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Simplicidade e riqueza cultural na elaboração da capa e da contracapa

No documento 2008MadalenaTeixeiraPaim (páginas 46-50)

2 O PRIMEIRO MOMENTO DO CONHECIMENTO – ORALIDADE

2.8 O homem da tapioca

2.8.2 Simplicidade e riqueza cultural na elaboração da capa e da contracapa

No caso de Borges, a xilogravura da capa do cordel em estudo (Ilustração 1) comprova a simplicidade do artista em sua composição. Não há qualquer perspectiva12 entre os elementos desenhados, nem mesmo uma proporcionalidade entre os tamanhos dos dois homens e a árvore de mororó13, descrita no cordel como “um pé muito grande” (BORGES, p.2). Na xilogravura em questão, o mororó é apenas um pouco mais alto que os dois homens e apresenta, no que seria sua ramada, uns tantos semicírculos, representando as tapiocas que lhe foram dependuradas.

Ilustração 1 – O homem da tapioca

Quanto às duas figuras masculinas, apresentam as partes do corpo humano (cabeça, tronco e membros) sem uma proporção adequada, sendo a cabeça dos dois homens de tamanho bem maior que o seu próprio tronco. Também alguns dedos das mãos são de um tamanho desproporcional, tomando-se como referência a própria mão. Um deles, à

12 “A invenção da perspectiva na pintura é contemporânea às Grandes Navegações. Ao mesmo tempo que o

pintor estudava as possibilidades de criar a perfeição (reprodução) em seus desenhos, os cartógrafos procuravam mapear, com observância rigorosa, todo o globo terrestre”. (CALABRIA e MARTINS, 1997, p. 105). Dessa forma J. Borges se aproxima ainda mais da oralidade através da sua xilogravura, além do texto escrito.

13 Segundo o dicionário de Houaiss, esse tipo de arbusto apresenta uma altura compreendida entre 1,5m a 3m.

Portanto, pela descrição de Borges, o fato de o pé de mororó ser muito grande fica circunscrito ao máximo de 3m. Não há registro, na descrição dada pelo dicionário, de que o arbusto produza frutos.

esquerda, está vestido com o que poderia ser um terno e usa chapéu, provavelmente representando a figura do português rico.

Já no lado direito da capa está a outra figura, de calças compridas e uma camisa ou camiseta de manga curta. O padrão do tecido da camisa não é liso: há pequenos pontos brancos sobre o fundo escuro, sugerindo menos formalidade na forma de vestir do habitante do sertão. Complementando o traje, o personagem usa na cabeça um boné em lugar de chapéu. Ele é um pouco mais alto que o português e sua figura é mais esbelta também. As personagens representadas na ilustração, pela forma de vestir, representam mundos distintos, espaços sociais díspares, mas que se aproximam graças ao conflito em torno de um objeto determinado: uma árvore especial.

A capa apresenta um aspecto que, dentro das Artes, é conhecido como a lei da

frontalidade14. Apesar de ser apenas parcialmente aplicada na xilogravura da obra, dentro

dessa lei o artista representa os olhos e os ombros sempre voltados para o observador. No caso, os olhos estão desenhados como se estivessem de frente e não de lado; já o resto co corpo está de perfil. Também, de acordo com a lei, o tamanho da figura desenhada é proporcional a sua importância. No caso, o sertanejo é pouco mais alto que o português. Certamente porque J. Borges o considera mais astuto que o estrangeiro, mesmo que este seja mais rico.

No meio dos dois, o desenho de uma árvore que, no decorrer da história se descobre ser um pé de mororó. Já foi mencionado o fato de que se trata, na verdade, de um arbusto, cuja altura máxima é de 3 m. Portanto, há uma desproporção bastante acentuada entre sua representação na capa, onde é apenas um pouco mais alta que os dois homens, e sua descrição interna. Contudo, mais relevante é o fato que a árvore está colocada exatamente entre o português e o caipora, como se fosse elemento de disputa.

A contracapa do cordel (Ilustração 2) é quase toda ocupada por um texto do autor, numa manifestação pessoal a favor da literatura de cordel. Em tipos bastante grandes, as dez linhas do texto abordam três tópicos principais: sobre o autor, sobre a literatura de cordel e um apelo para que as novas gerações não deixem morrer “essa fonte de riqueza cultural”, que é como o autor descreve o cordel.

Inicialmente, J. Borges manifesta seu desejo de que as crianças saibam que o escritor do cordel estudou muito pouco (dez meses). No entanto, diz que teve sua “pequena leitura”

14 “Quanto ao desenho, a lei da frontalidade aparece em quase todas as pinturas. Chamamos de lei da

frontalidade o hábito de se desenhar os olhos e os ombros das pessoas sempre de frente para o observador, mesmo que os pés e a cabeça estejam de perfil. A preocupação era mostrar cada parte do corpo pelo ângulo mais representativo”. (CALABRIA e MARTINS, 1997, p.37)

completada com os livrinhos, segundo ele, classificados como literatura de cordel. Segue- se a lembrança de que essa literatura é muito antiga no Brasil, tanto que o autor a classifica como “secular”.

Ilustração 2 – Contracapa

Ao citar as razões da importância dos cordéis, J. Borges enumera “veículo de comunicação, diversão, ensino, instrução e alimentação de centenas de famílias dos nossos antepassados”. Essa diversidade de motivos leva a pensar que o valor do cordel, para o autor, é muito amplo, indo do educativo ao socioeconômico, entre outros. No interior do Nordeste o cordel ainda mantém um papel vital na comunicação e divulgação de idéias aonde nenhum outro meio, nem mesmo a própria televisão, consegue chegar.

J. Borges sabe da abrangência do cordel; por isso, para ele, o valor do cordel não se restringe ao artístico e literário, como se poderia supor inicialmente. Socialmente, representa fonte de sustento para escritores e suas famílias e, por esse motivo, ao finalizar a nota, J. Borges fornece seu endereço pessoal completo, caso exista interesse na compra de outros cordéis. Como uma literatura situada entre a palavra oral e a escrita, o fato demonstra um vínculo com a sociedade da oralidade, pois se trata de uma produção ainda artesanal, bem como demonstra existir uma preocupação na produção e distribuição dos

cordéis, situação anterior ou até mesmo fora da consolidação do mercado editorial moderno.

No documento 2008MadalenaTeixeiraPaim (páginas 46-50)