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O arranjo caroço-casca é uma organização de estrutura que merece destaque no que diz respeito a nanomateriais, pela sua capacidade de formar compostos multifuncionais, uma vez que estes podem apresentar propriedades físicas e químicas interessantes, que são oriundas tanto do caroço como da casca que o compõe. Dessa forma, há necessidade de se produzir um sistema hierárquico, para que não se percam as características dos materiais individuais, de modo que sejam evidenciadas outras propriedades provenientes da combinação destes [58,59].

Em materiais do tipo caroço-casca, geralmente o caroço (semicondutor, metal, óxidos magnéticos) apresenta uma propriedade relevante, enquanto que a casca pode servir para estabilizar o caroço, criar compatibilidade entre o caroço e o meio em que a nanopartícula será empregada como, por exemplo, em sistemas biológicos, além de apresentar funcionalidade e promover ligação de moléculas de interesse [59].

Um sistema caroço-casca contendo óxido magnético (magnetita) como caroço e sílica como casca é bastante promissor para diversas aplicações, pois é produzida uma plataforma na qual é possível ancorar moléculas e construir um

sistema multifuncional. Por exemplo, podem-se adsorver metais na superfície ou nos poros da sílica e aplicar em catálise [60], carregar fármacos e realizar sua liberação controlada [4,61], incorporar corantes para marcação celular [62], dentre outras. O caroço magnético nesses casos facilita o direcionamento, remoção e localização do material no sistema a ser aplicado.

A sílica é um material muito versátil, biocompatível e fácil de sintetizar. Quando empregada em sistemas caroço-casca com óxidos magnéticos, a sílica tem a função de proteger o caroço das condições em que o sistema será aplicado [10], como meio ácido, por exemplo, que provocaria a degradação do óxido. A principal rota de obtenção de sílica é pelo método de Stöber [63] baseada na hidrólise e condensação de alcoxissilanos, em que o tetraetoxissilano ou tetraetilortossilicato (TEOS) é o precursor mais utilizado para essa reação.

A funcionalização de sílica pode ser realizada pelo uso de trialcoxissilanos contendo um grupo funcional. De maneira geral, a funcionalização ocorre através dos grupos silanóis (Si–OH) de superfície da sílica, que podem se condensar com os grupos silanóis do precursor alcóxido contendo grupo funcional [37,64]. É muito comum na literatura o uso desses precursores alcóxidos para funcionalização de sílica com grupos amina [65] (-NH2), tiol [66] (-SH), vinil [67] (-CH=CH2), hidreto de

silício [68] (Si–H), entre outros. O arranjo geral de um alcoxissilano com grupo funcional é mostrado na Figura 8, onde é apresentada também a estrutura dos principais alcoxissilanos com grupos funcionais.

A funcionalização da sílica com Si–H, por exemplo, pode ser realizada usando-se o trietoxissilano (TES) ou trimetoxissilano (TMS), que ao condensar seus grupos silanóis, deixam disponíveis grupos Si–H de superfície [68,69]. Outro método que tem sido aplicado para obter sílica funcionalizada é o método de co- condensação, como quando o trietoxivinilssilano (TEVS) sofre hidrólise e condensação junto com o TEOS em apenas uma etapa [70,71]. Alguns fatores devem ser considerados na reação, como efeitos estéricos e indutivos que podem influenciar os processos de hidrólise e condensação, devido aos substituintes orgânicos, acarretando em mudanças na cinética da reação do alcoxissilano com grupo funcional em comparação com a cinética de hidrólise e condensação do TEOS [71]. Os grupos funcionais orgânicos presentes nos alcoxissilanos exercem influência sobre sua reatividade, no grau de reticulação da rede obtida e na tendência de agregação das partículas [72]. Quanto ao grupo funcional na superfície

da sílica, o grupo funcional Si–H pode reagir com ligações duplas (C=C, C=O) e com ligações triplas (C≡C, C≡N) por meio da reação de hidrossililação.

Figura 8 – a) Estrutura dos alcoxissilanos precursores de sílica: TEOS e alcoxissilano com grupo funcional; b) Representação da sílica com grupos funcionais Si–OH de superfície; c) Exemplos de alcoxissilano com grupos funcionais, 1: trietoxivinilssilano, 2: trietoxissilano, 3: mercaptopropiltrietoxissilano, 4: aminopropiltrimetoxissilano.

Além da versatilidade da funcionalização da sílica para ligação química de outras moléculas, existe a possibilidade de tornar a sílica porosa a fim de permitir a incorporação de moléculas de interesse em seus poros. Para obtenção de casca de sílica porosa recobrindo partículas, é comum a formação da sílica pelo método de Stöber, com posterior interação com um agente direcionador que é então removido gerando os poros [4]. Um agente direcionador bastante utilizado é o brometo de cetiltrimetilamônio (CTAB), do inglês cetyl trimethylammonium bromide. Nessa metodologia, geralmente utiliza-se ácido para remoção do agente direcionador.

Entretanto, esse tratamento ácido em materiais contendo magnetita pode ocasionar o ataque ao óxido de ferro, prejudicando suas propriedades.

Outra estratégia que tem sido utilizada na literatura é o ataque à superfície protegida, a fim de evitar a utilização de ácido no meio reacional. Dado que a sílica sofre ataque básico, nessa metodologia sintetiza-se uma camada de sílica densa sobre a superfície da nanopartícula que é então protegida por um composto orgânico, geralmente um polímero como PVP. Após a etapa de proteção, realiza-se o ataque básico com NaOH à sílica, gerando os poros nas regiões em que não há o agente protetor [73-75]. O esquema representativo do ataque à sílica num sistema caroço-casca para geração de poros é mostrado na Figura 9.

Figura 9 – Esquema do método de ataque à superfície protegida do sistema caroço- casca com sílica densa protegida com PVP e ataque com NaOH para a formação dos poros.

Ge et al. [73] produziram um sistema caroço-casca de magnetita com sílica e nanopartículas de ouro usando casca de sílica porosa pelo método do ataque à sílica protegida usando o PVP, e foi possível controlar tamanho de poro e área superficial, à medida em que o tempo de ataque com NaOH é modificado. A obtenção de sílica porosa promove o aumento da área superficial das partículas, que por sua vez, permite a presença de maior quantidade de grupo funcional por massa de sílica e consequentemente aumenta a quantidade de nanopartículas de ouro sintetizadas no interior dos poros. Além disso, é possível promover o armazenamento de fármacos (drug storage) no interior dos poros para posterior liberação.