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4 O CONTEXTO DA PESQUISA: O MUNICÍPIO DE SÃO LOURENÇO DO SUL E AS COMUNIDADES QUILOMBOLAS DE COXILHA NEGRA, MONJOLO E

5 O PROGRAMA DE FOMENTO ÀS ATIVIDADES PRODUTIVAS RURAIS E AS FACES DA POBREZA RURAL NAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS DE

5.2 FACES DA POBREZA RURAL NAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS DE COXILHA NEGRA, MONJOLO E TORRÃO

5.2.7 Segurança alimentar

Em relação à produção, ainda que com a limitação das áreas de terra que as famílias possuem, destaca-se a produção para o autoconsumo da maioria dos itens, conforme o Gráfico 5.

Gráfico 5 – Distribuição da frequência das famílias integrantes do estudo por produto e finalidade (consumo e/ou comercialização) na fase inicial do Programa Fomento

Fonte: Elaborado pela autora, a partir dos dados da pesquisa.

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Ao preço de R$ 30,00; os tapetes são confeccionados manualmente, através de uma técnica de aproveitamento de restos de tecido e juta. Durante a execução de um projeto do CAPA junto às comunidades, recebiam muito material para confecção e tinham maior apoio na comercialização. Atualmente contam com algumas doações de retalhos de tecido e compram a juta; eventualmente esse artesanato é levado por agentes que atuam nas comunidades, para comercialização em feiras e eventos, ou através da comercialização direta através das artesãs.

Entre os 16 itens citados quando da realização do diagnóstico, destacam-se para o autoconsumo da família a produção de hortaliças por 64,52% das famílias; o milho (para alimentação da “criação”) produzido por 54,84% das famílias; nas criações as aves e suínos, que 48,39% das famílias têm e o feijão, produzido por 41,94% das famílias.

Os demais produtos: batata, batata doce, citrus, leite, abóbora e ovos; assim como os animais (cabrito, cavalo e o gado bovino) são utilizados também para a segurança alimentar e, no caso do cavalo, para tração animal usado nos pequenos cultivos, por menor número de famílias.

Ao organizar e sistematizar os dados dos diagnósticos percebeu-se a ausência de itens mencionados na avaliação (frutíferas, por exemplo), que provavelmente as famílias já possuíam. A partir do diálogo com os agentes de ATERS, percebeu-se que talvez nem todos os produtos existentes na UPF e usados para o autoconsumo tenham sido mencionados.

Este fato poderia estar ligado à época de cultivo/colheita diferente do momento da realização do diagnóstico, não tendo sido mencionado por este fato; pela “não valorização” do seu cultivo, tendo em vista ser em quantidades (áreas) muito pequenas e para autoconsumo; bem como pela percepção dos agentes de ATERS sobre a importância dessa diversidade no momento da realização do diagnóstico88.

Quanto aos produtos para comercialização e o percentual de famílias com essa atividade, destaca-se com maior frequência entre as famílias a produção comercial do feijão (12,9%), seguido pelo milho, hortaliças, fumo e artesanato produzido cada um por 6,45% das famílias, por último ovos (3,23% das famílias).

Cabe destacar que o volume produzido/comercializado não foi utilizado como referência nesse estudo, pois além de serem quantidades pequenas, de difícil dimensionamento na realização do diagnóstico (conforme referência dos agentes de Ater), optando-se por dar a dimensão da diversidade e finalidade da produção na UPF relacionada ao número de famílias envolvidas por atividade.

Outro aspecto identificado nos diagnósticos, quando do questionamento sobre a “finalidade” do cultivo (consumo/comercialização), foi da referência nesse

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Estes aspectos foram apontados nos diálogos ao longo da pesquisa, através dos agentes de Ater. Incluídos aí também a perspectiva temporal, pois havia prazos formais para conclusão da realização do diagnóstico, que a entidade executora tinha que cumprir junto ao contratante.

momento, da produção para a “troca”89

com outras famílias da comunidade. Esta “modalidade” é mencionada em estudos diversos (DOS SANTOS PINHEIRO, 2015; RUBERT, 2008; DOS ANJOS, 2003; DEL RÉ, 2014) como característica das relações de reciprocidade características de comunidades quilombolas, constituindo- se como uma das estratégias para garantir a segurança alimentar. Explorando-se este aspecto através das entrevistas realizadas posteriormente na pesquisa (2017), percebeu-se que é bem intensa esta estratégia na comunidade de Coxilha Negra, Torrão e, já menos frequente no Monjolo, conforme referência das entrevistas.

(...) As vezes eu tenho batata, eu tenho feijão, eu tenho coisa assim, eu levo pra ela lá e dou pra ela. (....) Como eu tenho batata e ela gosta, eu levo a batata e ela...as vezes faz o pão que eu não tenho tempo (...) aí a gente troca (Entrevista 7).

(...) o ano retrasado eu tinha tanto chuchu! Ah eu tenho sorte! Aí eu levei pro Posto para dá pras enfermeira lá do Posto. (...) Aí lá em São Lourenço também levei, aqueles pimentão vermelho... ah deu tanto!” Entrevista 6 “Eu era bobo. Se eu tinha cinco reis no bolso eu repartia com os otro. Inda dizia assim „não, amanhã o depois eu arrumo‟. Chego uma época quando eu não tinha e os que tinha, ninguém me dava. (Isso é pra ti aprende!) (...) Antigamente tinha (as trocas), agora não tem. Ainda tem só entre eu e o J., temo troca ainda, que um ajuda o otro as veiz. (....) Agora é tudo na ponta do facão. Cada um pra si (Entrevista 5).

Conforme as falas, percebe-se as trocas dentro da comunidade, como também para fora, como é o caso da Entrevista 6, com o relato de “presentear” as funcionárias do Posto de Saúde90. As mudanças em relação a esse tipo de relação baseada na reciprocidade trazem à tona uma realidade de conflitos, algumas vezes ligados às relações internas da comunidade91, como também por ação de agentes externos que “minam” as relações internas gerando conflitos92

que as famílias têm dificuldade em resolver e superar.

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Tendo sido registrado dessa maneira pelos agentes de ATERS, no formulário de diagnóstico.

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Serviço bastante usado pela entrevistada, visto que os problemas de saúde relatados na entrevista e encaminhamentos a partir dessa unidade de saúde.

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Não se aprofundando se por questões familiares ou de disputas de poder e preconceito interno à comunidade. Porém, além de ficar evidente rótulos de uma comunidade em relação à outra (Monjolo em relação a Torrão), também fatos envolvendo preconceito, discriminação e conflitos familiares dentro da própria comunidade foram evidenciados na entrevista 5.

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Na entrevista 5 foi relatado o conflito gerado a partir de diferentes posições das famílias quanto ao encaminhamento de projetos de habitação, envolvendo mais de um agente executor do Programa. Este fato foi mencionado como causador de ruptura de parte das famílias da comunidade, com a condução das ações da Associação, gerando o afastamento de boa parte das famílias, dessa organização.