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Uma metamorfose do leitor

No documento 2008MadalenaTeixeiraPaim (páginas 108-111)

4 TERCEIRO PÓLO DO CONHECIMENTO – INFORMÁTICO-MEDIÁTICO

4.3 Uma metamorfose do leitor

Resultado direto das características da segunda oralidade, surge, a partir deste momento do conhecimento, um leitor diferenciado dos anteriores. Inicialmente, com o aparecimento da escrita, havia um leitor solitário e meditativo, que se prendia a refletir sobre os manuscritos ou impressos, fossem livros ou mapas, pois se sabia separado (o leitor) pelo tempo e pelo espaço de seus autores, o que o levava a esse isolamento interpretativo, decisivo para o desenvolvimento de um raciocínio diferente daquele praticado na oralidade. Este receptador de escritos, por um lado, imóveis e, por outro, sólidos, tinha consciência de que poderia consultar sempre que quisesse ou fosse necessário aquele material, pois não se modificaria nem desapareceria, em contraste com a fala, totalmente efêmera, o que lhe trazia inúmeras vantagens, especialmente a possibilidade infinita de retorno aos textos.

Com o aparecimento dos jornais (também uma forma de hipertexto em função dos múltiplos recortes), cria-se um novo tipo de leitor, certamente menos contemplativo. Ele precisa ser rápido e ágil para acompanhar o dia-a-dia dos muitos fatos relatados pelos jornais, que, em sua forma simples de narração, não parecem demandar muita reflexão. A cada nova edição do periódico, outros fatos mais recentes são relatados, muitos sem nenhuma conexão com os anteriores e outros ainda como recortes de vidas que fazem notícia por apenas um momento. Nas palavras de Lúcia Santaella, são características desse novo tipo de leitor:

É o leitor apressado de linguagens efêmeras, híbridas, misturadas. Mistura o que está no cerne do jornal, primeiro rival do livro. A impressão mecânica aliada ao telégrafo e à fotografia gerou esse ser híbrido, testemunha do cotidiano, fadado a durar o tempo exato daquilo que noticia. Nasce com o jornal um novo tipo de leitor, o leitor fugaz, novidadeiro, de memória curta, mas ágil. (2006)

Esse leitor não apresenta mais o hábito de retornar ao jornal do dia anterior para a verificação de algum dado ou fato, pois a cada dia surgem novas notícias, que em geral dispensam dados passados. Então, o leitor deve apenas se comprometer com o relato diário e geral, para o que se diz “estar atualizado”, e isso não exige um raciocínio maior ou o uso da memória. Em verdade, sua leitura é referente a uma realidade fragmentada e em constante atualização, o que muitas vezes não lhe traz a sensação da continuidade, como a existente na narrativa dos livros, e ele aprende a ver tudo com uma certa velocidade.

Com o momento mediático-informático e as possibilidades que a computação torna acessíveis ao seu usuário, a figura do leitor modifica-se radicalmente. Ele tem a seu dispor, em qualquer lugar e a qualquer momento, infinitos dados e informações sempre atualizadas, num fluxo e numa velocidade nunca antes possíveis ou imagináveis. Agora se trata de um leitor que, para acompanhar o ritmo deste pólo, deve mover-se com extrema agilidade e rapidez e, mais do que nunca, refletir sobre tudo o que lhe é oferecido. O tempo de concentração do leitor em uma determinada página da internet é muito pouco e sequer pode ser avaliado em minutos: em média, é de oito segundos por página, o que caracteriza a rapidez desse novo leitor. Sua flexibilidade também é testada em todos os momentos, pois ele sabe que as inúmeras conexões disponíveis constroem, cada uma delas individualmente, um caminho diferente, que sempre estará disponível, mas que demanda de seu leitor a lembrança da rota a percorrer cada vez que for repetida.Como assinalam Rettenmaier e Jossemar de Matos,

o centro agora seria quem lê, na posição em que lê, no percurso escolhido como seu. Evidentemente, em meio a tantas variáveis, rompem-se, ao “certo”, as amarras das certezas, violam-se os mapas dos trajetos seguros. Pela itinerância sem rumo e sem destino, sem porto de partida e sem chegada prevista, o sujeito contemporâneo teria se esvaziado em sua essência, sendo definitivamente deslocado do lugar antes ocupado, ainda segundo Diniz, “pela visão racionalista de uma ordem estável, imutável”. (2005, p.154)

Agora não há mais a solidez e a segurança que as páginas dos livros ou dos jornais proporcionavam; é o leitor quem decide o caminho a ser percorrido, necessitando, para isso, interagir com os elementos disponibilizados pela rede. O texto poderá ser sempre novo ou repetir-se, dependendo apenas de sua vontade e de sua interação com as possibilidades colocadas pelos nós. Como afirmado, o leitor passa a ser o centro do processo, muito diferente de seus outros momentos históricos, frente ao livro ou frente ao jornal, quando ele era um receptor, mesmo que exigido na complementação do texto, mas um leitor que recebia uma obra fixada no papel e, de uma certa forma, concluída. Salmito analisa a participação do leitor como uma co-produção:

Num certo sentido, toda obra necessita de uma intervenção de quem a observa ou a ouve. A obra só é apresentada. [...] Trata-se de criação iniciada pelo artista e cujas interferências do público a realizam até mesmo enquanto obra. É como se faltassem pinceladas na tela de Modigliani e o público fosse escolhendo as cores, acrescentando cada traço pessoal. (2001, p. 227-8)

Como o leitor decide o caminho a percorrer, modificou-se a linguagem, quando se fala dele próprio, no pólo informático-mediático. Agora se tem um navegador, não apenas um leitor. Sérgio Capparelli caracteriza o ato de navegar por três ações: aventurar, caçar e bisbilhotar:

e no ato de navegar, o navegador aventura-se; age como um caçador em busca de uma caça precisa; ou bisbilhota as ilhotas durante o percurso, caminha pelas praias dos textos, incursiona nos conteúdos e depois reparte-se para novas navegações; acontece que nem sempre se volta ao porto, indo de um lugar para o outro, [...] (2002, p..99 - grifos nossos)

Esses três verbos usados por Capparelli são originalmente de Mark Heyer e referem- se às ações realizadas pelo navegador em sua trajetória pelo hipertexto. Aventurar-se, caçar ou bisbilhotar diferem da ação de ler, podendo incorporar ao roteiro principal outros textos, dependendo da procura realizada pelo navegador. Em todas elas o ato de leitura está implícito; no entanto, é unicamente dependente da vontade ou do interesse do navegador a sua realização, incorporando ao texto inicial outras possibilidades de leitura.

No documento 2008MadalenaTeixeiraPaim (páginas 108-111)