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De um ponto de vista químico um sólido pode ser considerado como uma grande molécula. Porém, para o estudo das propriedades cristalinas faz-se necessário levar em conta, de forma explícita, a natureza infinita do sistema. Todavia, a densidade de 1023 átomos/cm3 faz com que simplificações sejam necessárias para reduzir o tamanho do problema a ser tratado. Se o sistema for periódico uma escolha direta são as condições periódicas de contorno.

No que diz respeito ao conceito de sistemas materiais periódicos, temos que os átomos ocupam posições regularmente distribuídas no espaço, o que dá origem a uma rede regular, que é chamada de rede cristalina. Assim, para o caso de sólidos cristalinos, temos que a estrutura cristalina pode ser descrita em termos de uma rede de Bravais, com um grupo de átomos (os átomos da base), ligados a cada ponto da rede. Dessa forma é possível entender o cristal como uma coleção de células unitárias justapostas, preenchendo todo o espaço disponível. A célula unitária de menor volume possível é denominada célula primitiva.

A célula unitária primitiva representa a menor parte não equivalente do cristal, a partir da qual, através de transformações de simetria do grupo espacial da rede de Bravais, leva ao preenchimento completo de todo espaço e, conseqüentemente, a constituição completa do cristal. Segundo o teorema de Bloch é possível associar ao sistema assim formado um

potencial, V, (o potencial externo atuando sobre os elétrons) que segue a periodicidade da rede, V(rR)V(r), onde Rn1a1n2a2n3a3 é o vetor de translação da rede cristalina e

i

a são os vetores da célula unitária.

Esse potencial pode ser escrito através de uma série de Fourier, dada em termos de um conjunto de vetores especiais (vetores de onda, k), que são os vetores da rede recíproca, que formam um subconjunto dos vetores do espaço recíproco. Assim, a existência de uma rede no espaço real implica na existência de uma rede no espaço recíproco. Como na rede no espaço real, o conteúdo não-equivalente do espaço recíproco estará contido na célula unitária da rede recíproca, conhecida como 1° Zona de Brillouin (ZB), que possui volume .

Define-se G como um vetor da rede recíproca que consiste em uma combinação linear dos vetores primitivos da rede recíproca b1, b2 e b3: Gn1b1n2b2n3b3, com n , 1 n 2

e n sendo coeficientes inteiros. Vetores de onda no espaço recíproco 3 k definidos dentro da 1° ZB têm uma estrutura periódica cujos vetores de rede fundamentais, bi

, são relacionados aos vetores do espaço real (direto) ai, como segue:

ij j i a b  2  , i, j = 1, 2, 3. (2.125)

Por conseguinte, toda problemática envolvida na resolução das equações de KS para o cristal, pode ser simplificada a partir da associação, a cada estado do sistema, de vetores de onda k dentro da 1° ZB do espaço recíproco. Assim, dada uma estrutura cristalina qualquer, esta terá associada a si uma rede de Bravais (espaço real) e, uma rede recíproca (espaço recíproco). Passa a ser conveniente identificar cada orbital cristalino com: (a) um vetor k do espaço recíproco dentro da 1° ZB e (b) o índice i , para representar os autovalores para um dado k na ZB. Os orbitais de KS ficam representados por: i( kr,) e os autovalores por

) (k i

 .

O Hamiltoniano eletrônico e todas as quantidades físicas que descrevem o sistema periódico também possuem a invariância translacional da rede e isto permite que o uso do teorema de Bloch transforme o problema da determinação de infinitas funções de onda em um problema em que se busca um número finito de funções de onda, mas com infinitos pontos k. A função de onda pode então ser escrita como funções de Bloch:

) , ( ) , (r k eikrui r k i         . (2.126)

Ainda, segundo o teorema de Bloch, as soluções do Hamiltoniano de um elétron, devem obedecer a relação: (r R,k) e i(r,k)

R k i i        

. A translação por um múltiplo de um vetor de rede introduz uma modulação da fase da função de onda com a periodicidade do espaço de rede real, isto é,

2 2 ) , ( ) , (r R k i r k i         . (2.127)

As condições periódicas de contorno são muito usadas nos cálculos de primeiros princípios e também serão usadas neste trabalho. Para sistemas periódicos, como sólidos, as condições periódicas de contorno são as primeiras simplificações a serem usadas (Makov & Payne, 1995). Caso o sistema não possua periodicidade, as condições periódicas de contorno ainda podem ser empregadas, mas agora a uma supercélula periódica, contendo as particularidades do sistema. Por exemplo, para o caso de um defeito em um cristal, a supercélula deve englobar o defeito e a região cristalina em volta do mesmo. Sendo essencial incluir uma região cristalina suficiente na supercélula de maneira que um defeito não interaja com sua imagem na supercélula vizinha. Nos casos de superfícies, moléculas e clusters as condições periódicas de contorno também podem ser aplicadas. Para tanto, é necessário que a supercélula contenha região de vácuo, nas direções não-periódicas, que seja suficiente para não haver interação entre células vizinhas.

Assim, na resolução das equações de KS, infinitas funções de onda deveriam ser calculadas e, como elas se estendem por todo o espaço, uma base infinita deveria ser utilizada. Devido à periodicidade, condições de contorno passam a ser válidas e o teorema de Bloch permite uma simplificação nos cálculos. As funções de Bloch podem ser expandidas em qualquer conjunto de funções de base. Somente para exemplificar, vamos utilizar ondas planas: r G k i E G k G i i r k C k G e c        ( ). ) ( 1 ) , ( 2 2 1      

 , (2.128)

onde k é o vetor de onda na primeira ZB,  é o volume da célula unitária e G é o vetor no espaço recíproco. A substituição da expressão (2.128) na equação de KS resulta em uma equação para os coeficientes Ci(kG). Assim, o problema agora consiste em encontrar este conjunto de coeficientes de maneira a minimizar a energia total do sistema.

Em princípio i( kr,) deve ser calculado a partir de uma soma de infinitos valores de

)

(GGc , desde que a energia total do sistema seja obtida com uma precisão pré-definida. Na verdade, somente funções de onda com energia cinética menor do que uma certa energia de corte é que são empregadas na base,

c E G k 2  2 1   . (2.129)

Em outras palavras, um número infinito de ondas planas seria necessário para a expansão. Porém, os coeficientes Ci(k G)

 

 para ondas planas com pequenos vetores da rede recíproca, são tipicamente mais importantes do que os coeficientes para grandes vetores da rede recíproca. A expansão pode ser truncada para a inclusão somente das ondas planas que possuem vetores recíprocos menores que uma energia de corte particular. A representação dos orbitais de KS pode ser melhorada aumentando o número de ondas planas para grandes vetores da rede recíproca.

As somas sobre os estados eletrônicos que definem muitas quantidades físicas, na verdade correspondem às integrais sobre a ZB. Usando a simetria do cristal, a integração pode ser convenientemente confinada em uma região menor da ZB, a assim chamada ZB irredutível (ZBI). Em decorrência do uso do teorema de Bloch, surge a dificuldade de calcular integrais sob um número infinito de pontos k

na ZB. Porém, como as funções de onda para pontos k próximos são semelhantes, é possível representar as funções de onda sobre uma mesma região do espaço recíproco, por funções de onda em um único ponto k desta região. Os estados eletrônicos são determinados por um número finito de pontos k na ZB e, assim, pode-se substituir a integração por uma soma ponderada sobre alguns pontos, que são chamados de pontos especiais,

 

 ZB k ik w 1 . (2.130)

Quanto maior e mais representativo o número de pontos k, maior a precisão do cálculo. Se a célula unitária utilizada no espaço real for grande, poucos pontos k podem ser usados, já que a célula no espaço recíproco será pequena. Portanto, a geometria e o tamanho da célula unitária também influenciam no número de pontos k.

Existem técnicas de pontos especiais de integração, que permitem realizar a integração do espaço recíproco usando geralmente um pequeno conjunto de vetores de onda k na ZBI. Estes pontos podem ser escolhidos de acordo com diferentes técnicas e em geral a precisão do método pode ser checada pela convergência das propriedades físicas de interesse. O trabalho

de Monkhorst & Pack (1976) sistematizou a escolha de pontos especiais dentro da ZB, de modo que é possível o cálculo das integrais levando em consideração apenas alguns pontos especiais da ZB, ao invés de uma integração sobre infinitos pontos. As técnicas de pontos especiais são muito eficientes na descrição de semicondutores ou isolantes, mas dão resultados pobres quando diretamente aplicados a metais. Isto acontece porque a região em torno do nível de Fermi precisa ser amostrada com bastante precisão e em geral um grande número de vetores é requerido.