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5. COMPETÊNCIAS GERENCIAIS: UMA QUESTÃO DE

5.3. O SENTIDO AMPLO DA COMPETÊNCIA

Zarifian (2001) define que a competência refere-se à capacidade da pessoa de tomar iniciativa e ir além das atividades prescritas, ser capaz de compreender e dominar novas situações no trabalho e ser responsável e reconhecido por isto. Logo, o conceito é amplo e sua definição necessita integrar várias dimensões. Então, o autor aborda-o à luz de algumas formulações, evidenciando o significado de seus mais importantes elementos ou palavras, os quais são utilizados no presente estudo como principais referências para a análise da atuação dos supervisores e o processo de aquisição de competências gerenciais.

A primeira formulação aponta que “a competência é “o tomar iniciativa” e “o assumir responsabilidade” do indivíduo diante de situações profissionais com as quais se depara” (ZARIFIAN, 2001, p. 68). Para que ela ocorra, o indivíduo precisa aceitar, querer estar envolvido e assumir uma situação de trabalho, responsabilizando-se por ela. O tomar iniciativa significa iniciar algo e modificar algo que existe, mobilizando conhecimentos preexistentes. Quanto mais a probabilidade de eventos aumenta, mais o tomar iniciativa se torna importante em diferentes situações. Assumir responsabilidade implica responder pelas

iniciativas que toma, por seus efeitos e pela situação. Não se pode prescrever o comportamento do indivíduo para determinada situação porque este comportamento “faz intrinsecamente parte da situação” (op.cit, p.71), e não se pode separar o trabalho da pessoa que o realiza, unicidade esta ressaltada anteriormente no conceito de competência de Sandberg (2000).

No entanto, Zarifian afirma que é possível construir referenciais de competências tendo por base categorias de situações, estas com limitações a prever todos os eventos, fornecendo, assim, o caráter dinâmico do conceito. A partir disso, o autor destaca outra formulação: “a competência é um entendimento prático de situações que se apóia em conhecimentos adquiridos e os transforma na medida em que aumenta a diversidade das situações” (ZARIFIAN, 2001, p. 72).

Nessa abordagem, Zarifian enfatiza a dinâmica da aprendizagem, que é essencial na aquisição da competência. Segundo o autor, o entendimento prático não envolve somente a dimensão cognitiva, mas também a compreensiva. Isto é: não basta ter conhecimentos e, sim, mobilizá-los em diferentes situações, considerando e compreendendo outros comportamentos que estejam envolvidos nelas. Os conhecimentos adquiridos são mobilizados, utilizados e questionados face um evento e não simplesmente aplicados. Isso é essencial para a manutenção da competência e para que não se torne rotina.

A transformação dos conhecimentos é resultado do contato do indivíduo com problemas e implicações das situações reais de trabalho. Segundo o autor, envolve a análise dos problemas, que por ventura foram desenvolvidos nas situações, e a busca dos motivos da ocorrência e do que aprender com a situação. Esse ponto parece resgatar a importância da reflexão sobre cada experiência e de se propiciar maior diversidade de situações para o indivíduo, porém, tomando o cuidado de se considerar o tempo efetivo para que ocorra esta prática reflexiva.

Como última formulação que envolve a definição de competência, Zarifian (2001, p. 74) afirma que “a competência é a faculdade de mobilizar redes de atores em torno das mesmas situações, é a faculdade de fazer com que esses atores compartilhem as implicações de suas ações, é fazê-los assumir áreas de co-responsabilidade”. Mobilizar redes de atores significa que qualquer situação mais complexa excede as competências de um único indivíduo e exige que ele articule-se com outros e compreenda-os em suas diferenças. Tal ponto é facilitado se houver o compartilhamento das implicações das situações, ou seja, o entendimento coletivo da situação e seus efeitos de modo a ressaltar o empenho conjunto e o espírito de colaboração.

No entanto, similarmente ao que foi abordado na seção que trata dos fatores facilitadores e restritores da aprendizagem, o estudo de Zarifian chama atenção para pontos que podem comprometer a aquisição de competências dos profissionais, dentre os quais se destacam, a seguir, os de maior relação com o contexto dessa pesquisa.

Assim como Schein (1996) alertou para as culturas de comunidades ocupacionais, Zarifian menciona que o compartilhamento de implicações pode ser facilitado se houver o compartilhamento de valores ético-práticos e motivação pelos mesmos interesses. E isso não é somente possível, mas também necessário quando as pessoas estão envolvidas “em relações sólidas de cooperação, no seio da mesma prática profissional” (op. cit, p.75) e atuando no mesmo nível. Caso contrário, o compartilhamento é sempre parcial, pois as implicações remetem a oposições de interesse, por exemplo, a gerência da empresa e os trabalhadores da base. Nesse caso, reforça-se a atuação do supervisor que transita entre estes dois interesses grupais.

Por isso, o esforço da organização deve se concentrar em que sejam estabelecidos, de maneira clara, os objetivos profissionais comuns e a co-responsabilidade, de modo a propiciar o compartilhamento das implicações, mesmo que não haja o de valores pessoais.

Segundo Zarifian (2001, p.76), uma das características marcantes da lógica da competência está no fato de ela associar responsabilidade pessoal e co-responsabilidade, constituindo-se na “dimensão ético-moral do funcionamento social”. Ressalta que exige que a autonomia de ação do indivíduo se concentre no impacto nas relações sociais, embora sempre tenha raízes na competência técnica.

Para isso, é essencial que uma equipe de trabalho saiba definir os objetivos que deve alcançar coletivamente e, ao mesmo tempo, personalizar os compromissos de cada integrante para o alcance dos objetivos,

[...] pois só se pode associar responsabilidade social e responsabilidade coletiva se cada sujeito aceita desenvolver certa moral de comportamento. É nessa moral que se evidencia o respeito que esse sujeito tem por seus compromissos em relação ao coletivo. Caso contrário, será considerado ‘traidor.’” (ZARIFIAN, 2001, p. 76).

Outro ponto apontado por Zarifian (2001) e que merece atenção neste estudo é acerca da mudança do comportamento social dos operadores no que se refere a assumir responsabilidades e comprometer-se com o trabalho ganhando certa autonomia, atitude esta que pode se caracterizar como marco inicial da passagem da função operacional para a função de supervisão.

Para que os operadores queiram, de fato, arriscar-se a assumir responsabilidades e tomar iniciativas, é necessário que eles enfrentem problemas novos e desenvolvam uma atitude de reflexão sobre sua atividade e experiência profissional. Este momento de reflexão pode ser difícil para pessoas que vivenciaram certo modelo de atuação, aprendendo “macetes da ocupação”, pois esses indivíduos tendem a reproduzir o que aprenderam adotando uma postura defensiva diante do novo (ZARIFIAN, 2001, p.78).

Por isso, para Zarifian, outro fator crítico é que esta mudança deve vir acompanhada de uma real delegação de confiança por parte da chefia e de meios de formação e apoio que permitam que os trabalhadores tenham condições de assumir responsabilidades e entender o real sentido de seu trabalho, conforme foi abordado em tópico anterior.

Não se pode ser responsável quando não se sabe o que se faz e por que se faz. O resultado de um desempenho não deve ser um dado ou um indicador que se acompanha mecanicamente, sem penetrar no seu sentido. Existe uma relação profunda, muitas vezes desconhecida da chefia, entre a dimensão moral do assumir responsabilidade e o sentido que o indivíduo pode dar a seu trabalho. (Zarifian, 2001, p. 84).

Zarifian (2001, p.83) adiciona que a autonomia e a tomada de responsabilidade que envolvem a aquisição da competência exigem mudanças profundas nos métodos de controle tradicionais de trabalho e impactam diretamente em modificação do papel dos gestores de “controle de resultados” para “controle de realização de compromissos”. Ressalta, ainda, que pode haver resistência, tanto por parte dos operários quanto por parte de seus gestores, para que as mudanças a seguir citadas ocorram dentro da organização (op. cit, 2001, p.84):

• Oferecer a possibilidade de dar sentido aos objetivos de desempenho da empresa para todos os níveis de atuação, equilibrando implicações dos profissionais àquelas que a empresa deve enfrentar;

• Definir compromissos recíprocos dos assalariados no que tange seu desempenho e da chefia em relação às condições de realização desse desempenho, e explicitar as formas de controle desses compromissos; e

• Praticar a delegação de confiança, como recíproca à responsabilidade assumida.

“Aceitar assumir responsabilidades por desempenhos é [...] questionar seus métodos de trabalho, é defrontar-se com problemas novos; [...] é desenvolver uma atitude de reflexão ante sua própria atividade profissional.” (ZARIFIAN, 2001, p. 78).

Reforça-se, aqui, a afirmação de Zarifian (2001) de que não se obriga um indivíduo a ser competente. Existe, na lógica da competência, uma dimensão da motivação do indivíduo que é inevitável e que está associada à questão do sentido que ele pode dar à sua atividade profissional. A questão do sentido remete, por si mesma, a três grandes pontos, segundo o autor:

• Sentido do trabalho e sentimento de utilidade: refere-se ao sentimento que move as pessoas a realizarem um trabalho bem-feito e de utilidade para outros ou para sociedade, e pelo qual ela é reconhecida. “Esse duplo sentido, da utilidade e da responsabilidade, manifesta-se muitas vezes na expressão consciência profissional” (op.cit, p.123).

• Sentido e valores éticos: há um sistema de valores que orienta as ações das pessoas e que dão sentido a uma atividade profissional. O indivíduo precisa aderir a eles com conhecimento e convicção pessoal.

[...] é evidente que esses valores só podem influenciar longamente uma atividade profissional se forem ao encontro de características que se reportam à eficiência produtiva da empresa e, conseqüentemente, contribuem para esse modo de produzir. No entanto, os valores éticos não podem ser rebaixados ao nível das implicações de eficiência. (ZARIFIAN, 2001, p.124).

Entende-se que “valores éticos profissionais” (op.cit, p.125) se aproximam da consciência profissional. No entanto, Zarifian evidencia que valores impostos são rejeitados e as tentativas de cada empresa de impor seus valores éticos aos trabalhadores têm pouca chance de êxito. Deve-se trabalhar continuadamente o “sentimento de pertencer” dos trabalhadores por meio das práticas organizacionais (op.cit, p.124).

• Sentido e projetos pessoais: refere-se ao modo pelo qual a pessoa relaciona sua atividade profissional a seu futuro. A pessoa ficará mais motivada na medida em que mobilizar suas competências para o desenvolvimento de seus projetos e perspectivas de futuro.

Enfim, as diversas reflexões apresentadas por Zarifian (2001) na discussão sobre a competência parecem contribuir para entender o problema de pesquisa proposto, principalmente em função do autor dedicar uma parte de seu estudo à mudança de comportamento no nível operacional, o que pode ajudar a compreender o processo de

aquisição de competências que marca a passagem da posição operacional para a de supervisão, nível de maior complexidade de atuação.