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5 A construção de significados no contexto cultural: a perspectiva da Psicologia Cultural

5.1 O desenvolvimento humano mediado por signos

5.1.2 Signos: organizando experiências

No âmbito da Psicologia Cultural de base semiótica é necessário ainda considerar a influência das ideias de Charles Sanders Peirce7. Um signo é compreendido como algo que está para a mente de alguém em lugar de outra coisa. São produzidos por mentes e, por sua vez, mentes funcionam através deles. Deste modo, signos são ferramentas cultivadas internamente, a partir da relação com objetos externos. São distinguidos três tipos de signos: ícones – são apresentações generalizadas e semelhantes ao objeto, isto é, imagens dos objetos (por exemplo, uma maquete pode ser um ícone de uma cidade); 2) índices – nos direciona ou nos sinaliza para um objeto, isto é, denotam as coisas sem descrevê-las (um exemplo seria ver a fumaça e tal signo nos sinaliza para a possibilidade de fogo nas proximidades) e; 3) símbolo – relação de abstração/generalização entre um objeto real e sua apresentação sígnica, isto é, não tem relação direta com o objeto (por exemplo, os símbolos associados aos gêneros masculino e feminino). Estes diferentes tipos de signos são entendidos como dinamicamente transformadores e transformáveis. Em nosso ambiente, a maior parte dos signos são combinados e ativam processos de construção de significados dentro de um mundo semiótico (Valsiner, 2012).

Na visão peirciana, nós pensamos somente por meio de signos. Assim, a criação e o uso destes permeiam a existência humana, tanto na dimensão inter quanto intrapsicológica. O signo não pode ser repetitivo, quer dizer, a cada vez que é retomado, ele aparece em um novo ato de semiose. Ao criar ambiguidade nas apresentações dos signos através de vários níveis de abstração, o ser humano gera uma ampla aplicabilidade das ferramentas que eles mesmos criam (Valsiner, 2012).

7 Salienta-se que, como o foco neste capítulo era tratar da Psicologia Cultural Semiótica, optou-se pela utilização

Signos, segundo Peirce (1935 citado por Valsiner, 2014), também chamado

Representamen se constitui como um Primeiro que mantém uma relação triádica com um

Segundo, o objeto, sendo capaz de determinar um terceiro, o interpretante. Esta relação triádica é genuína, se constituindo como uma das grandes inovações do filósofo. O signo representa seu objeto para um interpretante. O interpretante apresenta o objeto em uma nova forma de significação que emerge nesse processo triangular. Com isso, Peirce realizou um movimento teórico radical ao adicionar o interpretante em uma relação que, até então, era diádica. Ao fazer isto, tornou possível a conceitualização de mudanças de significados durante o processo de interpretação. O interpretante tornou a relação signo-objeto aberta para transformações em uma nova forma. O objeto pode mudar como resultado da relação triádica. Um objeto interpretado é um novo objeto, ainda que não tenha sofrido modificações físicas (Valsiner, 2014).

Peirce (1935 citado por Valsiner, 2014) construiu uma classificação para sistematizar os signos. Um primeiro ponto a se destacar nesta refere-se ao que chama de Apresentação. Relacionada com a Primeiridade, nesta função o indivíduo percebe uma qualidade sobre algo que vivencia, ainda não de forma abstrata. Esta qualidade se torna um signo que indica uma forte crença na existência dela. A Representação relaciona-se a Segundidade, isto é, a uma inter- relação da qualidade mencionada com alguma outra coisa, que fornece o “isto-que-é” do que foi percebido. O ponto seguinte é a Interpretação, no qual os signos ilustram generalizações, possibilitando a realização de distinções entre possibilidade, fato e razão (Valsiner, 2014).

A partir dos tipos de signos supracitados, Valsiner (2014) reflete sobre como estes tornam-se signos complexos. Os símbolos são os mais distanciados do objeto que representam por se tratar de uma relação arbitrária. Os índices mantêm uma conexão com o evento representado e os ícones mantém similaridade formal, mas não continuidade, isto é, são desconectados da história do objeto. Deste modo, os signos icônicos e indexicais dominam nossos processos de produção de significações, direcionando-os para uma possibilidade de

transformação do signo material para um signo simbólico. Estes diferentes tipos de signos se combinam para construir mensagens complexas por meio do ato de escrever, quer dizer, este ato constitui um esforço comunicativo, mediado por ferramentas que fornecem as condições para construção de signos complexos (Valsiner, 2014).

Deste modo, compreende-se que signos não ocorrem isoladamente, mas combinam-se originando signos complexos que podem ser usados para variados propósitos. Todas as formas de signos combinados geram mensagens com poder sugestivo de interpretação. A semiosfera é heterogênea e isto é funcional para a adaptação a uma enorme variedade de possibilidades de dar sentido aos dramas da vida humana. (Valsiner, 2014).

A maior parte das conversas diárias das pessoas trazem em si mensagens morais (seja de forma explícita ou implícita). Estas ocasiões funcionam como arenas de microsocialização dos sistemas de significados culturais. Nestas arenas, os eventos microgenéticos promovem valores macrogenéticos que são inseridos no fluir da vida cotidiana (Valsiner, 2014).

Para Valsiner (2014), portanto, os seres humanos constroem tanto suas subjetividades quanto suas ilusões coletivas através de signos. Seres humanos, criam, usam e abandonam signos. Nos atos de comunicação, nós não somente atribuímos signos e fazemos negociações entre falante e ouvinte, mas também adicionamos valores carregados de afetividade ao objeto do qual tratamos na comunicação.

A generalização acontece todo momento em que usamos signos. Isto torna possível uma reflexão psicologicamente distanciada do mundo. Tal reflexão transcende o tempo irrerversível, criando campos sígnicos que vão além das categorias generalizadas: campos de signos hipergeneralizados. Nossa contínua experiência do novo e das situações incertas que vivenciamos, facilita a criação de similaridades que constituem o primeiro passo na direção da distância psicológica. Exemplo disso é quando alguém diz: “Eu me sinto agora como se tivesse 5 anos de idade”. Neste caso, tal pessoa criou uma ponte entre passado e presente (realizou,

assim, um movimento horizontal no tempo irreversível), reposicionando uma experiência presente no passado e trazendo o passado para o presente. Este processo facilita o estabelecimento de signos-hipergeneralizados (Valsiner, 2014).

Assim, o autor considera que os processos de significações acontecem na direção da generalização e que nós precisamos de signos para romper com a concretude das realidades de nossas vidas, podendo retornar para elas de forma diferente. A ruptura dessa concretude nos direciona para a emergência de uma semiosfera que circunda nossos corpos no aqui e agora. Neste sentido, a Psicologia Cultural Semiótica considera modelos de comunicação que ultrapassam a informação dada (Valsiner, 2014).

A Psicologia Cultural de base semiótica considera que a mediação por signos é parte do sistema das funções psicológicas organizadas. Essas funções podem ser intrapessoais ou interpessoais. O primeiro caso refere-se ao funcionamento de processos intrapsicológicos de uma pessoa quanto ao envolvimento em sua experiência do mundo (sentir, pensar, planejar, etc), sendo possível a criação de um “alter ego” em seu próprio sistema intrapsicológico com a realização de diálogos extensos com este. O segundo caso ocorre quando diferentes pessoas estão envolvidas em práticas interpessoais (conversar, lutar, dentre outras) ou quando evitam determinadas experiências. Essas práticas discursivas são mais que mera troca de informações (Valsiner, 2012).

A mediação semiótica também é utilizada no âmbito das instituições sociais, quando estas tentam regular as funções psicológicas das pessoas, tanto inter quanto intrapessoais. De forma geral, as instituições estabelecem regras e criam expectativas de forma que a atividade e a interação situadas transformam os sistemas culturais pessoais. Objetivando seus propósitos particulares, as instituições sociais fazem pleno uso de armadilhas semióticas (Valsiner, 2012). Os seres humanos são capazes de se distanciar de seus contextos de vida imediatos justamente pela sua habilidade e propensão a criar e utilizar recursos semióticos. Assim, uma

pessoa é, simultaneamente, ator imerso em um contexto determinado e agente reflexivo distanciado do cenário no qual está imerso. Com isso, se torna possível ultrapassar as demandas adaptativas do contexto presente, direcionando o desenvolvimento para uma crescente autonomia. O autor salienta que distanciamento psicológico sempre envolve o contexto, isto é, a pessoa não “desaparece” do contexto, mas sim cria uma distância, através da mediação semiótica. Esta reflexão, afetiva e cognitiva ao mesmo tempo, permite a consideração de contextos do passado, a imaginação de contextos futuros e a assunção da perspectiva de outras pessoas. O presente afeta o futuro através da construção pessoal semiótica (Valsiner, 2012).

Os seres humanos também constroem significados de maneiras flexíveis através de seus encontros com seus ambientes. Os lugares, as pessoas nos lugares e as pessoas por si mesmas estabelecem diferentes significados que dependem das configurações existentes. Os significados, assim, consolidam experiências de vida heterogêneas, criando vivências de continuidade no tempo irreversível (Valsiner, 2014).

Através dos signos, as pessoas podem abstrair, mudar, reorganizar suas experiências de variadas maneiras que acabam perdendo os elementos originais. Por meio das hierarquias semióticas, podem-se solucionar duas tarefas opostas: escapar do aqui-e-agora e também não escapar dele. Quando não escapamos, cria-se uma extensão do tempo e a imagem de permanência humana. Desta forma, podemos nos referir a nós mesmos como selves estáveis se movendo por cursos de vida únicos (Valsiner, 2014).

Para Valsiner (2014), todos os lugares que criamos são atos de construção de significações: os espaços privados (como nossas casas) e os públicos; espaços do presente (onde estamos agora) e também aqueles do passado (museus, cemitérios etc) e do futuro (escolas, universidades etc). Existem espaços que relacionam o passado com o futuro (como hospitais e campos de batalha) ou que estendem o presente (como bares, restaurantes, concertos musicais, teatros etc). Todos os lugares são construídos visando propósitos temporários locais. Seres

humanos estão sempre se movendo, isto é, passam por diversos locais que guiam seus processos de construção de significações (não são, assim, somente espaços que direcionam o que se espera das pessoas).

Compreende-se que o desenvolvimento é um sistema aberto no qual a novidade está sempre em processo de vir a ser. O modelo bidirecional de transferência de cultura é o que corresponde à natureza dos sistemas abertos. Diferentemente do modelo unidirecional, que considera a pessoa em desenvolvimento como um recipiente da transmissão cultural, isto é, como passiva em sua aceitação das mensagens culturais, o modelo bidirecional compreende o receptor da mensagem como um agente ativo que realiza uma síntese do que recebe, criando assim, uma nova forma internalizada de mensagem. Neste processo, algumas partes da mensagem são eliminadas e outras são acrescentadas. Deste modo, esse modelo parte da premissa de que todos os participantes estão transformando ativamente as mensagens que recebem, conduzindo em direção de múltiplas possibilidades de reconstrução de mensagens (Valsiner, 2012).