agir,
e
que
suas
agões são construídas ã base
do que
eles notam, de como
ehs avaHam
e
interpretam o que notam, e do
tipo
de linhas
de
a§ão projetadas que eles mapeiam.
HERBERT BLUMER
Ao iniciar esta interpretação considero necessário lembrar as premissas que fundamentam o estudo:
1) A mãe age em relação ao filho baseada no significado que este filho tem para si;
2) O significado deste filho resulta ou emerge da interação social estabelecida por ela com seus semelhantes, em especial, a família, os amigos, companheiro, patrões, ou seja, a sociedade;
3) Esse significado é manipulado e modificado através de
situação com a qual se defronta, como também por meio da direção de sua ação.
Considerando o fato de que, no contexto da interação social, o comportamento humano envolve uma resposta às intenções dos outros, na qual cada ator individualmente ao perceber estas intenções, constrói a própria resposta, percebo que a doação do
filho surge como uma reação da mãe às dificuldades, pressões,
preconceitos e definições deste filho pela sociedade.
Por sua vez, a leitura atenta das falas das entrevistadas
mostrou no primeiro momento que a mãe, ao doar o filho, direciona esta ação sob três perspectivas: pensando em si, pensando no filho e/ou pensando em ambos,
O diagrama que se segue procura demonstrar
graficamente como estas perspectivas se interrelacionam entre si,
surgindo eles, ao final de cada significado, como resumo do
direcionamento da ação materna, segundo minha interpretação.
PENSANDO EM SI PENSANDO EM AMBOS PENSANDO NO FILHO
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0 CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
Amparo,
Nos discursos, ficou evidenciado que a mãe, ao avaiiar e
interpretar a situação que vivência, encontra na doação o amparo
necessário à garantia de sua vida futura. Manter o filho para ela
implica a divisão de uma renda já tão reduzida:
Aí se fosse criar eu ia ter pegar o dinheiro gue eu ganho? P$50?00 e ter gue dar todo para comprar as coisas para ele.
Camélia
...o dinheiro gae eu ganho é pouco demaist só dá para mim.
Tulipa
A grande maioria das mães doadoras é empregada
doméstica, e como tal, recebe quantias inferiores a um salário
mínimo, quando elas não trocam seus serviços por moradia ou bens de consumo.
Assim, sua condição financeira fica aquém da expectativa de manutenção do filho. Além disso, as falas demonstram o receio das mães frente às exigências e necessidades do filho que virá futuramente, representando para a mãe um sentimento de angústia:
Primeiro óem ter, criar? dar coisa boa para ele,
mas depois fico pensando: E mais tarde como é
gae tfai ser) Ele óai gner coisa boa...e o dinheiro
gue eu ganho não dá não. bo jeito gue esses meninos de hoje guerem roupa? sapato, colégio
bom para estudar. Querem muitas coisas. Querem
tudo!
Com ele não tfai dar e para nstm ficar ccm ele, tfai sofrer, tfai ter leite, alimentação e rjuundo crescer tem gue botar na escola. Al eu não tenho condiçoes de criar.
Rosa
Eu pensatfa em dar a minha família, em letfar para <? interior e criar, mas o negócio era condição, era dinheiro. Coisa assim eu não tenho não!
Angélica
Quando só e desamparada, sem um companheiro com
quem possa dividir o ônus e sem residência fixa, tais condições se sobressaem, tornando a doação a resposta encontrada pela mãe ao
problema:
...eu não tenho casa, não tenho marido, l/ou dar porque do jeito tjue as coisas estão cara hoje em dia, meu dinheiro só dá para mim e mal.
Tulipa
eu grátfida tfou sofrer. 0 homem não está nem
a$tti para assumir... tf ou deitar nascer e tf ou dar... Dália
Com significado de amparo financeiro, a doação é vista pela mãe como garantia de bem-estar físico do filho, uma vez que eia se seme responsável pelos problemas que ele possa vir a ter, como a fome, a miséria e principalmente os problemas de saúde, tão comuns no seu cotidiano e no qual a doença é prenuncio de sofrimento:
Eu chorei mas não podia criar ele. Ele ia passar fome. Aí fui mais dar à minha patroa que deitar
ele com fome.
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0 CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
A Vantagem da doação é porque não Oal passar
fome, sendo na minha companhia ela podia passar
fome e eu não ia aguentar Ver ela chorando para
tomar leite sempre.
IVIagnóHa Eu Queria o bem para eles...comida a toda horaf
merenda a toda hora...meus filhos pegando doença
Vão morrer mais depressa...na mão de rico tudo é mais fácil... Eu não duero ver meus filhos sofrendo
não! Eles pegando uma doença como é r(ue eii correr pro hospital!...Acho gue na mão do rico não morre filho de rico. Já filho de pobre, morre mais.
Tulipa
Segundo MINAYO (1993), a saúde como preocupação do ser humano é um problema compartilhado por todos os segmentos sociais, sendo o modo pelo qual as classes e seus seguimentos pensam, sentem e agem em relação a ela, determinado pelas
condições de vida e trabalho de um povo.
É pois, o estilo de vida e suas conexões com a
comunidade da qual faz parte, o meio ambiente em que vive, os serviços assístenciais de saúde, o trabalho que executa, o salário
que percebe, e outros, o que define a saúde dos segmentos sociais. Assim sendo, a saúde é componente essencial complexo, pois é divisada como um bem material e não um direito do cidadão. Assim o poder financeiro representa a solução dos problemas, de
sorte que a sociedade compreende o processo saúde-doença de forma diferenciada. Tal realidade pode ser confirmada pelo trecho do depoimento que se segue:
0 pessoal diz $ue riqueza não importa para pessoa,
morre não le0a nada, mas ajuda mais a pessoa! A
$ente fica mais allOiada.
Tulipa
Neste contexto, a mãe doa o filho para que o pior não se concretize, abrindo a este a possibilidade de sobrevivência.
O conforto propocionado pelos bens materiais também está implícito no significado da doação, como forma de proteção e
ressarcimento da mãe ao filho. Em virtude das privações por que
passa no seu cotidiano, ela busca na doação esse conforto em
detrimento do seu amor materno:
...eu nunca fui atrás de saber com o ele esta 0a não!...ora, ele esta melhor do ^ue eu. Tem Quarto para ele, tem ar condicionado no Quarto dele. Isso
eu sei.
Camélia Carinho eu sei rjue la ter multo para dar para ele,
mas o principal eu não tenho rjue é o conforto. Azaléia
Vai ser bom porque a pessoa rjue 0ai criar tem mais posse do $ue eu.
Rosa ...nas minhas mãos eles nunca tinham o r(ue eles
tem nas mão de um rico: Quarto bonito, ter festa bonita, um aniOersárlo lindo.
Tulipa
Ao mesmo tempo, as falas revelam a verdade segundo a qual, muitas vezes, a necessidade do amparo e proteção financeira não é unilateral, ou seja, permeia o contexto nós (mãe e filho).
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o CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
Eu dei esse menino porque estada sem condições de
criá-lo sozinha. Se eu criasse, ou eu ou ele morria de fome.
Margarida Se era para ficar desamparada, eu e ele, eu preferí amparar os dois de nodo. Eu dolto a
trabalhar e dou ele para ^uem possa criar.
Violeta
Nesse procedimento interpretativo utilizado pelas mães, é
comum na doação o desejo de amparo afetivo ao filho, quando ao se
expressar, elas salientam não só suas carências afetivas como
também sua incapacidade de gerar sentimentos e perspectivas
melhores para com ele:
bar um filho é amor, é carinho due a mãe pobre
duer due alguém dê aquele filho.,.
Vitória Régia Ele não dai ter só mãe. Ele dai ter amor de mãe,
Bromélia bar o filho é guando a pessoa não tem condiçoes e doa a um casal ou pessoa para dar o ^ue ela não pode dar,
Azatéia
Considerando, segundo BLUMER (1969), que nós vemos a nós mesmos do modo como os outros nos vêem ou nos definem dado possuirmos um se/f, os discursos evidenciaram que, embora a doação do filho tenha para a mãe um significado de proteção afetiva, esta tem uma imagem negativa de si, fato que convalida a afirmativa feita no Capítulo 1 (p.9-10), com relação às contradições
Em suas faias, elas se censuram e se reconhecem como mães irresponsáveis, más e imperfeitas, causadoras de danos e
infortúnios para o filho, imagem essa explicitada nos depoimentos
que se seguem:
Eu Queria iuis pais para esse nenèm tfue tenham
responsabilidade, r(ue çostem dele, tfue fitfue mais
tempo com ele de r(ue eu, porque eu sei tfue não posso.
Hortênsía
Prefiro $ue
eu. Que dê
ele tenha uma amor, carinho,
mãe boa, melhor do 4ue
estudo.
Camélia
Um filho é melhor dar do 4ue
mão...se Oocê der eu acho melhor.
sofrer em sua
ele tem Oida Orquídea
Vista sob o prisma cultural, a doação trás em si o significado de amparo educacional ao filho, quando a mãe, posta numa situação sócio-econômica, afetiva e cultural desfavorável, procura, através da doação, livrá-lo das carências sentidas na
própria pele.
Assim, a mãe, ao interagir consigo e com os outros, e tomando em consideração as dificuldades determinadas pelo seu
baixo grau de instrução, descobre em sua ação um meio de abrigar o
filho, ensejando a este um futuro mais promissor:
Ele tfai ter educação melhor. Não õal sofrer.
Orquídea
Uou arranjar uma mãe tfue tenha condições de criar de dar estudo. Que não seja iqua! a mim.
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O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO - '
■| j
...ela pode criar, educar para guando crescer ter
um future melhor $ue eu.
Rosa
Vou dar a uma pessoa de condições. Que soubesse criar ela, dar uma boa educação...
Acácia
Atentando para o nível educacional das mães
pesquisadas, compreendo que para elas a educação significa
garantia de maiores e melhores oportunidades, principalmente no
que concerne a emprego e salário, já que atribuem a sua má qualidade de vida a uma educação que não tiveram oportunidade de receber.
Sintetizando, podemos dizer que o significado de amparo
é expressado pela mãe no plano financeiro, afetivo e educacional. O
plano financeiro cobre os três ângulos das perspectivas maternas (pensando em si, no filho e em ambos). O amparo afetivo e
educacional, por sua vez, tem como direção única da ação o filho
doado. Significa a busca de amor, carinho e educação para este
filho, o que, no momento e no futuro, a mãe não se percebe em
condições de oferecer, 0 gráfico a seguir sintetiza esta idéia.
Liberdade
Considerando que o significado dos objetos para uma pessoa surge fundamentalmente do modo como esses objetos são
definidos pelas pessoas com quem ela interage (BLUMER, 1969), pude observar que o filho, inicialmente firmado como objeto de desejo e realização para a mãe, passa a representar, frente a
determinadas situações, razão de causa, reforço e continuidade de sofrimento, transformando-se, não raro, em objeto de indiferença
e/ou aversão, por ser a origem da perda da liberdade, conforme
expressado nas falas:
A gente não podendo criar, dá para ama pessoa ãue possa. A gente esquece e pronto/ faz de
conta que nunca tetfe.
Dáiia Peguei e dei! Seja lá o que beus quiser!.
Angélica
besse, já é um bem distante. Mesmo que não ter acontecido. Até agora não estou acreditando que
titfe mesmo esse menino.
Hortênsia bar um filho, Oocê fica assim sentida, ai... depois esquece, nê!
Dália
Embora amado anteriormente, o sentimento modifica-se face às críticas, discriminações e humilhações, fazendo com que a
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0 CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
Neste contexto, de acordo com BLUMER (1969), as ações
dos outros entram para estabelecer o que se planeja fazer, podendo-
se, através delas, abandonar, revisar, intensificar ou substituir uma intenção, fato que se consolida na fala seguinte:
...ew era da ida par um filha. bepvis fui passar na
cabeça ^ue nãa da tf a mesma para 'mim criar.., a $ente a^üenta muita humilhaçãv. Aí eu preferi ter dadv.
Angélica
A mãe, face aos obstáculos e constrangimentos causados
pela presença do filho, encontra na doação o meio de se tornar livre
dos laços morais e sociais que restringem ou tendem a restringir sua vida.
Assim, o significado de liberdade, atribuído pela mãe à
doação, surge como uma anulação das pressões consideradas anormais, ilegítimas e imorais.
Nos depoimentos obtidos, pude compreender que, ao levar em conta as várias coisas que percebe em sua vida em grupo,
a mãe constrói uma linha de conduta na qual ela é objeto de sua
própria ação:
£ muita difícil uma patrea r(ue aceite empregada cem filha.
Gardênia
Minha patr&a nãa me aceita cem menina parque ela já tfai ter um.
A gente para dar um filho todo canto aceita a
gente... 4?í com filho é o maior sufoco para aceitar a gente.
Angélica guando a mulher (patroa) soube gue eu estaOa gráoida^ me botou para fora.
Acácia
As falas denotam que a mesma mulher que exerce a
maternidade, uma vez estando na condição de patroa, é quem, direta
ou indiretamente, induz a mãe a doar o filho. É uma forma de definir
a maternidade como incompatível com o trabalho doméstico e de limitar as oportunidades de crescimento, diversificação e melhoria da ocupação feminina.
A análise dos conflitos ligados às questões do poder
entre patrões e empregados confirma que a sociedade é uma das
principais forças opressoras sobre o gênero feminino. As
contradições fazem-se reais, quando a sociedade concebe a maternidade como um privilégio das mulheres, o qual a ciência não
consegue substituir por tecnologias avançadas. Ao mesmo tempo, rejeita o filho, impondo à mãe barreiras quanto ao mercado de
trabalho.
Admitindo as dificuldades surgidas com a presença do
filho, a doação significa para a mãe livrar-se das circunstâncias advindas desta presença:
A gente sem menino já letfa, aOalie com menino!) Aí eu peguei e dei.
Angélica Eu com filho ter ia gue ficar na casa da minha mãe, guando em outro lugar ninguém me aceitaria com ele.
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0 CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO
Eu Via csniD era a dificuldade...é muito difícil ficar com duas crianças, e com três! Para mim
ir trabalhar!? Eu não Queria, aí eu dei..
Magnólía Uai atrapalhar os meus estudos, gue estou tentando terminar ao menos o 2° grau. Uai atrapalhar no meu trabalhe.
Hortênsia
Não obstante as objeções e limitações impostas ao trabalho da mãe, foi possível notar que a liberdade permeia áreas
mais profundas, quando algumas mães expressam os ressentimentos
e as humilhações a que se submetem, dada a necessidade de
sobrevivência, principalmente quando carentes de moradia própria e apoio do grupo social a que pertencem. Tais fatores são pontos decisivos para definir a situação, optando a mãe pela doação:
...ê muito ruim a gente Viver assim de faVor na casa dos outros. Além de viver ainda ter um
filho... a gente aguenta muita humilhação. Ai eu preferi dar. Uou ser muito xingada... eu não ia
criar um filho para ^ualguer coisinha depois
eu estar legando na cara. Eu prefiro dar.
Angélica
Mão Vou Viver dentro de uma casa sendo humilhada, aí eu peguei e dei.
Gardênia
... eu ir para casa tenho $ue levar tudo na
cara... essas coisas por eu ter engravidado, ser
solteira.
A gente morando na casa dos outros é a píer coisa do mundo, é o pior sofrimento gue episte
em cima da gente... a gente aguenta muita humilhação, até da própria família.
Gérbera
Essas humilhações ganham reforço, quando a mãe,
analisando~as sob a perspectiva dela e do filho, associa suas dificuldades aos preconceitos. Vista pela abordagem iníeracionista,
quando THOMAS apud BLUMER (1969), diz: Se 08 homens definem