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4. A internacionalização da proteção dos direitos humanos

4.2. Os sistemas regionais de proteção

4.2.1. Sistema europeu

O sistema europeu é indiscutivelmente o mais desenvolvido dos três principais sistemas regionais de proteção, o que se explica pelo fato de que a Europa é a região em que a inter-relação entre os países, decorrente da formação do “bloco” conhecido como União Europeia, alcançou o estágio mais avançado de evolução.

Outra razão de seu notável desenvolvimento é o fato de que sua concepção remonta ao término da Segunda Guerra Mundial. Também não se pode deixar de

      

77 STEINER, Henry. Regional arrangments: general introduction. Apud PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional, p. 251.

 

reconhecer que os países europeus, por razões históricas, têm, via de regra, instituições mais consolidadas que as dos países integrantes dos demais sistemas regionais.

Nesse sentido, afirma Flávia Piovesan:

Dos sistemas regionais existentes, o europeu é o mais consolidado e amadurecido, exercendo forte influência sobre os demais – os sistemas interamericano e africano.

Nasce como resposta aos horrores perpetrados ao longo da Segunda Guerra Mundial, com a perspectiva de estabelecer parâmetros protetivos mínimos atinentes à dignidade humana. Tem ainda por vocação evitar e prevenir a ocorrência de violações a direitos humanos, significando a ruptura com a barbárie totalitária, sob o marco do processo de integração europeia e da afirmação dos valores da democracia, do Estado de Direito e dos direitos humanos.

A compreensão do sistema europeu demanda que se enfatize o contexto no qual ele emerge: um contexto de ruptura e de reconstrução dos direitos humanos, caracterizado pela busca de integração e cooperação dos países da Europa ocidental, bem como de consolidação, fortalecimento e expansão de seus valores, dentre eles a proteção dos direitos humanos. A Convenção é fruto do processo de integração europeia, e tem servido como relevante instrumento para seu fortalecimento. [...] Observe-se que, diversamente dos sistemas regionais interamericano e africano, o europeu alcança uma região relativamente homogênea, com a sólida instituição do regime democrático e do Estado de Direito. Com a inclusão dos países do Leste Europeu, todavia, maior diversidade e heterogeneidade têm sido agregadas, o que passa a abarcar o desafio do sistema em enfrentar situações de graves e sistemáticas violações aos direitos humanos, somadas a incipientes regimes democráticos e a Estados de Direito ainda em construção.

Ressalte-se que, dos sistemas regionais, é o europeu o que traduz a mais extraordinária experiência de justicialização de direitos humanos, por meio da atuação da Corte Europeia. Isto é, o sistema europeu não apenas elenca um catálogo de direitos, mas institui um sistema inédito que permite a proteção judicial dos direitos e liberdades nele previstos.78

O mais relevante instrumento de proteção do sistema europeu é a Convenção Europeia de Direitos Humanos, adotada pelos Estados-membros do Conselho da Europa (que fora criado ao término da Segunda Guerra Mundial) em 1950. Por meio dessa Convenção, os Estados signatários se comprometeram a aceitar a competência de um tribunal internacional para julgar questões internas e a

      

 

respeitar os direitos humanos nela enunciados (os quais, inicialmente, compreendiam apenas direitos civis e políticos. Os direitos econômicos, sociais e culturais só foram assegurados por meio da Carta Social Europeia, que entrou em vigor apenas em 1965).

O principal órgão jurisdicional do sistema europeu é a Corte Europeia de Direitos Humanos permanente, criada em 1998, em substituição à Comissão e à Corte Europeias então vigentes (que atuavam em tempo parcial e dividiam as tarefas de monitoramento, as quais foram aglutinadas na nova Corte permanente).

A substituição se deu por meio do Protocolo n. 11 da Convenção Europeia de Direitos Humanos, documento que representou substancial avanço na proteção de tais direitos perante o sistema europeu, na medida em que passou a admitir o direito de petição de indivíduos, grupos de indivíduos e ONGs junto à Corte, que possui competências tanto consultivas quanto contenciosas.79

O descumprimento das decisões da Corte pode levar o Estado à expulsão do Conselho da Europa, nos termos dos arts. 3º e 8º de seu Estatuto, salientando Flávia Piovesan, ainda, que

outras pressões, de natureza diversa, devem ser conjugadas para encorajar os Estados ao cumprimento dos parâmetros internacionais. Dentre elas, destaca-se o interesse coletivo em prol da estabilidade na Europa; pressões diplomáticas; interesse em integrar a União Europeia (um good record em Strasbourg é visto como relevante precondição); e o power of shame ou power of

embarrassment pelo risco de ser considerado um Estado-violador

no âmbito do Comitê de Ministros.

      

79 Acerca da competência consultiva da Corte Europeia, observa Flávia Piovesan que “há a restrição

de que tais opiniões consultivas não devam referir-se a qualquer questão afeta ao conteúdo ou ao alcance dos direitos e liberdades enunciados na Convenção e em seus Protocolos, ou mesmo a qualquer outra questão que a Corte ou o Comitê de Ministros possa levar em consideração em decorrência de sua competência. Tal restrição tem sido objeto de agudas críticas doutrinárias, por limitar em demasia a competência consultiva da Corte. Isso explica o porque de a Corte Europeia não ter proferido, até 2005, qualquer opinião consultiva. Nesse aspecto, observe-se que as Cortes Interamericana e Africana de Direitos Humanos apresentam ampla competência consultiva, sem as fortes restrições sofridas pela competência da Corte Europeia, com base no § 2º do art. 47 da Convenção” (in PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional, p. 75-6).

 

Evidentemente, o fato de o sistema europeu ter por âmbito de incidência uma região altamente desenvolvida e que conta com instituições consolidadas ao longo do tempo contribui para a sua eficácia. Como afirma Flávia Piovesan, o

sistema europeu tem revelado alto grau de cumprimento das decisões da Corte, seja por envolver países que tradicionalmente acolhem o princípio do Estado de Direito, seja por expressar a identidade de valores democráticos e de direitos humanos compartilhados por aqueles Estados na busca da integração política, seja ainda pela credibilidade alcançada pela Corte, por atuar com justiça, equilíbrio e rigor intelectual.80

Tais circunstâncias justificam, ainda, a já apontada influência que o sistema europeu exerce sobre os demais. Contudo, como se verá a seguir, pelas próprias peculiaridades inerentes às realidades sobre as quais os sistemas interamericano e africano incidem, tal influência não levou a graus similares de efetividade.