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CAPÍTULO 1 EMBASAMENTO TEÓRICO

1.2 Teoria da Atividade

1.2.1 Gerações da Teoria da Atividade

1.2.1.2 Segunda geração da Teoria da Atividade

Ainda que Vygotsky tenha introduzido quase todas as questões da TA, foi Leontiev, principal representante desta geração, o responsável por criar um quadro teórico dentro do qual essas questões são interpretadas hoje (WERTSCH, 1981). Leontiev (1981) parte do conceito de Atividade, fundamentada por Vygotsky, e entende a Atividade humana na relação do homem com o mundo e dirigida por seus motivos. Assim, seguindo o pressuposto do materialismo histórico-dialético, o homem entra em contato com os objetos e o mundo por meio da sua Atividade e se desenvolve por meio dessa sua relação material com o meio, transformado os objetos e o mundo, e a si mesmo.

Ainda, para Leontiev (1981), a Atividade é determinada pela existência de um objeto que a estimula e que é o motivo da sua ocorrência. Para que a Atividade exista é necessário que o objeto da ação coincida com o seu motivo. Contudo, o objeto da ação e seu motivo final são separados a partir do surgimento da divisão de trabalho, caracterizado pela fabricação de instrumentos e por uma Atividade coletiva e comum, que deu início a um processo de divisão técnica, o que, por sua vez, causou modificações na estrutura da Atividade dos indivíduos.

O conceito marxista de divisão de trabalho foi, então, reconstruído e considerado “um processo histórico fundamental para o desenvolvimento das funções mentais”. Para esse estudioso, “a atividade individual somente existe dentro de um sistema de relações sociais, cujo ponto central é o trabalho” (CEDRO; MOURA, 2012, p. 45).

Leontiev (1981) explica, por meio do famoso exemplo da caça coletiva primitiva de animais, a diferença crucial entre a ação individual e a Atividade coletiva. Nesse modelo, a caça é a Atividade, a presa é o objeto, e a fome pela presa é o motivo. O barulho feito pelo caçador é a ação e tem como objetivo assustar a presa. A Atividade desse membro termina com essa ação e os outros membros completam o restante da Atividade. Nota-se que o objetivo desse caçador (assustar a presa, possivelmente, em direção a outros caçadores) não coincide com o motivo e o objeto da atividade (saciar a fome). Seu ato de assustar a presa, então, constitui-se como uma ação, mas sua Atividade é a caça.

Para o autor, o que une o resultado da ação e o resultado final da Atividade é a relação estabelecida com os outros membros da Atividade. Com o surgimento da ação, a

Atividade humana passa a ser baseada em relações sociais estabelecidas com outros homens e a criação de instrumentos dá capacidade ao homem de estabelecer ligações sociais entre o motivo e o objeto da ação.

Nesse sentido, Engeström (1987, p.84) afirma que o trabalho humano é cooperativo; a ação do caçador parecerá sem sentido se a Atividade coletiva toda não for considerada. Desse modo, segundo o autor, “podemos falar em atividade de um indivíduo, mas nunca em atividade individual; apenas ações são individuais” (grifos do autor).

Além de mostrar a distinção entre a Atividade coletiva e a ação individual, o exemplo da caça coletiva também estabelece a distinção entre os três níveis hierárquicos de funcionamento da atividade, a saber: Atividade, ação e operação. O primeiro nível, da Atividade, corresponde às necessidades humanas, é realizada pela comunidade e orientada pelo objeto/motivo. O segundo nível compreende as ações, que revelam as etapas para a realização da Atividade, são realizadas pelo indivíduo e orientadas pelo objetivo. As ações não são totalmente previsíveis e mesmo as mais bem planejadas envolvem falhas e inovações inesperadas, que seriam difíceis de serem explicadas se fosse considerado apenas o nível das ações e não o contexto mais amplo da Atividade (ENGESTRÖM, 1999a). O último nível corresponde à operação, que é realizada por meio de rotinas humanas ou mecânicas e são orientadas pelas condições. A figura que segue ilustra cada um dos três componentes de uma Atividade:

Figura 4: Componentes de uma Atividade

A Atividade é dirigida pelo objeto (ENGESTRÖM, 2009) e, desse modo, para Leontiev (1978), não há Atividade sem objeto e este representa o real motivo da Atividade, ou seja, o conceito de Atividade está conectado a um motivo que a impulsiona. As Atividades se distinguem uma das outras justamente por seu motivo, ou seja, por seu objeto, o qual é responsável por regular a Atividade do sujeito e fazer com que desenvolva ações no sentido de suprir sua necessidade.

Contudo, Engeström (1987) salienta que, em razão da divisão de trabalho, os indivíduos participam das Atividades sem estar completamente conscientes de seus objetos e motivos. Engeström (2009, p. 03) define, assim, objetos como:

[...] preocupações, são geradores e foco de atenção, motivação, esforço e significado. Por meio de suas atividades, as pessoas constantemente mudam e criam novos objetos. Novos objetos geralmente não são produtos intencionais de uma única atividade, mas são consequências não intencionais de atividades múltiplas.13

O objeto, assim, é força motivadora que molda e direciona a Atividade e determina o horizonte de possíveis ações (ENGESTRÖM, 1999b). As Atividades são realizadas por meio de ações ou redes de ações orientadas para o objetivo, subordinadas a propósitos conscientes, ou seja, participar de uma Atividade é desempenhar ações conscientes que tem um objetivo definido. Por sua vez, as ações consistem de uma cadeia de operações, definidas como formas de realização automática e inconsciente de uma ação. Uma ação pode ser desempenhada por diferentes operações e diferentes ações podem ser realizadas pelas mesmas operações. Além disso, quando uma ação se torna automatizada, ela se torna uma operação, possibilitando o surgimento de ações mais complexas pelo indivíduo (ENGESTRÖM, 1987).

É importante que os objetos não sejam confundidos com objetivos. Engeström (1999b) explica que os objetivos estão ligados a ações específicas, que têm um começo e fim determinados e um tempo curto de vida. Os objetivos não explicam o surgimento das ações e são formulados e revisados conforme o indivíduo age, sendo apenas, em geral, posteriormente explicadas. Por outro lado, os sistemas de Atividade se desenvolvem por meio de longos ciclos históricos sem começo e fim determinados, e geram ações pelas quais o objeto é reconstruído embora, por ser um horizonte, nunca seja totalmente alcançado. Segundo esse autor, o objeto de Atividade coletiva se

13 No original: “Objects are concerns, they are generators and foci of attention, motivation, effort and

meaning. Through their activities people constantly change and create new objects. The new objects are often not intentional products of a single activity but unintended consequences of multiple activities”.

assemelha a um mosaico em constante evolução, um padrão que nunca está inteiramente acabado.

Para representar a dinâmica entre ação e operação, Kuutti (1996) apresenta o exemplo de um motorista que aprende a dirigir um carro com câmbio manual. Segundo o autor, no início, cada passo do processo é uma ação planejada (como pisar na embreagem, mudar a posição da marcha, soltar a embreagem e pisar no acelerador); com o tempo, as ações se transformam em operações, uma vez que as tomadas de decisão conscientes começam a desaparecer e esse processo torna-se mais automático.

Ademais, na TA, os motivos, ainda que aparentemente diferentes, são o principal critério para a classificação de ações como parte de uma mesma Atividade. De acordo com Gomes (2012), com base em Leontiev (1974), o caçador encarregado de bater o tambor e o caçador com a arma participam da mesma Atividade, mas realizam ações diferentes que são ligadas, contudo, pelo mesmo motivo. Se o caçador, por outro lado, bater o tambor por diversão em outro contexto, essa ação fará parte de outra Atividade, já que apresenta a diversão como seu motivo. Da mesma forma, um professor de LE que tem como objetivo apenas cumprir seu horário e receber seu salário tem motivos diferentes e, portanto, participa de diferentes Atividades do que um professor que se preocupa com o desenvolvimento do aluno embora eles estejam engajados na realização das mesmas ações.

Leontiev, contudo, não representou graficamente a TA. Esse modelo foi elaborado por Engeström (1987) ao ampliar a representação triangular de Vygotsky para um modelo de um sistema de Atividade coletivo por meio dos elementos da comunidade, regras e divisão de trabalho, e da ênfase na análise das interações entre eles, como pode ser notado na figura a seguir:

Figura 5: Estrutura de um sistema de Atividade humana

Fonte: Engeström (1987)

A parte superior do triângulo é chamada de “ponta do iceberg” por Engeström (2001) por representar a parte visível que corresponde às ações individuais e do grupo dentro do sistema de Atividade. Além do sujeito, essa parte também compreende o objeto, espaço problema no qual a Atividade é direcionada e transformada em resultados, e os artefatos, que fazem a mediação entre sujeito e objeto. Ademais, o objeto é indicado por uma forma oval para mostrar que ações direcionadas ao objeto são sempre caracterizadas, ainda que explícita ou implicitamente, por ambiguidade, surpresa, interpretação e potencial para mudança.

A parte submersa do iceberg (parte inferior do triângulo) corresponde ao contexto que conduz a realização da Atividade. A comunidade compreende os indivíduos que compartilham o mesmo objeto. As regras são as normas e convenções que regulam as ações e interação no sistema, e a divisão de trabalho orienta as formas de organizar as tarefas entre os membros da comunidade.

Engeström (2001) afirma que o conceito de Atividade levou o paradigma a um grande avanço por focar justamente as complexas relações entre o sujeito individual e a sua comunidade. Para o autor (2008, p. 26), as Atividades são vistas como:

[...] uma formação sistêmica e coletiva que tem uma estrutura mediacional complexa. Elas não são um evento ou ação curtos que têm um começo e fim claros. Elas são sistemas que produzem eventos

ou ações e se desenvolvem por meio de períodos longos de tempo sócio-histórico14.

Ademais, apesar da aparência rígida do triângulo, ele não é estático e é usado apenas para fins de representação. As Atividades são dinâmicas, e não estáticas, e estão em constante mudança e desenvolvimento em todos os níveis (Atividade, ação e operação) (KUTTI, 1996). Há, então, constantes transformações entre os componentes do sistema de Atividade, o qual se reconstrói incessantemente (ENGESTRÖM, 2008).

Nesse sentido, Engeström afirma que comumente a TA é associada apenas aos triângulos, o que restringe o trabalho realizado com essa teoria. Os fundadores da TA fizeram modelos mais simples para indicar a mediação entre sujeito e objeto, mas eles não incluíam o aspecto coletivo da Atividade que inclui a comunidade e suas regras e divisão de trabalho. Esses elementos, que devem ser visualizados juntos, visto que se influenciam e inter-relacionam, são contemplados nesses diagramas. Segundo ele,

Eles [triângulos] são modelos úteis pois são ferramentas conceituais que devem ser usadas, testadas e modificadas. E, como qualquer outra ferramenta, não devem ser do tipo canonizado, fixo, digamos, uma teoria nossa. Eles são ferramentas para desenvolver a teoria e fazer a teoria funcionar também na prática. (LEMOS; PEREIRA-QUEIROL; ALMEDIA, 2013, p. 718)

Assim, a representação visual do triângulo é resultado do diálogo do pesquisador com a prática e da tentativa de condensar a teoria nas colaborações de pesquisa. Para Sannino, Daniels e Gutiérrez (2009, p. 13), “o triângulo emergiu como uma ferramenta desenvolvida para destruir o mito da objetividade no ensino e aprendizagem, e superar o dualismo nas teorias tradicionais baseadas nas relações sujeito-objeto, aprendiz- conhecimento, e indivíduo-ambiente15”.

No que concerne à realização da presente pesquisa, apresento um modelo de TA com base em seus objetivos. Os professores em formação inicial investigados neste trabalho são identificados como os sujeitos da Atividade, assim como a professora- pesquisadora e os alunos dos estágios. Eles participam da atividade de desenvolvimento

14

No original: “Activity is here seen as a collective, systemic formation that has a complex mediational structure. Activities are not short-lived events or actions that have a temporally clear-cut beginning and end. They are systems that produce events and actions and evolve over lengthy periods of sociohistorical time”.

15

No original: “Thus, the triangle emerged as a tool designed to destroy the myth of directness in learning

and teaching, and to overcome the dualism in existing traditional theories based on subject–object, learner–knowledge, and individual–environment relations”.

do estágio de inglês, a qual tinha como objeto a proposta de aulas de inglês com o uso de tecnologias. Tais tecnologias, então, constituem os artefatos de mediação dessa Atividade (embora haja outros). Como resultado da Atividade, tem-se a formação tecnológica do futuro professor de LE.

Por sua vez, a divisão de trabalho acontece entre professora-pesquisadora, os professores em formação, o coordenador do curso de Letras e outros funcionários da faculdade, os alunos e responsáveis pelos contextos onde o estágio é desenvolvido, os quais representam a comunidade dessa Atividade. As regras do ensino de língua inglesa com o uso de ferramentas tecnológicas assim como as regras estabelecidas em cada contexto e na própria disciplina constituem as normas a serem seguidas. A figura a seguir representa a proposta de sistema de atividade com base nos objetivos desta pesquisa:

Figura 6: Proposta de sistema de Atividade com base nos objetivos desta investigação