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1 MEMÓRIA E REPRESENTAÇÕES NAS CONFIGURAÇÕES

1.3 Sobre representações sociais

Quando se pensa no termo representação, imediatamente ele é associado a outras categorias e elementos como: cultura, símbolos, mitos, crenças, valores, visão de mundo etc. Essa característica faz com que a categoria representação seja extremamente dinâmica e relacional e, por isso, mesmo social.

Abordando a questão das representações, Claval (1999, p. 86) assinala que “[...] sem elas [as representações] não se compreende nunca como as coisas são concebidas e quais significados elas têm na vida dos homens”. Utilizando também esta categoria em análise que trata das representações de sertão, Almeida (2003, p. 73) destaca que, no processo de sua adoção, “[...] abriu-se uma via de estudos, pela inclusão do imaginário no trato dos objetos geográficos”.

Do ponto de vista sociológico, Durkheim (1912) foi o primeiro autor a usar explicitamente o conceito de representações coletivas, abordando o campo das representações como problemática. As representações individuais teriam, para ele, uma profunda inspiração coletiva. Durkheim associou esse conceito a categorias do pensamento, por meio das quais, determinada sociedade elabora e expressa sua própria realidade. Para ele, essas categorias não são dadas a priori, mas surgem ligadas aos fatos sociais. A sociedade "[...] organiza-se em nós de forma duradoura, suscitando todo um mundo de idéias e sentimentos que a exprimem, mas que, ao mesmo tempo, são parte integrante de nós mesmos". Portanto, "[...] as representações são a trama da vida social e são, também, a trama de nossa vida interior" (DURKHEIM, 1989 [1912], p.322-323).

É como membro de diversos grupos que os homens se representam e constroem representações de territórios, lugares, objetos, instituições ou fatos. Sob esta ótica, as representações não podem ser entendidas fora de uma dimensão de alteridade, de uma teia de relações entre os indivíduos na sociedade da qual fazem parte. Nesse sentido, Bailly (1992) esclarece que as representações sociais, como sistemas de interpretação, também regem as relações do homem com o mundo e com os outros, orientam e organizam os comportamentos e as comunicações sociais e interferem na definição de identidades sociais e territoriais.

Moscovici, em A Representação Social da Psicanálise (1978 [1961]), inaugura, na psicologia social, o campo de estudo das representações sociais e assume explicitamente que sua matriz teórica está vinculada aos estudos das representações coletivas suscitados por Durkheim. Critica, entretanto, o caráter estático da representação coletiva, pois concebe as representações sociais de maneira mais plástica e relacional, preocupando-se também com o processo de transformação de imagens e conceitos, que culmina na produção de uma representação (GONDAR, 2005, p. 23). Assim, imprime um amplo dinamismo à sua análise, confirmando que "[...] representar uma coisa, um estado, não consiste simplesmente em desdobrá-lo, repeti-lo ou reproduzi-lo, é reconstituí-lo, modificar-lhe o texto". (MOSCOVICI, 1978, p.58). Na concepção, ainda, deste autor,

As representações sociais são entidades, quase tangíveis. Elas circulam, cruzam-se e se cristalizam incessantemente através de uma fala, um gesto, um encontro, em nosso universo cotidiano. A maioria das relações sociais estabelecidas, os objetos produzidos ou consumidos, as comunicações trocadas, delas estão impregnadas (MOSCOVICI, 1978, p.41).

Uma multiplicidade de ações e vozes configura memórias e institui representações que são partilhadas por determinados grupos. Assim, entende-se que as representações sociais são elaboradas no âmbito dos fenômenos comunicacionais. A comunicação social seria, portanto, responsável pelo modo como se forjam essas representações. Nesse sentido, Cosgrove (1998b, p. 5) assinala: “[...] a produção e reprodução da vida material é, necessariamente, uma arte coletiva, mediada na consciência e sustentada através de códigos de comunicação”. Para o autor, “[...] toda atividade humana é, ao mesmo tempo, material e simbólica, produção e comunicação. Esta apropriação simbólica do mundo produz estilos de vida (genres de vie) distintos e paisagens distintas, que são histórica e geograficamente específicos” (COSGROVE, 1998b, p. 5).

Para Chartier (1990), as representações estão sempre assentadas numa perspectiva de concorrência e competição, associadas, portanto, a poder e dominação. Por não serem necessariamente conscientes, são muitas vezes determinadas por grupos que as forjam, se configurando, portanto, como produto de estratégias de interesses e relações de poder. Assim, destaca-se a necessidade de relacionar os discursos proferidos à posição de quem os utiliza. No processo de constituição de representações, é imprescindível saber o quê, como e de onde se fala sobre alguma coisa ou fato, pois “[...] as lutas de representações têm tanta importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou

tenta impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são os seus, e o seu domínio” (CHARTIER, 1990, p.17).

Gomes também discute tais aspectos e afirma: “Os grupos humanos, quando se organizam espacialmente, não têm consciência explícita de todos os processos de significação que são atribuídos e vividos cotidianamente no espaço” (GOMES, 1996, p. 312). Com esse entendimento, torna-se imperativo analisar o modo como as práticas culturais e as representações interferem nos processos de produção do espaço geográfico. A este respeito, uma ponderação é encontrada em Claval:

Materia, naturaleza, cultura y vida social son realidades aprehendidas al mismo tiempo por cada uno [...] El mundo es un dato de la percepción; está estructurado por discursos. Los investigadores no tienen un acceso privilegiado a la verdad. Ésta sólo aparece paso a paso, a través del análisis minucioso de los testimonios y experiencias de unos y otros (2002, p. 34).

É nesse âmbito que Chartier (1990) explicita a necessidade de acabar com os falsos debates que estabelecem uma oposição entre a objetividade das estruturas e a subjetividade das representações, uma vez que, para ele, não há oposição entre o mundo real e o mundo das representações. Lowenthal (1961), do mesmo modo, considera tal aspecto ao enfatizar a necessária postura de estabelecer o fim da delimitação entre objetividade e subjetividade nas discussões geográficas.

Preocupação semelhante é evidenciada por Barbalho (2004, p. 156), para quem “[...] o conceito de representação não se refere à „cópia do real‟ ou à „reprodução do real‟, significando algo descolado do concreto e próprio à esfera das idéias”. As representações são entendidas, portanto, não como meras reproduções do real, mas como integrantes desse real, também como seu instituinte. Este entendimento não se confunde com o estatuto de conferir autonomia à ordem simbólica, uma vez que a relação entre o material e o simbólico é um dos problemas centrais para o edifício conceitual da teoria das representações sociais. Assim, processos objetivos são sempre a contrapartida de processos subjetivos e, nesse contexto,

A relação dialética entre fenômenos objetivos e subjetivos, entre o material e o simbólico, entre o indivíduo e a sociedade não são novidades para a teoria. Pelo contrário, estes são os pressupostos centrais que guiam tanto o seu olhar

epistemológico como seus esforços empíricos e teóricos

(JOVCHELOVITCH, 2000, p. 179).

Jodelet (1991), por sua vez, também compartilha dessa concepção, pois, em diferentes análises, enfatiza os suportes pelos quais as representações são engendradas na vida cotidiana. Para a autora, os suportes se constituem basicamente de discursos, práticas sociais, documentos, registros em que eles se institucionalizam e, finalmente, as interpretações que recebem nos meios de comunicação. Esses suportes retroalimentam constantemente as representações e, por isso, contribuem para sua manutenção ou transformação. Utilizando os termos de Jodelet (1991), para a sua manutenção enquanto se transformam e, para a sua transformação, enquanto se mantêm.

O viés da memória e das representações sociais, associado ao espaço, permite desvendar significados, mergulhar na essência de fenômenos ainda não percebidos. É assim que García Canclini (1994), em O Patrimônio Cultural e a Constituição Imaginária do

Nacional, demonstra como o imaginário discursivo contribui para a concepção e constituição

de uma identidade nacional. Ele apresenta considerações a respeito da construção imaginária do México, ressaltando que os mais variados discursos colaboraram para formar o sentido do nacional, selecionando e combinando suas referências emblemáticas, dando-lhe uma unidade e uma coerência imaginárias.

As considerações acerca de memória e representações sociais expostas neste tópico servem de balizamento teórico para as análises que se seguirão. Entretanto, optou-se por apresentar de maneira mais contundente os seus desdobramentos nos capítulos em que se trata da fecundação entre teoria e prática, considerando a pesquisa de campo desenvolvida. Mediante essa opção, apontam-se, a seguir, alguns elementos específicos do estudo em questão com o intuito de possibilitar ainda um melhor entendimento da temática proposta.