Como exemplificado por este texto de peça publicitária de lançamento imobiliário, a localização permanece como o primeiro e principal atributo de diferenciação de habitação. Os agentes do mercado imobiliário estabelecem algumas estratégias para reforçar e estender a valorização de bairros já consolidados e de construir reputação para regiões de novos empreendimentos.

Segundo Loureiro e Amorim (2005) a primeira estratégia é de ampliar os limites de bairros tradicionais ou de boa reputação. É o que observamos, por exemplo, em Salvador, entre os bairros limítrofes Imbuí e Boca do Rio ou Pituba e Nordeste de Amaralina. A ação consiste em anunciar um empreendimento em região limítrofe como sendo território do bairro mais prestigiado podendo, assim, aferir maiores rendimentos. Por outro lado, à medida que o empreendimento se consolida tais limites territoriais podem ser efetivamente ampliados com a substituição da população.

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Texto de peça publicitária do empreendimento Neo Itaigara Life encontrada no Guia de Imóveis Stand de vendas, Julho de 2012.

A segunda estratégia consiste em atribuir novos nomes para regiões ou “bairros que carregam um certo estigma social” (IDEM). Assim, observamos o surgimento do Horto Bela Vista na região do Cabula, área com forte caracterização de população de classe média baixa e popular, como uma possibilidade de diferenciação aos seus moradores, em geral, famílias que ascenderam e necessitam de novas tradições para serem identificadas. Este mesmo raciocínio que orienta ações da Prefeitura de Salvador que na gestão anterior pretendia refundar o atual bairro Dois de Julho no centro antigo da cidade com o nome de bairro Santa Tereza no intuito de afastar o estigma de decadência atribuído ao local e estender a área de valorização que a região da Avenida Contorno tem recebido com a criação de empreendimentos de luxo.

Assim, ao observarmos a distribuição geográfica dos novos empreendimentos percebemos que quase todas as regiões da cidade recebem empreendimentos, somente a região do Subúrbio Ferroviário não é citada em nenhum dos veículos utilizados como fonte nesta pesquisa.

Entretanto, mesmo havendo distribuição de empreendimentos por muitas regiões da cidade, alguns bairros concentram a oferta de empreendimentos além de cada região, atrair um tipo investimento específico. Podemos verificar pela tabela 03, no apêndice, que o bairro de Patamares é o que concentra maior oferta de empreendimentos com 17 ofertas no Portal Stand de Vendas e logo em seguida vêm os bairros do Horto Florestal, Pituba e Jardim Armação com oferta de 07 empreendimentos cada um. Porém, ao observarmos a tabela 04, também no apêndice, percebemos que o bairro da Pituba lidera o ranking de ofertas com 13 empreendimentos, seguido por Patamares com 12 e por Pituaçu com 09 empreendimentos durante o período analisado.

Embora pareçam contraditórias, as informações que emergem da amostra dão conta dos principais vetores de investimento do mercado: Patamares se destaca como novo vetor de expansão vertical da cidade, havendo grande disponibilidade de terrenos e reservas naturais. Já a Pituba representa um investimento seguro num bairro símbolo de ascensão social na cidade, além de compreender uma região muito grande com limite no atual centro financeiro da cidade, a Avenida Tancredo Neves.

Em 2013 a Ademi divulgou através do Jornal A tarde a distribuição das unidades disponíveis por região da cidade e a região próxima à Avenida Tancredo Neves, no Caminho das Árvores era a liderança em lançamentos. Como a comparação incluía imóveis residenciais e

comerciais deduz-se que a quantidade de imóveis comerciais tenha ajudado a elevar o índice naquela região.

Já segundo a edição do mesmo jornal de 14.02.2014 seis bairros de Salvador concentram 40% da oferta de imóveis residenciais novos no município de Salvador, são eles: Patamares com 1.200 unidades, Caminho das Árvores com 706 unidades, Pituba com 499 unidades, Imbuí com 349 unidades, Aquarius com 292 unidades e Jardim Armação com 122 unidades.

Segundo as falas de agentes do mercado imobiliários à reportagem do A Tarde estes bairros de configuram como vetor de expansão do crescimento da cidade e que há expectativa de que estas regiões se valorizem em 30%. “A localização estratégica, o potencial de valorização, as áreas consideradas nobres e já consolidadas são os principais aspectos observados pelo investidor que busca imóveis”, diz a reportagem. Além disso, há algumas características que pesam a favor de alguns bairros como é caso de Patamares, maior concentrador de investimentos. “Patamares é talvez o único bairro de Salvador que não é rodeado de favela. Você vê o mar por todos os lados” disse Márcio Bulhões do Sindimóveis19 à reportagem de A Tarde.

É importante notar que o corretor destacou uma das maiores características da estrutura urbana da Salvador, da qual o bairro de Patamares é exceção: a proximidade territorial entre bairros de classe média alta e bairros populares, que a faz destoar de outras capitais brasileiras, principalmente de São Paulo cidade que em geral é tomada como paradigma nos estudos urbanos, na qual prevaleceu durante grande parte do século XX o padrão de organização centro-periferia. Já a cidade do Rio de Janeiro tem convivido na contemporaneidade com a proximidade entre bairros urbanizados e favelas, fato que tem influenciado na formação do valor de imóveis em regiões limiares. Cavalcanti (2010) chama a atenção para as dificuldades de se entender a dinâmica das relações nestas regiões limiares pela forma engessada em que se dicotomizaram os estudos da cidade separando os estudos da cidade formal e informal.

Ou seja, a perspectiva ampla e generalizante que estrutura a mirada do urbanismo não permite capturar um processo social como o surgimento de mercados “limiares”, porque fenômenos como o medo da criminalidade violenta, sutilezas como a vista da favela e as relações sociais, conflitos e afinidades em torno do espaço urbano não figuram como variáveis nestes estudos. (CAVALCANTI, 2010, p. 22).

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Em Salvador encontramos, sim, bairros com pouca infraestrutura ocupados por camadas populares distante dos centros, a exemplo de quase todos os bairros do Subúrbio Ferroviário e do Miolo, no entanto, em todas as regiões da cidade, há ao lado de bairros de classe média alta, enclaves de moradias populares. A relação entre o Nordeste de Amaralina e a Pituba e do Calabar com a Barra/Ondina são exemplos das tensões provocadas por esta proximidade entre grupos sociais díspares. É justamente esta tensão que não pode ser observada na região de Patamares e que contribui para a sua valorização já que a segurança20 é um dos itens mais procurados por quem deseja residir em condomínios fechados e é corrente a ideia de que a criminalidade parte dos bairros populares.

É importante notar, como veremos mais detalhadamente à diante, que não há uma escolha aleatória sobre que tipo de empreendimento será erguido em cada bairro da cidade. A definição dos vetores de crescimento e de como e por quem estes vetores serão ocupados segue a lógica estruturada durante o século passado no qual foram estabelecidos os bairros e lugares dos abastados e os lugares da parcela popular e trabalhadora. A atual configuração da cidade e os vetores de crescimento que se estabelecem atendem a um mapa social (VELHO, 1989) já estabelecido e que também suscita pressão por deslocamento de setores populares de áreas consideradas nobres como é exemplo o Calabar e a Boca do Rio na Orla Atlântica da cidade.

Nas áreas reconhecidas como nobres estão os empreendimentos mais arrojados, com projetos mais detalhados, nomes soberbos, maiores áreas privativas, mais vagas de garagem e mais itens de lazer. Nas regiões reconhecidas como populares ou de faixa de renda média baixa serão empreendidos condomínios que primam pelo aproveitamento máximo da possibilidade de inserção de unidades, com áreas privativas reduzidas, poucas áreas comuns, poucas vagas de estacionamento, projetos sem inovação com nomes que inspiram simplicidade além de revestimentos e materiais de baixo custo.

Este processo [de hierarquização e valorização espacial da cidade] é regulado por algumas regras de ouro: a) os aspectos paisagísticos, tais como a proximidade de praias, rios e montanhas; b) a existência de equipamentos coletivos em quantidade e qualidade necessárias ao consumo, tais como escolas, supermercados, estrutura viária, etc.; c) distância e facilidade de acesso aos locais de trabalho; d) divisão simbólica da cidade, que classifica socialmente as pessoas segundo sua localização no espaço da cidade. (LOUREIRO & AMORIM, 2005)

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O aspecto “segurança” foi citado 40 vezes como característica dos empreendimentos ofertados no Portal Stand de Vendas.

Desta forma, a nova configuração que os condomínios oferecem à cidade não conflita com a hierarquia socioespacial já estabelecida, antes, a reforça.

Outro aspecto relevante sobre a localização dos empreendimentos é observar certo deslocamento dos empreendimentos para regiões mais valorizadas ou pegando carona na valorização de empreendimentos maiores. Esta maleabilidade dos limites entre os bairros permite a apropriação dos valores positivos encontrados nas redondezas. O Cloc Marina Residence está localizado no Centro no anúncio do Portal Stand de Vendas e na Avenida Contorno no anúncio do site da Ademi. O Salvador Ville está localizado distante, mas se anuncia como estando no Alphaville. O empreendimento Horto Bela Vista está localizado no Cabula, já o Palazzo Bela Vista se localiza no Horto Bela Vista. Por outro lado, estas empresas se beneficiam da publicidade mais agressiva que estes grandes empreendimentos fazem na cidade. É a oportunidade, por exemplo, de pagar menos para morar próximo de empreendimentos de padrão mais alto.

É interessante notar que a estratégia das empresas acompanha um comportamento comum entre brasileiros, e entre soteropolitanos em especial, de relatar morar na parte mais valorizada da região onde se mora. Gilberto Velho já havia observado em seu estudo seminal Utopia Urbana (1989), sobre a moradia no bairro de Copacabana no Rio de Janeiro, que o fato de morar num bairro prestigiado é mais importante que as condições da moradia:

Se, por um lado, morar em Copacabana é encarado como atributo altamente positivo, algo a ser ostentado, muitos moradores têm uma certa “vergonha” de morar num “balança [mas não cai]”. Esta atitude se solidificará à medida que as experiências cotidianas e seus contatos com outras pessoas venham a indicar que seu local de residência tem “má fama” e que o fato de ali morarem possa ser interpretado como um lado negativo, um mau indicador ao seu respeito”. (VELHO, 1989, p.37)

Um exemplo deste fenômeno observável em Salvador ocorre com a Pituba, considerado como um bairro de interesse de quem mudou de status social, ascendeu sócio e financeiramente. Na Pituba, o Condomínio Júlio César, construído na década de 1970 com 19 torres, é sinônimo de superpopulação e de moradia má vista. Entre os novos empreendimentos do bairro, ao observarmos o número de unidades com 2 dormitórios, podemos depreender que estes empreendimentos têm por público uma classe média baixa que aumentou o poder aquisitivo na última década e que pode e quer demonstrar a sua ascensão mudando-se para lá.

Na edição do Jornal A Tarde de 25.01.2014 a atenção se volta para o bairro do Cabula que tem tido grande valorização desde que se noticiou a chegada do empreendimento Horto Bela Vista propagandeado como um novo bairro planejado num dos últimos espaços vazios da

cidade, nas imediações do Shopping Iguatemi. Em oito anos a região valorizou 210%. “O metro quadrado valia 1.450 reais em média em 2006 e agora custa 4.500 reais em média.” Em 6 anos foram construídos cerca de 30 novos empreendimentos com 60 mil unidades custando a partir de 200 mil reais. Até o ano de 2016 haverá 1,6 mil unidades disponíveis, a partir de 200 mil e área acima de 47 m².

Na edição de 15.02.2014 o Jornal A tarde traz notícias sobre a valorização da Avenida Contorno, localizada no Centro Histórico, que vem ocorrendo desde a implantação da nova marina e de empreendimentos de altíssimo padrão com unidades chegando a ter 800m² e custando até 6,3 milhões de reais possuindo itens como atracadouro privativo, guarita blindada e piscina com borda infinita. Assim, o Cloc Marina Residence com imóveis de 1 dormitório custando a partir de 400 mil reais surge como oportunidade mais acessível de adquirir imóveis numa região em ritmo intenso de valorização. “O público [que procura o Cloc Marina] vai desde baianos que querem em local onde possa receber hóspedes até investidores de outros estados e países que frequentam a cidade”, disse Fabiane Vivas, da Imobiliária Nova Dimensão, à reportagem de A Tarde.

Os bairros de Patamares e Pituaçu representam a nova fronteira de expansão da produção de imóveis de alto padrão. A grande “disponibilidade” de áreas para serem exploradas, a proximidade de elementos de valorização do imóvel como o Parque de Pituaçu, a praia e as vias de acesso através da Avenida Paralela fortalecem a tendência. O crescimento destes bairros, assim como da Paralela, Piatã, Alphaville, Horto Florestal entre outros, pretendem fundar outro padrão de relacionamento com a cidade, diferente do estabelecido em bairros como Barra e Graça, onde as redes de serviços são muito próximas às residências e podem ser acessadas caminhando. Agora, a distância da rede de serviços é intermediária: nem tão longe que se perca tempo no trânsito, nem tão próxima que se possa acessá-la sem carro. Numa cidade cada vez mais dependente do automóvel e onde as ruas e avenidas estão cada vez mais se transformando apenas em vias, ou não-lugares (AUGÊ, 2012), o acesso a pé é de alguma forma estigmatizado e pode suscitar suspeição sobre o indivíduo que o faz, além é claro, de indicar de forma direta a que grupo socioeconômico pertence.