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Materiais multifuncionais com propriedades luminescentes despertam interesse devido às suas possibilidades de aplicações, principalmente em sistemas biológicos como marcadores luminescentes, sistemas de detecção, imageamento por ressonância magnética, entre outros [76]. Alguns materiais luminescentes têm sido usados em arranjos caroço-casca com óxidos magnéticos [77,78], dentre os quais se destacam aqueles contendo íons lantanídeos.

Na literatura são encontrados trabalhos que mostram a obtenção de materiais com propriedades magnéticas e luminescentes utilizando íons lantanídeos, nos quais a maioria faz a incorporação desses compostos luminescentes por meio de dopagem ou adsorção dos íons lantanídeos [79,80]. Essa estratégia, embora bastante utilizada, possui o problema de riscos de lixiviação indesejada do material durante a sua aplicação. Uma alternativa viável para evitar esse inconveniente é a ligação química entre o composto luminescente e o sistema magnético [81].

A ligação química de complexos de íons lantanídeos em sistemas caroço- casca tem sido relatada na literatura. Por exemplo, podemos citar os trabalhos de Yu et al. [64], no qual um complexo de térbio(III) é ligado a um material caroço-casca de magnetita e sílica, e de Khan et al. [82], que desenvolveram um composto magnético e luminescente, usando magnetita como caroço, cuja casca é composta de um calixareno ligado a complexos de európio(III) e térbio(III). Esses complexos ligados quimicamente ao sistema possuem a vantagem de não sofrer lixiviação.

As propriedades espectroscópicas dos íons lantanídeos são essencialmente associadas aos elétrons dos orbitais 4f, que se encontram blindados pelos orbitais 5s e 5p preenchidos e externos, resultando em baixa interação entre o ambiente químico e os orbitais f. Por este motivo, as transições eletrônicas dos íons lantanídeos resultam em bandas de emissão finas [83]. Pelas regras de seleção, as transições f-f são proibidas por paridade e spin, o que conduz a valores muito pequenos de coeficiente de absorção molar. Para contornar esta desvantagem, é possível aumentar a eficiência de excitação destes íons através da obtenção de complexos contendo uma molécula orgânica ligada ao centro metálico que apresente alto coeficiente de absorção molar e seja capaz de transferir de forma eficiente a energia absorvida. Esse processo é conhecido como efeito antena [84].

Um diagrama de Jablonski com os processos de transferência de energia quando um íon lantanídeo está coordenado a um ligante é mostrado na Figura 10, ilustrando como ocorre o efeito antena. De maneira resumida, os processos envolvidos no efeito antena iniciam com a absorção de energia pelo ligante que transfere para estado tripleto e por sua vez transfere essa energia para o íon lantanídeo que emite radiação com comprimento de onda característico para cada íon. No decorrer desse processo, podem existir outros processos como fluorescência e fosforescência do ligante, além de perda de energia por decaimentos não radiativos [85,86].

Figura 10 – Diagrama de Jablosnki representando os processos observados no efeito antena. As setas sólidas pretas representam absorção de um fóton e as pontilhadas representam as emissões radiativas. As setas onduladas representam as emissões não radiativas de energia. Adaptada da referência [85].

Moléculas que contém osciladores de alta frequência (–OH, –NH, –CH) suprimem a luminescência de complexos de íons lantanídeos uma vez que possuem energia de vibração muito próxima da energia do íon Ln3+ podendo levar à transferência de energia na forma não radiativa (Figura 10). As moléculas de água na esfera de coordenação do complexo são os principais causadores da supressão da luminescência, fato que promove, consequentemente, a diminuição do tempo de vida de emissão [87].

S = singleto T = tripleto

IC = conversão interna ISC = cruzamento intersistema ET = transferência de energia ILCT = transferência de carga

intraligante LMCT = transferência de carga ligante-metal ab so rç ão flu or es cê nc ia IL C T LMC T fo sf or es cê nc ia lu mi ne sc ên ci a Ligante Ln3+ H 2O S1 S2 S0 T1 ISC ET IC υ4 υ3 υ2 υ1 υ0

A escolha dos ligantes em complexos de íons lantanídeos deve ser realizada avaliando-se as propriedades desejadas para o complexo. Se a proposta do material for para aplicações biomédicas, é necessário coordenar o íon central a ligantes multidentados que possam saturar a esfera de coordenação e evitar processos de desativação da emissão por processos não radiativos provocados pelos osciladores de alta frequência como as moléculas de água [86]. Além disso, o uso de ligantes que contenham grupos reativos é interessante, pois pode promover a ligação química do complexo com outros grupos funcionais, moléculas ou mesmo a sua ligação na superfície de nanopartículas.

Complexos de európio(III) contendo ligantes beta-dicetonatos são bastante conhecidos por sua forte intensidade de emissão. Nosso grupo de pesquisa vem estudando propriedades espectroscópicas e aplicações de complexos contendo beta-dicetonas e íons lantanídeos. Recentemente, Gaspar et al. [88] publicaram um trabalho em que complexos contendo tenoiltrifluoroacetonato (tta) como ligante beta-dicetonato possuem aplicação como sensor de oxigênio. Em outro trabalho, publicado por Souza et al. [89], as propriedades fotoluminescentes de novos complexos de Eu3+ e Tb3+ contento a beta-dicetona, acetoacetanilida, foram estudadas. As beta-dicetonas funcionam como bons ligantes “antenas” absorvendo radiação e transferindo para o íon Eu3+ intensificando sua emissão e seu uso influencia diretamente no tempo de vida de emissão do íon Eu3+ [76].

O valor do tempo de vida está diretamente relacionado à forma com a qual a população do nível emissor decai com o tempo. De maneira geral, o tempo de vida é definido como o tempo necessário para que a população do nível emissor decaia em 1/

e

do valor inicial [90]. O tempo de vida de emissão para complexos contendo íons lantanídeos é dependente da temperatura. Quanto maior a temperatura, maior será a influência dos efeitos vibracionais que levam à diminuição do tempo de vida de emissão, e essa diminuição é influenciada pela dependência da temperatura com as taxas de transferência e retrotransferência [76,90,91]. Devido a essa propriedade, complexos de európio(III) têm sido bastante utilizados como sonda de temperatura, como no trabalho de Yu et al. [92] no qual obtiveram uma boa sensibilidade dos complexos de európio(III) e térbio(III) frente a variação de temperatura em função do tempo de vida na faixa de temperatura de 0 a 70 °C.

O tempo de decaimento de um estado excitado τ (tempo de vida) é constituído de componentes radiativas e não radiativas, como mostra a Equação 3.

Equação 3 -

onde AT é a taxa total de decaimento e ARAD e ANR são as taxas de decaimentos

radiativos e não radiativos, respectivamente.

A presença de osciladores de alta frequência, como grupos –OH, provocam diminuição tanto na intensidade de emissão quanto no tempo de vida de emissão [90], pois contribuem com as taxas de decaimento não radiativo na equação do tempo de vida.

A obtenção de um sistema multifuncional contendo complexos de íon lantanídeos ligados covalentemente passa pela funcionalização do sistema em que o complexo será ligado (sílica, por exemplo), e também deve atender ao requisito do complexo conter um grupo reativo para permitir a ligação. Por exemplo, um complexo com ligantes contendo grupos vinil pode ser ligado quimicamente a um sistema que possui ligações Si–H através da reação de hidrossililação, que é uma reação de adição de hidreto de silício (Si–H) a carbono insaturado (C=C) que é catalisada por platina, seguindo o mecanismo de adição oxidativa e eliminação redutiva [93].

Neste sentido, o uso complexo luminescente no sistema multifuncional magnético e luminescente visando aplicações biomédicas tem duas finalidades, uma relacionada ao sensor de temperatura pelo tempo de vida de emissão, que pode ser usado para monitorar a temperatura de aquecimento por hipertermia. A outra diz respeito ao potencial do complexo no uso de imageamento celular, para localização do sistema multifuncional durante sua aplicação.

1.5 Aplicações biomédicas da magnetita e do sistema magnético e