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Após o lançamento do Lp com obras de Armandinho Neves, o Departamento de Arquivo e Memória começou a pesquisa para a produção do segundo projeto fonográfico do Clube: um lp duplo em homenagem ao compositor e multi instrumentista Garoto, nome artístico de Aníbal Augusto Sardinha. Nascido em 1915 no bairro da Luz, em São Paulo, Garoto chamou a atenção do Clube do Choro por seu talento excepcional e por sua trajetória peculiar. Aos treze anos de idade, em 1927, passou a tocar profissionalmente acompanhando o cantor Paraguaçu, conhecido como ‘O Italianinho do Brás’147. No início de sua carreira era chamado de ‘Moleque do Banjo’. Em 1930 conheceu o violonista Aymoré, com o qual formou uma dupla. Tocou em diversos regionais de rádio na cidade, com músicos como Aymoré e Armando Neves. Em 1939 foi para os Estados Unidos com o grupo que acompanhava Carmen Miranda. Lá, tomou contato com o jazz, fato que modificaria sua maneira de escrever música e interpretar. Incorporou elementos da música norte americana, estranhos à tradição instrumental brasileira. Por esse motivo, é considerado por muitos como um dos precursores das inovações harmônicas que surgiriam com a Bossa Nova:

Conversamos com o Lucio Alves, que era o cantor da bossa nova e que adorava o Garoto, porque ele era pré-bossa nova, e o Lúcio Alves falou no depoimento, que ele só tocava Lá maior daquele jeito, brumm (imita um acorde). Aí o Garoto mostrou 354 possibilidades de tocar o Lá maior, quer dizer, o jeito dele tocar e a versatilidade dele impressionavam. O Lucio Alves dizia que pra ele, a bossa nova tinha começado com o Garoto (VITTA, 2008).

De volta ao Brasil, Garoto estabeleceu-se no Rio de Janeiro, onde conheceu o maestro Radamés Gnattali. Uma forte amizade nasceu entre os dois, e em 1953 Garoto estreou, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, o ‘Concertino n. 2 para violão e orquestra’, composto por Gnattali especialmente para ele. Essa amizade e intercâmbio musical durou até a morte de Garoto, em 1955. O músico ainda formou o Trio Surdina,

147 Roque Ricciardi, Paraguaçu ou Paraguassu. Nascido em São Paulo, em 25 de maio de 1894 e falecido

na mesma cidade, em 05 de janeiro de 1976. Aos doze anos já tocava violão em serestas pela cidade. Foi o primeiro contratado da Rádio Educadora Paulista, em 1925. Em 1936 gravou Luar do Sertão (Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco) e Tristeza do jeca (Angelino de Oliveira). Foi o primeiro cantor paulista a fazer sucesso nacionalmente sem ter que se mudar para o Rio de Janeiro. Ver Enciclopédia da

com Chiquinho do Acordeon e Fafá Lemos148. Com Chiquinho, compôs ‘São Paulo Quatrocentão’, grande sucesso que comemorou o Quarto Centenário da cidade de São Paulo em 1953, gravado pela cantora Hebe Camargo. Garoto ainda compôs ‘Gente Humilde’, que recebeu, muito depois, letra de Chico Buarque de Holanda e tornou-se sucesso nacional.

O Departamento de Arquivo e Memória admitiu Garoto como o nome mais importante para o segundo projeto fonográfico do Clube. Foram entrevistados músicos que estiveram próximos a ele em momentos distintos de sua carreira, tais como Lúcio Alves149, Radamés Gnattali e Aymoré:

Começamos a pesquisa do Garoto, eu entrevistei o Lucio Alves, o Aymoré, Radamés Gnattali, já era a segunda pesquisa, já preparando, com mais material e a experiência do primeiro disco (...) E o seu pai que conhecia boa parte da obra dele, pela pesquisa (VITTA, 2008).

Outra estratégia usada na pesquisa foi a divulgação do projeto. Devido à presença de grande número de jornalistas entre seus sócios, o Clube conseguia facilmente publicar anúncios sobre seus eventos na imprensa. Notas sobre a pesquisa apareceram em jornais, o que fez com que pessoas interessadas se dispusessem a colaborar fornecendo material ou dando depoimentos sobre o músico:

...e o Clube do Choro começou a receber correspondência de gente que o conhecia, porque a gente anunciava no jornal ‘estamos fazendo agora o Garoto’. Recebemos cartas, de gente que conhecia o Garoto, que mandou fita, recebemos uma de um engenheiro de Catanduva, se não me engano, falando que conhecia o Laurindo Almeida e tinha gravado o Garoto no Rio de Janeiro, num gravadorzinho e tal... O Clube do Choro acabava sendo um ponto de encontro e informação para ajudar a pesquisa (VITTA, 2008).

148 Fafá Lemos, Rafael Lemos Junior. Nascido no Rio de Janeiro em 19 de fevereiro de 1921 e falecido na

mesma cidade em 18 de outubro de 2004. Aos nove anos de idade, em 1930, interpretou, como solista, um concerto de Antonio Vivaldi, à frente da Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Foi músico da Orquestra Sinfônica Brasileira e integrou, juntamente com Garoto e Chiquinho do Acordeon, o Trio Surdina. Viajou diversas vezes para os EUA, participando de trilhas sonoras de filmes de Hollywood. Acompanhou Carmen Miranda e gravou discos pela RCA Victor. Ver Enciclopédia da

Música Brasileira: Erudita, folclórica e popular.São Paulo: Art Ed., 1977, p. 410.

149 Lúcio Ciribelli Alves. Nascido em Cataguases, MG, em 28 de janeiro de 1927 e falecido no Rio de

Janeiro, em 03 de agosto de 1993. Aos nove anos interpretou Juramento Falso (Pedro Caetano) no programa Bombonzinho, de Barbosa Junior. No ano seguinte recebeu, do radialista Silvino Neto, a alcunha de ‘o cantor das multidinhas’, em oposição ao ‘cantor das multidões’, Orlando Silva. Foi fundador do conjunto Namorados da Lua, com o qual gravou Nós, os carecas (Arlindo Marques e Roberto Roberti), sucesso do Carnaval de 1941. Gravou em dupla com o cantor Dick Farney. Como solista, foi um dos nomes mais conhecidos da Bossa Nova, interpretando canções de Ronaldo Bôscoli, Roberto Menescal, Tom Jobim, entre outros. Idem, p. 29.

Por volta do mês de junho de 1979, o Departamento considerou a pesquisa encerrada e passou a organizar o projeto do Lp, que ganhou o nome de Garoto e Seus

Garotos, um disco duplo. O primeiro Lp, Garoto, traria o músico interpretando parte significativa de seu repertório, em gravações recuperadas e remasterizadas. Os responsáveis pela seleção das obras que seriam gravadas foram o violonista Geraldo Ribeiro e o engenheiro Gilberto Périgo, que fizeram a transcrição de algumas faixas para compor um encarte interno do disco. No segundo Lp, Seus Garotos, músicos paulistanos ou que atuavam dentro do Clube, tais como Francisco Araújo, Inácio do Cavaco, Hermeto Paschoal, Egberto Gismonti e Geraldo Ribeiro, interpretariam obras de Garoto, em uma espécie de homenagem ao compositor. Devido à frustração de diversos membros do Clube pela falta de créditos no Lp de Armandinho Neves, a gravadora Clack/Bandeirantes foi descartada do projeto. Era necessário encontrar uma nova empresa parceira para esse lançamento. A gravadora Continental foi cogitada para a produção, e depois de discussões entre os membros do clube, ficou acertado que o projeto seria apresentado à gravadora Eldorado, devido ao seu perfil de incentivadora da música popular brasileira. Aluísio Falcão150 era produtor da Eldorado e responsável pela seleção do material que a gravadora transformava em disco:

A gente não tinha gostado do primeiro parceiro, que foi a Bandeirantes, por causa do encarte, e a gente tinha esperança de fechar com a Eldorado, que era a gravadora que fazia os melhores projetos de música brasileira, dava uma continuidade ao que o Marcus Pereira tinha feito. O Aluísio Falcão também tinha trabalhado com ele, então era o lugar onde deveria ser feito o próximo disco (VITTA, 2008).

O projeto foi apresentado a Aluísio Falcão, que se encarregou de analisá-lo e dar uma resposta sobre a possibilidade de produção do disco. Nas primeiras semanas de julho de 1979, os membros do Clube envolvidos com o Lp foram chamados por ele para uma reunião. Foram surpreendidos com a negativa da Eldorado em produzir o disco, e também pelo motivo que levou a essa resposta. O violonista Geraldo Ribeiro, que havia participado da seleção de músicas de Garoto, preferiu adiantar-se ao Clube e lançou por outra gravadora um projeto semelhante, no qual ele era o único intérprete. Os membros do Clube sentiram-se profundamente traídos por essa atitude:

150 Aluísio Falcão. Nascido em Pernambuco, foi assessor de Miguel Arraes no Governo do Estado.

Produtor da gravadora Marcus Pereira, auxiliou na criação do catálogo fonográfico brasileiro lançado por ela na década de 1970. Em 1979, trabalhava como produtor da Gravadora Eldorado de São Paulo.

E o Geraldo, não entendendo isso, foi lá e gravou inéditas. E o Aluísio Falcão não topou o projeto porque, quando a gente foi levar lá ele falou: ‘tudo bem, mas isso que você está me mostrando não é inédito, porque acaba de sair um disco com essas músicas, do Geraldo Ribeiro’. Aí, o projeto parou, levamos uma bofetada, uma frustração, seu pai (Olavo Rodrigues Nunes), que era o cara que tinha mais relação com o Geraldo, ficou louco da vida, o Gilberto queria bater nele, porque foi dentro da casa dele que eles transcreveram e o Gilberto participou das transcrições. O Gilberto era bom músico e transcrevia também. Muita gente ficou chateada (VITTA, 2008).

As ações do Clube, desde a sua fundação, sempre foram pautadas pela união e por ações colaborativas, “cada um fazendo aquilo que pode” (SILVA, 2007). Por isso mesmo a atitude do violonista foi tão mal recebida e provocou tanta raiva e frustração nos envolvidos com o projeto Garoto e Seus Garotos. Tal maneira de agir era inconcebível para a equipe envolvida com o Lp, que sempre acreditou na confiança e na cumplicidade entre seus membros. Os idealizadores do projeto trabalhavam nele durante suas horas de lazer, sem esperar nenhum tipo de compensação financeira. Esse fato, na visão dos membros do Clube, foi um agravante à precipitação de Ribeiro, porque ele se utilizou, sob certo aspecto, de trabalho realizado coletivamente para conseguir projeção individual e vender seu disco.

O episódio do Lp Garoto e seus Garotos, somado à frustração provocada anteriormente pela falta de créditos no disco de Armandinho Neves, provocou um grande desânimo e desagregou ainda mais os membros remanescentes do Clube. Sem conseguir realizar o projeto, a diretoria sentiu-se enfraquecida e sem condições de continuar, encerrando os dois anos de atividades do Clube do Choro de São Paulo.