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2 EM BUSCA DO SERTÃO

2.6 Sertão e Nordeste

O sertão aceita todos os nomes: aqui é o Gerais, lá é o Chapadão, lá acolá é a Caatinga.

(ROSA, 1965, 461)

Até as primeiras décadas do século XX, como esclarece Guillen (2002, p. 110), “[...] sertão era uma categoria que não se referia exclusivamente ao sertão nordestino. Ao contrário, era utilizada para se referir a todo interior do Brasil”. É ao longo das primeiras décadas do século XX que o movimento de “invenção” do Nordeste apropria-se do sertão e o cola ao movimento regionalista (GUILLEN, 2002).

É nesse sentido que Ribeiro (1999) destaca que talvez o Nordeste do Brasil tenha sido a região do país sobre a qual mais se escreveu. Pela predominância do quadro natural voltado para a semi-aridez, a região passou a ser considerada como uma questão a ser resolvida – a questão Nordeste –, adquirindo o estigma de região-problema, já que apresenta em seu conjunto os piores índices de desenvolvimento econômico e social do país.72 Paralelo a isso,

[...] a região possui características naturais singulares no Brasil, tendo em boa parte de seu território a ocorrência do clima semi-árido. Característica natural deste clima, a seca compõe o principal elemento do imaginário regional veiculado e difundido nacionalmente através dos meios de comunicação e da bibliografia acadêmica. Nestes trabalhos, além da ligação forte entre a sociedade e a natureza, na maior parte deles, a natureza é trabalhada discursivamente como a causa principal do atraso regional. A seca, bem como a escassez de água no sertão, são apontadas, na maioria dos discursos, como as grandes responsáveis pela miséria que atinge a região (RIBEIRO, 1999, p. 60-61).

72 Não se constitui em objetivo desta tese o aprofundamento na questão do Nordeste e do semi-árido. Para tanto, existe uma vasta bibliografia no âmbito da geografia. Contudo, na condição de mais uma representação do sertão, torna-se importante discutir alguns aspectos dessa associação com a compreensão de que o semi-árido não é a única representação do sertão seja pela significação das demais abordagens aqui apresentadas, seja por outras referências que se evidenciaram no trabalho empírico.

Essas considerações confirmam o que salientou Rodrigues:

[...] das múltiplas leituras sobre o sertão, a ciência geográfica cunhou a de zona fisiográfica, na qual prevalecem os elementos de ordem natural. A semi-aridez, decorrente de um conjunto de fatores climáticos e edáficos, concede [...] os parâmetros definidores de uma forma de regionalização natural, que busca com eles conjugar os elementos culturais, especialmente os de natureza sócio-econômica. Os exemplos concernentes a essa forma de abordar o tema são amplos e ganham espaço em publicações como dicionários geográficos, livros didáticos, monografias e teses ( 2001, p. 126).

Ponderando acerca da permanência da perspectiva da natureza nos discursos sobre o Nordeste, Castro assinala:

Nos limites semi-áridos do sertão contemporâneo, o determinismo da natureza aparece mais fortemente implícito na idéia de que o “sertanejo é antes de tudo um forte”, de Euclides da Cunha, e na imagem do território condenado ao sofrimento e à pobreza por uma natureza difícil de ser domada. Sendo esta mesma natureza também base do discurso político e argumento para a reivindicação de recursos públicos, mais do que um símbolo do imaginário social, ela passa a representar um valioso poder simbólico para as demandas políticas, em escala regional e nacional. Neste caso, a natureza é exemplarmente apropriada pelo imaginário coletivo por meio de imagens que são retrabalhadas na produção intelectual na e sobre a região [...] (2001, p. 108).

O feixe de sentidos sobre o Nordeste e o semi-árido contribuiu para que se fixasse um estereótipo de sertão. Esse estereótipo adentrou as políticas públicas, materializando-se em ações governamentais e mapeamentos produzidos, que têm como centralidade a ideia de sertão como lugar semi-árido.

Um exemplo dessa ênfase ao sertão pode ser identificado em Programas de Governo do Estado da Bahia, quando esse jogo discursivo é utilizado. Paradoxalmente, determinadas áreas sertanejas identificadas como problemáticas recebem programas com denominações que evidenciam o qualificativo imortalizado por Euclides da Cunha: “o sertanejo é antes de tudo um forte”, como o Projeto Sertão Forte e o Cabra Forte.73

O discurso que envolve áreas- problema, em qualquer que seja a situação política, traz no seu cerne o objetivo de reverter

73 O documento Bahia no caminho certo para o futuro (1997) destaca: “Os municípios da Região do Semi- Árido e as suas comunidades rurais centralizam as atenções da política de desenvolvimento regional e integração espacial, cujo objetivo é criar meios e condições para o desenvolvimento sustentável das populações que vivem nas áreas mais carentes, mais secas e dessa forma promover a integração administrativa, social e econômica das diversas regiões do Estado” (BAHIA, 1997, 269).

uma situação, como já apontou Moraes, ao considerar que esses lugares são sempre espaços- alvo de projetos: “Enfim, o sertão é qualificado para ser superado [...]. Impor um domínio efetivo ou uma nova dominação ao espaço em pauta é o objetivo de um processo que tem na apropriação simbólica um passo inicial” (MORAES, 2002-2003, p. 16).

Assim, na abordagem do autor, superar a condição sertaneja é a meta implícita dos discursos que buscam levantar e explicar a essência do sertão. A acepção de Moraes, nesse aspecto específico, sugere, contraditoriamente, uma restrição no entendimento de sertão, associando-o apenas ao semi-árido. A concepção aqui adotada extrapola essa vinculação, que consiste em um dos sentidos de sertão, mas não o único, tampouco o mais significativo. Tal compreensão será evidenciada nos capítulos seguintes em que se demonstra como, simultânea e paradoxalmente, a condição sertaneja é negada e reforçada.

Os discursos e imagens apontados tanto por Ribeiro (1999) quanto por Castro (2001) e Rodrigues (2001) acabaram por configurar um monopólio de sentido para sertão e Nordeste. O sertão nordestino, portanto, tornou-se empiricamente o catalisador da ideia de sertão e de tudo que o constitui. Tal evidência se confirma na afirmativa: “Falou em sertão, só me vem à cabeça, o Brasil, o Nordeste, sertão como um lugar agreste, um lugar pouco habitado e lúdico nesses jeitos, são as esferas afastadas dos eixos econômicos e de muita circulação de pessoas.” 74 É o que expressa Alves ao ressaltar:

Na esfera de produção cultural, geradora sistemática de significados coletivos, não se diz sertão do Nordeste, mas simplesmente sertão, uma espécie de termo-força [...]. Ao longo do tempo, o termo sertão passou a dispensar o qualificativo. É isso que significa um monopólio de sentido, isto é, a construção de um axioma, que encerra em torno de si um conjunto de referenciais que dispensa maiores explicações, que ao longo do tempo tende a naturalizar os significados e suas origens (2004, p.57, grifo do autor).

Haesbaert (1997), assinalando aspectos pertinentes à identidade do nordestino, destaca que, entre os primeiros elementos utilizados para identificar o sertão, está o meio físico que, nas interpretações clássicas, teria tido um papel fundamental para moldar os traços culturais da identidade sertaneja. Esses elementos estão pautados na clássica divisão regional de Andrade (1986 [1963]) (Figura 10, p. 65). Essa classificação assumiu significativa relevância e é utilizada até hoje como subdivisão do Nordeste. Apesar de sertão ser diferente de semi- árido, tais termos são muitas vezes utilizados como sinônimos, especialmente na ordem do planejamento regional e, certamente, a classificação de Andrade contribuiu em muito para tal.

As associações de sertão a semi-árido (marcado pela presença das secas) geram uma superposição em relação também ao Polígono das Secas. Haesbaert parte da assertiva de que a definição desse Polígono serviu

[...] especialmente a partir da década de 1950 [...] para o fortalecimento de uma ideologia regional que, tal como já acontecia embrionariamente no discurso de alguns políticos do século passado, projetava o espaço do sertão semi-árido como área core a caracterizar a identidade regional nordestina (1997, p. 77-78).

A região semi-árida oficial brasileira foi criada pela Lei Federal nº 7.827, de 27 de setembro de 1989, em substituição ao Polígono das Secas, instituído pela Lei nº 175, de 7 de janeiro de 1936 e pelo Decreto Lei nº 9.857, de 13 de setembro de 1946. Na década de 1990, em vários momentos, a Sudene alterou a delimitação do semi-árido, muitas vezes por critérios técnicos, mas também por pressões políticas. A última atualização dos municípios do semi- árido foi feita em 1995, por meio da Portaria nº 1.181 da antiga Sudene. Com a extinção dessa autarquia em 2001 e considerando a inadequabilidade do critério anteriormente adotado,75 em 2004, foi instituído, pelo Ministério da Integração Nacional (MI) e pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), um grupo de trabalho interministerial (GTI) com a finalidade específica de apresentar estudos e propostas de critérios para redefinir76 a região semi-árida brasileira visando à orientação de políticas públicas de apoio ao desenvolvimento.77 As representações cartográficas referentes ao Nordeste e aos sertões encontram as suas bases essencialmente demarcadas por elementos físicos e naturais.

75 O critério adotado para a delimitação do semi-árido estabelecido na Lei 7.827, de 27 de setembro de 1989, considerava apenas a precipitação pluviométrica média anual inferior a 800 mm.

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Para a nova delimitação do semi-árido brasileiro, o GTI tomou por base três critérios técnicos: a) precipitação pluviométrica média anual inferior a 800 mm; b) índice de aridez de até 0,5, calculado pelo balanço hídrico, que relaciona a precipitação e a evapotranspiração potencial, no período entre 1961 e 1990; e c) risco de seca maior que 60%, tomando-se por base o período entre 1970 e 1990. Foram considerados inseridos no semi- árido os municípios que se enquadravam em pelo menos um dos critérios definidos. Em 10 de março de 2005, o Ministério da Integração Nacional assinou a Portaria que instituiu a nova delimitação do semi-árido brasileiro. Essas informações constam no documento Nova Delimitação do Semi-Árido Brasileiro. Brasília, 2005.

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O Grupo de Trabalho foi coordenado pelo MI e teve a participação de técnicos do MMA, da Agência de Desenvolvimento do Nordeste (Adene), da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), do Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs), da Agência Nacional de Águas (ANA) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos recursos Naturais Renováveis (Ibama), além de técnicos das seguintes instituições convidadas: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Instituto Nacional do Semi-Árido (Insa), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), Banco do Nordeste (BNB) e Instituto de Desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais (Idene). Essas informações também estão presentes no documento Nova Delimitação do Semi-Árido Brasileiro. Brasília, 2005.

Na medida em que essas ideias materializadas em discursos, símbolos e ritos alcançam uma eficácia social, elas contribuem para a construção de representações sociais por determinado grupo ou sociedade, como ressaltou Albuquerque Jr. (2006a), ao tratar dos feixes imagéticos e discursivos envolvidos no processo de “invenção” do Nordeste.

Ao afirmar que as representações estão intimamente associadas a símbolos e que a criação de símbolos não é arbitrária, não se faz no vazio social,78 Carvalho (1990) mostra que existe no mundo das ideias, dos discursos e dos ritos, todo um processo pensado e minuciosamente planejado, uma mobilização simbólica,79 que revela a visão de mundo de determinado momento.

Na articulação entre o poder simbólico, a identidade e o território, Haesbaert analisa:

[...] esse poder simbólico, ao se manifestar pode fazer uso de elementos espaciais, representações ou símbolos, constituindo assim uma identidade territorial, ou seja, um conjunto concatenado de representações socioespaciais que dão ou reconhecem uma certa homogeneidade em relação ao espaço ao qual se referem, atribuindo coesão e força (simbólica) ao grupo que ali vive e que com ele se identifica (1997, p.50).

Alves discute configurações de sentidos associados a sertão e reafirma essa ideia:

Sem embargo, é possível antever o sertão como um monopólio de sentido que plasmou em torno de si um elenco de registros culturais muito peculiares. Trata-se de um sentido que, na longa duração, se autonomizou, tanto em relação aos demais sertões e interiores nacionais quanto em relação à regionalidade do próprio Nordeste [...] (2004, p.56, grifo do autor).

Castro (2001, p. 106) evidencia ainda esse aspecto ao constatar que “[...] as imagens da natureza, contidas nos diversos discursos sobre o Nordeste, são importantes porque revelam a racionalidade de seus formuladores”. Argumenta a autora que o discurso da unificação da natureza e da sociedade “[...] fundamentou a construção do imaginário regional e dos valores simbólicos a ele associados” (CASTRO, 2001, p. 104).

78

Expressão utilizada por CARVALHO em A Formação das Almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p. 55.

Sertão, no entanto, como propaga Guimarães Rosa, aceita todos os nomes. Ao comentar o aspecto labiríntico do Grande Sertão, Bolle afiança que perder-se nele é tão importante quanto acertar o caminho, uma vez que esse é o “[...] lugar por excelência do se perder e do errar. Apagam-se todas as referências, a cartografia chega ao limite e se desfaz” (BOLLE, 2004, p. 65).

O sertão de Rosa, nesse prisma, não é diferente de outros, pois, conforme se observa na Figura 12, mesmo as fronteiras mais oficiais, e suas denominações, se movimentam e se ressignificam, variando conforme os critérios adotados pelas políticas públicas em diferentes contextos sócio-históricos. Assim, a área convencionalmente associada a sertão passa a ser definida como Polígono das Secas, posteriormente Semi-Árido e, mais contemporaneamente, estabelece-se a Nova Delimitação do Semi-Árido:

Como se constata também numa cartografia oficial, o sertão associado ao semi-árido se apresenta como espaço migrante, de cartografia volátil. E, por assim se constituir,

Mapeá-lo, fixando-o em pontos e linhas é contradizer a sua natureza ambígua, fugidia, descontínua, inconclusa, movediça, transitória. Uma cartografia convencional, aquela que traça mapas feitos de pontos e linhas, não é capaz de dizer onde se localiza o sertão e muito menos do que ele é feito (MELO, 2006, p. 88).

Figura 12: Delimitações oficiais associadas ao sertão (1936 – 2005).

Fontes: BRASIL: PAN-BRASIL, 2004 e BRASIL: PDSA, 2005.

0°00' -4°00' -8°00' -12°00' -16°00' -20°00' -44°00' -48°00' -52°00' -56°00' -60°00' MG ES 70° W 0° 10° S 20° S 30° S 40° W 50° W 60° W 0 1150 km Brasil:

Localização da Região Nordeste

Área de atuação da Sudene (Lei 9.690/98)

0 140 280 km

Adapatação: Junívio da Silva Pimentel e Geisa Flores Mendes, 2008

BA PI MA CE RN PB PE AL SE

Limites do poligono das Secas em 1936

Vitória da Conquista Nova Região Semi-árida do Nordeste, 2005

No mapa apresentado, verifica-se, com exceção da delimitação do Polígono das Secas, a inclusão do município de Vitória da Conquista no Semi-Árido e na Nova Delimitação do Semi-Árido. Além da inclusão nessas classificações e ainda considerando outras delimitações, podem-se identificar, em documentos do Governo Federal,80 alguns sertões cartografados nos quais o município de Vitória da Conquista está inserido, como se observa na Figura 13:

80 Os mapas referidos e aqui apresentados foram publicados no Plano Estratégico de Desenvolvimento

Sustentável do Semi-Árido: PDSA, 2005.

Figura 13: Nordeste Semi-Árido: Áreas Geoestratégias, 2005.

Fonte: BRASIL: PDSA, 2005.

0°00' -4°00' -8°00' -12°00' -16°00' -20°00' -44°00' -48°00' -52°00' -56°00' -60°00' 0 140 280 km

Adapatação: Junívio da Silva Pimentel e Geisa Flores Mendes, 2008

Sertão Norte Ribeira do São Francisco Sertão Sul

Área de atuação da Sudene (Lei 9.690/98) MA CE RN PB PE AL SE BA MG PI Vitória da Conquista 70° W 0° 10° S 20° S 30° S 40° W 50° W 60° W 0 1150 km Brasil:

Localização da Região Nordeste

A delimitação de tais Áreas Geoestratégicas, conforme explicação encontrada no Plano

Estratégico de Desenvolvimento Sustentável do Semi-Árido (PDSA, 2005), foi resultado de um estudo aprofundado por Carvalho e Egler (2003), mediante diversas outras pesquisas realizadas para a Sudene, em que subdividiram o semi-árido em três grandes unidades: o Sertão Norte, a Ribeira do São Francisco e o Sertão Sul. Essa delimitação

[...] se baseia em uma concepção dinâmica do desenvolvimento do Nordeste Semi-Árido. Para compreender essa dinâmica, é necessário avaliar o papel da rede urbana e dos sistemas urbano-regionais, que estruturam os espaços sertanejos, seja através das Metrópoles Nacionais de Salvador, Recife e Fortaleza; seja pela consolidação de aglomerações urbanas e cidades médias, como Petrolina-Juazeiro, Mossoró-Assu, Campina Grande, Caruaru- Garanhuns e Vitória da Conquista, dentre outras, que exercem um forte papel polarizador sobre o Semi-Árido. (BRASIL, Plano..., 2005, p. 60).

Outro mapeamento apresenta nove Sub-Regiões de Desenvolvimento, que são tratadas como espaços destinados a abrigar ações prioritárias ao desenvolvimento do semi-árido. Os critérios que possibilitaram a inclusão dos municípios do Nordeste Semi-Árido nessas Sub- Regiões foram os seguintes:

[...] i – potencial de aproveitamento hidroagrícola, sob o comando de um centro urbano dinâmico, com atores sociais ativos e com pré-investimentos já realizados; ii – potencial de desenvolvimento baseado em recursos minerais, com exploração dinâmica e atores sociais ativos; iii – relativa escassez de oferta de recursos naturais, com presença de centros urbanos distribuidores de mercadorias e com a presença de atores relevantes, mas com atuação menos articulada em relação a projetos de desenvolvimento local; iv – baixos níveis de desenvolvimento econômico e possibilidades restritas de desenvolvimento futuro; v – existência de atividades econômicas incipientes, potencialidades restritas e atores pouco atuantes ou ainda emergentes; e, vi – existência de áreas susceptíveis à desertificação, com estágios variados de degradação ambiental (BRASIL, Plano..., 2005, p. 66).

Assim, além da inclusão no Sertão Sul, demonstrada na Figura 13, Vitória da Conquista também se encontra inserida no Sertão de Contas de acordo com outros critérios apresentados no PDSA - 2005, como se pode detectar na Figura 14.

Apesar da inclusão de Vitória da Conquista no Sertão Sul (Figura 13) e no Sertão de Contas (Figura 14), constata-se que essas denominações não estão presentes na memória e nas representações sociais dos conquistenses nem nos discursos locais, sendo, portanto, mais uma classificação que não encontra ressonância na vivência e no cotidiano.

Não se constitui em objetivo desta tese fazer uma análise crítica acerca das classificações e delimitações apresentadas, mas, considerando cada uma destas, buscou-se demonstrar que, mesmo numa perspectiva mais oficial, as fronteiras do sertão são viscosas e labirínticas.

Figura 14:Nordeste Semi-Árido:Sub-regiões de desenvolvimento, 2005.

Fonte: BRASIL: PDSA, 2005.

Fonte: Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável do Semi-Árido (PDSA), 2005. -4°00' -8°00' -12°00' -16°00' -20°00' -44°00' -48°00' -52°00' -56°00' -60°00' 0 140 280 km

Adapatação: Junívio da Silva Pimentel e Geisa Flores Mendes, 2008

Sertão de Contas Sertão de Canudos Ribeira do Médio São Francisco Ribeira do Sub-médio São Francisco Ribeira do Baixo São Francisco Sertão do Piauí Sertão do Araripe Sertão do Apodi Sertão da Borborema 0°00' MA CE RN PB PE AL SE BA MG PI Vitória da Conquista 70° W 0° 10° S 20° S 30° S 40° W 50° W 60° W 0 1150 km Brasil:

Localização da Região Nordeste

Para além dessa não-identificação de Vitória da Conquista com o Sertão Sul e o Sertão de Contas, há ainda um silenciamento81 quase absoluto a respeito da identificação de Vitória da Conquista com o semi-árido e com a nova delimitação do semi-árido. Mesmo quando a representação da aridez apresenta-se nos discursos, a denominação semi-árido está praticamente ausente. Conclui-se que essa denominação está presente nos documento oficiais, discursos dos técnicos e planejadores, mas os sujeitos sociais envolvidos na pesquisa não a utilizam; referenciam-se como: ser “da caatinga”, “do sertão”, “da roça”, “de um lugar com pouca chuva.”

Tal fato evidencia que, em muitos casos, os discursos e as estratégias governamentais nem sempre andam de acordo com a memória e as representações sociais, as quais buscam as suas teias de significados em múltiplos e diversos meios de ancoragem que nem sempre são os mais previsíveis no que concerne à configuração de horizontes espaciais coletivos.82

Nesses sertões semi-áridos, mapeados oficialmente com base em critérios naturais e político-discursivos, o Sertão da Ressaca nunca é retratado. Essa constatação conduziu a questionamentos, que serão objetos de análise nos capítulos seguintes: em que registros o Sertão da Ressaca é evidenciado? Esse sertão, de fato, está presente na memória e nas representações sociais do conquistense? De que maneira ele se insinua ou se desdobra em outros sertões? Esse sertão apresenta-se somente como uma referência interna, partindo de um discurso fundador local, ou é também reconhecido em âmbito mais amplo?

Há diferenças significativas na abordagem desse sertão se comparado com outros que, mesmo fugidios em suas apreensões na memória social, podem ser mais facilmente demarcados e reconhecidos, portanto, mais institucionalizados. Esse é o caso, por exemplo, do sertão do Seridó Potiguar. Na tese Entre a Cultura e a Política: uma Geografia dos “currais”

no sertão do Seridó Potiguar, Azevedo (2007, p. 52) afirmou que esse sertão “[...] se

caracteriza, estadual, regional e até nacionalmente, como um espaço de diferenciação em

81 Em se tratando de uma apreciação pautada na memória e nas representações sociais, torna-se necessário, evidentemente, considerar tanto a fala quanto o silêncio, tanto a lembrança quanto o esquecimento. O que é realmente significativo, a ponto de permanecer na memória? O que é mais interessante ser esquecido e silenciado? A esse respeito, Orlandi (1997, p. 48) afirma: “A significação não se desenvolve sobre uma linha reta, mensurável, calculável, segmentável. Os sentidos são dispersos, eles se desenvolvem em todas as direções e se fazem por diferentes matérias, entre as quais se encontra o silêncio. A materialidade do sentido