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4 O CONTEXTO DA PESQUISA: O MUNICÍPIO DE SÃO LOURENÇO DO SUL E AS COMUNIDADES QUILOMBOLAS DE COXILHA NEGRA, MONJOLO E

5 O PROGRAMA DE FOMENTO ÀS ATIVIDADES PRODUTIVAS RURAIS E AS FACES DA POBREZA RURAL NAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS DE

5.2 FACES DA POBREZA RURAL NAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS DE COXILHA NEGRA, MONJOLO E TORRÃO

5.2.6 Trabalho e renda

Quanto ao tipo de atividade geradora de renda81, essas famílias quilombolas possuem majoritariamente como fonte de renda o trabalho como diarista ou safrista, principalmente nas atividades agrícolas ligadas à cultura do fumo e batata82, em propriedades de agricultores familiares pomeranos, denominados pelos quilombolas como “colonos”83

. Demonstrando, a partir do Gráfico 4, quanto ao tipo de renda das famílias quilombolas, que a pluriatividade consiste na principal estratégia das famílias para geração de renda, pois 87,10% das famílias desenvolvem esse tipo de atividade. Seguida da comercialização da produção, realizada por 35% das famílias e, do comércio do artesanato, que 6,45% fazem.

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Conforme relato e entrevista dos agentes de ATERS.

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Tendo em vista que todas possuíam renda per capita até R$ 70,00, conforme dados do cadúnico.

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Identificado na comunidade de Coxilha Negra.

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Percebeu-se que esta denominação é mais comumente utilizada pelos quilombolas, em relação aos agricultores familiares pomeranos, nas comunidades de Torrão e Monjolo. Durante a realização da entrevista 7, na comunidade de Coxilha Negra (que também possui este tipo e atividade para a renda), insistiu-se no questionamento sobre a “origem” das famílias de agricultores para quem trabalham porém a manifestação foi “ah...são agricultores” (Entrevista 7).

Gráfico 4 – Distribuição do percentual de famílias quilombolas por tipo de renda da UPF

Fonte: Elaborado pela autora a partir dos dados da pesquisa.

Ainda que o número de famílias da amostra, nas comunidades de Monjolo e Coxilha Negra seja menor, procurou-se evidenciar características mais específicas das mesmas. Nesse sentido, percebe-se a presença do artesanato (11%) como atividade de renda na comunidade do Torrão, tendo menor número de famílias com a renda do trabalho fora da UPF (83,33%) em comparação com as demais comunidades, mas mesmo assim sendo esta a principal atividade para as famílias.

Na comunidade da Coxilha Negra, todas as famílias possuem atividade fora da propriedade (100%) como diarista e, possui a menor proporção de famílias com renda oriunda da produção em comparação às demais comunidades.

A comunidade do Monjolo, na comparação com as demais, possui o maior número de famílias com renda originária da comercialização da produção (50%). Nesse caso, observou-se que a comunidade possui no seu histórico recente (primeiros anos da década de 2000), uma articulação com cooperativa de agricultores familiares agroecológicos através do trabalho do CAPA, com

comercialização para os mercados institucionais84. Conforme relatado na Entrevista 5, apesar de atualmente um menor número de famílias comercializarem através da cooperativa, esta já foi uma “marca “ da comunidade, tanto pelo número de famílias quanto o volume de produção85.

Além do trabalho temporário como diarista, com maior intensidade nos períodos que envolvem os cultivos do fumo e da batata, é comum a relação de parceria (meeiro) com estes agricultores. Identificado a partir das entrevistas nas comunidades de Monjolo e Coxilha Negra e dos relatos dos agentes de ATERS.

Embora no diagnóstico a referência tenha sido como “diarista”, nas falas dos entrevistados (Entrevistas 5, 6, 7), percebeu-se que o vínculo na prestação de serviços se estende por anos com a mesma família de agricultores (e/ou colonos), sendo designados como “patrão” (entrevista 6), envolvendo relações de compadrio (entrevista 5 e 7), bem como de apoio em situações de “necessidade”, conforme os relatos das entrevistas 5 e 6.

Naquela época nós gastemu 6 mil reais com adevogado. Pedi 3 mil reais prum colono e tinha que trabaia com chuva no fumo e arrumei um bronquite disgraçado daqueles. Ai tu paga esses 6 mil reais assim..., depois trabaiando aqui e ai (...) (Entrevista 5).

Aquele patrão dele, se eu ficar doente ele leva de carro pra São Lourenço. Na hora. São Lourenço, Pelotas. Pelotas uma vez nós fomo de carro eu e ele Às vezes tem colono, tem patrão que não faz isso. Tem que pagar uns 500 e poucos pila e não adianta, ou tem que ficar três ou quatro dias fora, ai também não adianta (Entrevista 6).

Embora em vários casos o vínculo de trabalho não aparenta ser temporário, não há vínculo formal (contratualização de trabalho), em nenhum dos casos de trabalho fora da propriedade, nem nos casos de “diarista” nem “meeiro”.

Eu tinha que corre três vez pra i lá na casa onde é que nóis trabaiava. Era com chuva, com tempo bom, era com frio, era com raio, era tromenta, era tudo, mais uma bagatela que a gente ganhava. Mais tinha que i, tinha que toca, não tinha otro lugar não tinha pra i trabaia. E eu loco que tava pra saí de lá. Chego uma época que eu tava loco pra saí de lá e não sabia de que jeito. (...) Trabaiei catorze ano lá.(...) E ele tava com medo de mim. Que eu ia botá ele na justiça. Mais eu não ia faze (Entrevista 5).

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Programa Fome Zero (iniciado através do Programa Alimentando a Cidadania com a Prefeitura Municipal de Pelotas; posteriormente através do Programa de Aquisição de Alimentos – PAA); Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

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Conforme a entrevista 5, atualmente são apenas duas famílias que comercializam através da Cooperativa Sul Ecológica.

Questionados sobre esse fato relatado, quanto aos direitos pelo vínculo de trabalho complementam:

(...) Não adianta faze uma coisa dessas. Eu ia fica mai rico com aquele dinheiro. Si dá trinta mil, si eu fosse pegá aqueles trinta mil pra mim sozinho tudo bem, mais ia te que reparti com o adevogado. Digo não, vamu dexá assim. Ai quando ele mi enxergava, ele mi dava adeus i tudo. Mais não fui mais no terreno dele. (...) Aqui desse lado não, mais no Torrão teve. (...) No Torrão eles não perdoa ninguém Ah lá não perdoa ninguém. Inté si trabaia uma semana, duas, si não pago já... eles não... (...) Tem os alto e baixo né? Tu vai vive um mês o dois, mais depois...Vai te que trabalha de novo. Aquele dinheiro não vai dura pra sempre. (...) Vai demora bastante tempo pra ti arrumá serviço dinovo. Não, graças a Deus eu nunca fiz isso i digo não é pra faze. Tu fica visto pro resto da vida. Os cara ti enxergam i tão dizendo: ó aquele lá boto a muié no ministério do trabaio. Lá, lá. Qual é? Aquele lá. Oia lá. (É isso tem bastante gente assim). (...) Eu me do muito bem com essas colonada ai da volta. Tem muitos ai que....Não preciso faze isso. Entrevista 5 Ai nós semo 3 peão, eu e o J.C. e o C.. Eu arrumei esses peão ainda pra ele. O único que tinha, que tem aqui. E tudo pessoal de confiança. Isso é que é complicado, né? Eu arrumo só pessoal de confiança pra trabalha. Pra não da poblema. Caso de poblema, de a gente bota no ministério, eu não gosto disso ai. Escolho na ponta do dedo (Entrevista 6).

Em relação ao artesanato como fonte de renda, apesar de apenas 6,45% do total de famílias manifestarem essa atividade para a renda das famílias, e todas oriundas da comunidade do Torrão, sabe-se que outras famílias possuem alguma renda originária dessa atividade, realizada principalmente pelas mulheres. Essa constatação baseia-se na experiência da autora como agente de ATERS junto a essa comunidade (2009 e 2010), publicações e projetos desenvolvidos por diversos agentes86 no sentido de qualificar e apoiar a produção e comercialização desse artesanato (BUCHWEITZ, S. et al., 2007; DOS SANTOS PINHEIRO, 2015).

Porém, cabe o questionamento sobre a não inclusão dessa atividade pelas famílias quando da realização do diagnóstico, visto que de alguma forma agrega renda, sugerindo relacionar-se com a invisibilidade do trabalho feminino, principalmente como algo naturalizado como papel das mulheres, no que se refere às atividades de costura, como é o caso dos tapetes que boa parte das mulheres desenvolve. Inclusive na realização da entrevista na comunidade, esse trabalho foi apresentado pela mulher (e filha), mencionando que apesar das dificuldades de

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Grupo Consciência Negra Kizumbi (criado em 1983 a partir das Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica, através dos agentes da Pastoral Negra); Capa; Emater/RS; mais recentemente também a FURG através do Projeto “bonecas negras”. Estes agentes também apoiam e promovem a divulgação e comercialização do artesanato quilombola.

comercialização e obtenção do material, “de vez em quando se vende um tapete87

(Entrevista 6), não tendo sido apontado como atividade (nem de consumo nem de comercialização) nos diagnósticos.