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1.2. Hospitalidade e acolhimento – instituições especializadas

1.2.4. Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS)

O JRS é uma organização internacional da Igreja Católica, fundada em 1980 sob responsabilidade da Companhia de Jesus, tendo como missão acompanhar, servir e defender os refugiados e migrantes em situação de particular vulnerabilidade. O JRS se instituiu em Portugal no ano de 1992 e, desde então, sua atuação tem-se desenvolvido no âmbito de apoios social, psicológico, médico e medicamentoso, apoio jurídico, encaminhamento e apoio à integração profissional, alojamento de imigrantes desabrigados e em situação de particular vulnerabilidade social, acompanhamento a imigrantes detidos, desenvolvimento de cursos de Língua Portuguesa e ações de formação.

A instituição é também responsável pela coordenação-geral da Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR) e pela gestão e acompanhamento técnico do Centro de Acolhimento de Refugiados (CATR) da Câmara Municipal de Lisboa. Para além da sua performance na área da integração de migrantes, requerentes e beneficiários de proteção internacional, o JRS Portugal também promove reflexões sobre a ação no terreno, quer a nível nacional, quer a nível internacional.

No que concerne ao acolhimento, o JRS, no âmbito de um protocolo com a Câmara Municipal de Lisboa, dispõe de um conjunto de habitações com a finalidade de acolher refugiados. Destarte, além de ser responsável pela preparação dos edifícios, o JRS desenvolve o acompanhamento dos refugiados durante o período de acolhimento, a partir de ações que direcionem a autonomia e independência dos refugiados, para que avancem aos novos processos de alojamento. A atuação do JRS faz-se presente no Centro de Acolhimento Temporário de Refugiados (CATR), onde desenvolve atividades em colaboração com a Câmara Municipal de Lisboa, englobando desde a chegada de

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refugiados no aeroporto, acompanhamentos individualizados, apoio jurídico, orientação, acolhimento e atividades de integração.

Em outubro de 2018, o diretor-geral do Serviço Jesuíta aos Refugiados de Portugal, André Costa Jorge, assumiu a coordenação da Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR). Assim, o Secretariado Técnico da PAR é de responsabilidade do JRS Portugal, cujas principais funções indicam a mediação das relações entre instituições anfitriãs PAR e os organismos da Administração Pública referentes ao acolhimento de refugiados, além de promover análises e diagnósticos de ofertas de acolhimento, realizar entrevistas com famílias beneficiárias e definir os critérios de distribuição das respectivas famílias às instituições anfitriãs.

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2 CONVIVIALIDADE, INTEGRAÇÃO, CIDADANIA E IDENTIDADE

As deslocações de pessoas são movimentos recorrentes na trajetória da humanidade, mas que de tempos em tempos acaba por ganhar maior atenção, de modo a ser objeto de pesquisa nas mais variadas áreas de estudo, ultrapassando a dimensão das Ciências Sociais. Diante da extensa amplitude inerente ao tema, toma-se aqui, como foco, a dimensão relativa à integração sociocultural dos indivíduos que chegam à sociedade na qualidade de refugiados, enquanto migrantes forçados, e reinstalados na sociedade portuguesa.

A saber, preliminarmente, é imperativo corroborar com a percepção de Benedict Anderson (2008) de que toda e qualquer nação é uma comunidade política imaginada que não se legitima pela oposição falsidade/autenticidade, uma vez que parte-se do pressuposto de que não há comunidades “verdadeiras”. As nações são imaginadas enquanto comunidades por serem concebidas como uma estrutura de “camaradagem horizontal”, um sentimento de fraternidade perpetuado na noção de que, embora seja a menor das nações, os seus membros nunca serão capazes de conhecer, encontrar nem mesmo ouvir falar de todos os membros, mas, ainda assim, cultivam o símbolo de comunhão entre eles. Firma-se a abstração de um “nós” coletivo a unir relações distintas.

No entanto, a comunidade não é imaginada com fundamento no nada. Para o autor, a deslegitimação dos reinos dinásticos hierárquicos de ordem divina, motivada pelo Iluminismo, oportunizou mudanças na forma de apreender o mundo e, consequentemente, possibilitou pensar a nação. As transformações dos modos de ver, apreender e pensar o mundo fomentaram a idealização de nações constituídas a partir de símbolos firmados internamente, numa lógica coletiva e afetiva de sentidos, nos quais a noção de “nós”, enquanto sentimento de pertença, prevaleça face à individualidade, ao passo que seja capaz de subtrair o que há de “eles” e de disparidade em qualquer sociedade, produzindo, por conseguinte, suas artes e cultura, subentendendo um certo “sujeito imaginado”.

À primeira vista, a compreensão das sociedades seguiu abalizada a partir de uma perspectiva estática e homogênea, de modo que a comunidade imaginada nacional estabelecida se perpetuava no tempo enquanto uma biocenose fechada, uma identidade cultural imbuída de traços de unidade, unicidade e indivisibilidade. Um senso coletivo supostamente imutável e atemporal que entrelaça passado, futuro e presente numa corrente incessante. A crença nessa concepção fechada impeliu um instinto

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protetivo nacional no sentido de dificultar interações, misturas e mobilidades. Um impulso deslindado na utópica sensação de pureza e conservação das origens. Assim as nações reafirmaram histórica e continuadamente as suas fronteiras com a construção de muralhas, barreiras físicas e, posteriormente, burocráticas.

Contudo, tanto é inevitável conceber culturas e identidades culturais, quanto é mantê-las intactas, pois “a distinção de nossa cultura é manifestamente o resultado do maior entrelaçamento e fusão, na fornalha da sociedade colonial, de diferentes elementos culturais africanos, asiáticos e europeus” (Hall, 2003, p. 31). Não há nações compostas exclusivamente por um só povo. Nossas sociedades não se concebem por uma origem única, mas diversas. Bem como, tal como Stuart Hall (2003) discorre, as sociedades não constituem uma continuidade com os passados, pelo contrário, encenam uma história de rupturas sombrias, violentas e abruptas. Todo o aparato em prol da homogeneidade cultural se deu às custas de hegemonias compulsórias e severas. Disputas de poder, invasões, “conquistas”. O caminho para a modernidade foi traçado por anseios imperiais onde sociedades nasceram e renasceram da hostilidade, de genocídios, escravidão, expropriação e dependência colonial, um percurso fundamentado em “violências reais e simbólicas, de exclusão do Outro e de invenção do Mesmo” (Almeida, 2002, p. 2).

As interações entre povos foram inevitáveis, no entanto, os impérios instauraram relações de dominação e dependência nas quais as sociedades dominantes obstinaram-se a canonizar sua supremacia cultural e etnocentrismo, estabelecendo um distanciamento entre dominadores e comunidade dominada ao mesmo tempo que disseminavam práticas de assimilação e transculturação17. As relações entre comunidades dominantes e dominadas impulsionaram a hierarquização política, social e cultural de modo a conferir a estas últimas um estatuto de inferioridade e, consequentemente, erguendo uma barreira implícita que dificultava a isonomia na interação entre os grupos sociais.

Por sua vez, não se pode olvidar a outra face da interação sociocultural. Há, pois, os casos de aproximação mais branda de uma cultura em uma comunidade culturalmente já estabelecida. As situações de mobilidade humana, sejam elas migrações voluntárias ou forçadas, são recorrentes e tornaram-se mais frequentes à medida que as nações caminhavam rumo à modernidade. Não à toa, muitas indagações

17 “Através da transculturação ‘grupos subordinados ou marginais selecionam e inventam a partir dos materiais a eles transmitidos pela cultura metropolitana dominante’. É um processo da ‘zona de contato’, um termo que invoca ‘a co-presença espacial e temporal dos sujeitos anteriormente isolados por disjunturas geográficas e históricas (...) cujas trajetórias agora se cruzam’” (Hall, 2003, p. 31).

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referentes aos fluxos migratórios são frequentemente relacionadas à globalização que, embora não seja um fenômeno recente, à medida que desenrola-se, atrai a mobilidade de pessoas e, consequentemente, admite a proliferação das práticas culturais.

Não obstante seu caráter reincidente e irrevogavelmente histórico, o convívio entre várias etnias e culturas até hoje enfrenta dificuldades de harmonização e efetiva integração. A par dos esforços, estudos e estratégias, ainda não foi possível extirpar os processos de resistência, exclusão social, racismo e xenofobia, bem como as assimetrias dos estatutos de estrangeiros e autóctones que ainda disseminam diferenças de tratamento e oportunidades, claramente favoráveis aos nacionais. A hierarquia e o etnocentrismo sustentaram inúmeros discursos políticos, práticas sociais e de governabilidade, até hoje ainda presentes em diversas comunidades, sendo responsáveis pelas mais variadas situações de discriminação e diáspora, de modo a conservar uma noção binária de diferença legitimada pela idealização de um limiar excludente subordinado à “construção de um ‘Outro’ e de uma oposição rígida entre o dentro e o fora” (Hall, 2003, p. 33).

De fato, os movimentos migratórios assumem uma nova relevância no mundo contemporâneo diante da imprevisível velocidade com que se encaminham e se desenvolvem, além da celeridade com que se propagam informações e se estabelecem contatos, de forma a ultrapassar fronteiras e diluir a noção de distância. Em suma, todos esses aspectos e, principalmente as formas de mobilidade humana, contribuem na composição de sociedades pluriétnicas em presenças multiculturais que passaram a ser reconhecidas como tais à medida que a democracia era instituída nas civilizações, consolidando as concepções de Estados de Direito e justiça social. Esta nova noção de organização estatal e social ganhou força principalmente em consequência da Segunda Guerra Mundial, razão pela qual foram criados órgãos e entidades de jurisdição internacional, estatutos de direitos e deveres do homem fundamentados em princípios supostamente universais sob uma ótica mais benevolente, a fim de garantir tratamento humanitário e igualitário a todo e qualquer indivíduo, seja ele cidadão nacional, imigrante, refugiado ou apátrida.

Nesse sentido, tendo em conta que as pluralidades cultural e étnica acarretam circunstâncias tanto positivas quanto negativas, as nações mais afetadas por deslocações migratórias alavancaram discussões, confrontaram ideias e estratégias, conceitos e perspectivas, políticas e filosofias a fim de encontrar ferramentas e caminhos adequados para viabilizar a recepção, inserção e interação de estrangeiros nas sociedades de acolhimento, de maneira a originar modelos de políticas de

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integração que, ainda que estabelecidas, permanecem vulneráveis às transformações e adaptações no decorrer do tempo.