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A sigillata hispânica

Descrição do fabrico das marcas sudgálica

N. o Inv Ano Sect Quad UE Forma o Frag Frag D.P L.M C.M E.P Cor Cor Brilho Espess Homogeneidade

3.5. A sigillata hispânica

3.5.1. Caracterização dos fabricos de Andújar e Tricio, origem e difusão

A partir do século I, diversas áreas da Península Ibérica iniciaram o fabrico de terra sigil- lata, imitando as formas sudgálicas e de tipo itálico. Tal como para os restantes fabricos, o início da produção está ainda envolto em inúmeras dúvidas, questionando-se o papel de alguns agentes isolados como difusores desta tecnologia.

Entre a sigillata hispânica distingue-se actualmente, a produzida durante o século I-II, que agora se descreve, e a produção tardia dos séculos III a V que se reserva para um outro ponto deste trabalho (3.7.). Na verdade, mesmo entre as cerâmicas hispânicas alto imperiais, devem separar-se os materiais provenientes não só dos grandes centros produtores (Tricio e Andújar), mas também os dos conjuntos de oficinas mais reduzidas que continuam a ser identificados no território actualmente espanhol. Interessa-me particularmente a produção dos dois primeiros, porque foi a que atingiu, mais facilmente, o território hoje português, e porque a questão da difusão dos seus produtos continua a ser uma problemática actual, como o expressa a bibliografia mais recente sobre o tema (Roca e Fernández Coords., 1999). Não pode, no entanto, esquecer-se a importância dos resultados obtidos através de análises químicas em Monte Mozinho, que revelaram a presença, além da sigillata de Tri- cio, de um outro fabrico seu contemporâneo de origem hispânica, cuja proveniência exacta é ainda desconhecida (Carvalho, 1998, p. 75-77). Efectivamente, estes dados permitem uma leitura mais clara sobre a difusão da terra sigillata hispânica, sobretudo para o noroeste peninsular, portanto para uma área geográfica muito afastada da que aqui se trata.

A área de produção de maior importância da Hispânia foi, sem dúvida, Tricio (antiga Tritium Magallum), conhecida na bibliografia por centro produtor de La Rioja ou oficinas do Vale do Ebro. Inclui não só as estruturas de produção de Tricio, mas também de outras na mesma região, como Bezares, Arenzana de Arriba e Nájera (Mezquíriz, 1985, p. 114). Condições geográficas favoráveis na obtenção de matérias primas e combustível, assim como a existência de uma densa rede viária terrestre e fluvial (rio Ebro), foram factores cer- tamente importantes na implantação das oficinas neste local. A distribuição dos produtos fez-se, ao que tudo indica, utilizando grandes cidades como Caesaraugusta e Mérida, como centros redistribuidores para a Tarraconense e para a Lusitania, respectivamente (Sáenz e Sáenz, 1999, p. 70).

Infelizmente, são ainda os dados da estratigrafia de Pamplona que servem para conhe- cer a evolução das formas de terra sigillata hispânica, desde meados do século I até aos iní- cios do século V (Mezquíriz, 1985, p. 110). Por enquanto, estes dados são ainda os utiliza- dos, apesar de estar de acordo com Pilar e Carlos Saénz Preciado quando referem que é urgente estabelecer estudos apoiados em estratigrafias seguras, pois não pode continuar- -se a aceitar, sem reservas, os “... dados tipológicos que los trabajos clásicos han estabele- cido casi como dogmas de fe” (Saénz e Saénz, 1999, p. 65). O apogeu destes fabricos ocor- reu no período entre a segunda metade do século I e a primeira metade da centúria seguinte.

Não é fácil encontrar descrições claras para este fabrico. Mayet associa-o à série A des- crita por Boube para os materiais hispânicos descobertos na Mauritânia Tingitânia e refere “Comme dans toute production céramique, il est difficile de donner des caractéristiques générales de couleur de pâte et de vernis. Toutefois, en prennant un tesson de bonne qua- lité, représentatif de la sigillée hispanique du Haut-Empire, provenant de Tricio, nous pou- vons dire que la pâte est plus tendre que la pâte de la sigillée gauloise, avec une couleur variant autour de Munsell 2.5YR 6/6 et 6/5, avec des vacuoles et des grains jaunâtres. La

sell 2.5YR 4/6 e 4/8, sans jamais leur correspondre réellement. Dans les descriptions sim- plifiées, le vernis est presque toujours orangé, plus ou moins brillant et adhérent; la surface est légèrement grenue, comme une peau d’orange, caractéristique que nous n’avons pas constaté sur les produits d’Andújar.” (Mayet, 1984, p. 66)

A difusão deste fabrico fez-se sobretudo no seio da Península Ibérica, embora tenha alcançado a região do sudeste francês, Grã Bretanha, Ostia e o Norte de África. Neste último caso, estão presentes não só os produtos de Tricio, mas também os de Andújar.

O centro produtor de Andújar, também conhecido na bibliografia por Los Villares (Jaén) ou oficinas da bética, situa-se junto ao Guadalquivir e foi identificado em 1971 por M. Sottomayor. Apesar de existirem vestígios de outras oficinas no Sul, na região de Málaga e Granada, Andújar constituiu o local de produção de maior importância. Trata-se de um sítio com tradição oleira anterior e que durante o período de laboração dos fornos de terra sigillata, produziu igualmente cerâmica comum, cerâmica ibérica pintada, paredes finas e lucernas (Sottomayor, Roca e Fernández, 1999, p. 21). Se é pacífica a cronologia apontada para o início da produção, época de Tibério-Cláudio, os autores têm dificuldade em saber qual a data do seu terminus, mas tudo aponta para que as últimas fornadas tenham tido lugar em meados do século II (Sottomayor, Roca e Fernández, 1999, p. 32).

Se é difícil a caracterização física dos produtos de Tricio, para os de Andújar o caso é ainda mais complicado. Mayet considera que este fabrico corresponde à série B que Boube identificou em Marrocos em 1968 (Mayet, 1984, p. 41), enquanto Mezquíriz considera que as séries A e B de Boube são ambas de Andújar, correspondendo aos dois fabricos descri- tos por M. Roca para este centro produtor (Mezquíriz, 1985, p. 115). Pode reter-se então a descrição de Roca “En general domina el tipo de pasta oscura, de la gama de los sienas, com cantidad abundante de partículas amarillentas arcilloso-calcáreas, vacuolas en general bas- tante grandes, alargadas; en algunos casos , granos de cuarzo; poco dura y fractura de aspecto más o menos exfoliable. El barniz oscila entre el color tierra de siena tostada oscuro y el rojo inglés; poco brillante, en muchos casos mate, espeso, bastante homogéneo y adhe- rente; características todas ellas presentes en la série B de Boube.

Pero una parte de la piezas, en proporción sensiblemente menor, aparece una pasta rosada-amarillenta, más clara que la anterior, de la gama de los ocres; igualmente com par- tículas amarillentas, vacuolas pequeñas, más clara en general que la anterior y com fractura de aspecto granuloso. El color del barniz es también ocre, más o menos rojizo y de calidad más o menos brillante; a veces ligeramente granuloso al tacto, poco espeso pero muy homo- géneo y adherente; descripción que coincide en líneas generales com la serie A de Boube”. (Roca, 1976, p. 28).

Em 1982, Serrano indicava uma peça de Mérida como o exemplo da mais setentrional distribuição destes produtos, que tinham a Andaluzia como área preferencial de consumo (Serrano, 1983, p. 151-157). A difusão das produções de Andújar tem vindo a ser alargada à medida que novos resultados são divulgados e deve hoje ser redimensionada à luz desses dados. O transporte dos produtos tinha como linha de escoamento a importante via fluvial que constituiu o Guadalquivir, conhecendo-se exportação para a Mauritania Tingitania. (Sotomayor, Roca, Fernández, 1999, p. 34)

É extenso o repertório de formas de terra sigillata hispânica, distinguindo-se os tipos que seguem os modelos sudgálicos e os que foram desenvolvidos pelos oleiros hispânicos. Apesar disso, existe um conjunto relativamente reduzido de tipos que surgem sempre, e como é natural, com maior abundância nos sítios que forneceram este tipo de materiais.

Trata-se dos pratos Drag. 15/17, das taças Drag. 27, Drag. 24/25, Drag. 35/36 ou das formas Hispânicas 4 e 5.

Enquanto não se dispõe de dados mais seguros, mantém-se a classificação dos dife- rentes estilos decorativos e a respectiva cronologia, tal como é proposta pela bibliografia de referência. Também neste caso, existem formas decoradas mais comuns, como a Drag. 29, Drag. 30 e Drag. 37 A e B, todas de raiz gálica. Nas produções iniciais do século I, a gramática decorativa tem a mesma fonte de inspiração e o primeiro estilo é constituído por composi- ções de grinaldas, arcarias, galões e cruzes de Sto André. Ainda contemporâneo deste estilo, ou a partir do século II, assiste-se ao desenvolvimento de um segundo estilo deco- rativo caracterizado pela presença de motivos de tradição gálica (animal, vegetal, humano) e hispânica (círculos), que surgem em composições separadas por métopas (linhas verticais onduladas, de chevrons, etc.). A partir do século II, são os motivos circulares os mais comuns, que podem, no entanto, alternar com outros como as aras, motivos cruciformes, rosetas, entre outros. (Mezquíriz, 1983, p. 136). Além desta decoração produzida a molde, mantém-se a presença da decoração de barbotina, por exemplo de folhas de água no bordo das formas Drag. 35/36, e de guilhoché.

Na produção de Andújar, está atestado um tipo de decoração roletada (guilhoché) nas paredes exteriores dos vasos (“decoración de ruedecilla”), que constitui uma característica das produções iniciais deste centro oleiro, aspecto que se relaciona com a influência da pro- dução de vasos de paredes finas (Roca, 1976, p. 77).

As marcas de oleiro são mais frequentes nas formas lisas que nas decoradas e são par- ticularmente abundantes nos pratos Drag. 15/17 e nas taças Drag. 27, sendo conhecido o elenco dos oleiros que produziram terra sigillata hispânica de Tricio e de Andújar (Roca e Fernández, Coords., 1999, p. 291-296).

A recente investigação tem vindo a analisar a evolução do mercado de produtos his- pânicos e as suas consequências na organização das estruturas produtivas. No entender de Pilar e Carlos Saénz, o fenómeno de propagação das oficinas de pequena escala, sobretudo nos finais do século I, está relacionado com a necessidade de aumentar a produção, reagindo a uma forte pressão da procura deste tipo de cerâmica de mesa (Saénz e Saénz, 1999, p. 74- -77). Estas pequenas oficinas podem ter nascido na órbita dos grandes centros produtores, embora este facto seja difícil de provar, através da evidência arqueológica, já que as com- posições decorativas são muito homogéneas.

A análise da difusão que os dois fabricos hispânicos registaram é uma constante entre as questões levantadas por este tipo de cerâmicas. Sendo indiscutível a supremacia dos fabri- cos riojanos, julgo que não deve continuar a afirmar-se que a difusão das produções de Andújar se circunscreveram à província da actual Andaluzia, como afirmaram recente- mente Sotomayor, Roca e Fernández (Sotomayor, Roca e Fernández, 1999, p. 34). Esta temática será novamente explorada infra, quando analisar o contributo dos materiais de San- tarém para esta problemática.

3.5.2. A sigillata hispânica da Alcáçova de Santarém

3.5.2.1. Introdução

Na Alcáçova de Santarém, existem 103 peças de terra sigillata hispânica, o que totaliza 12,83% da sigillata com forma identificada, estando representados os dois principais centros produtores peninsulares, Tricio e Andújar. Como já mencionei supra, não foi simples a dis-

dúvidas, é clara a forte presença de Andújar no conjunto dos materiais de Santarém, o que por si só constitui um facto significativo.

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