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2. DOCÊNCIA E APRENDIZAGEM ESCOLAR: PROCESSOS DIALÓGICOS DE

2.2. Situação de Estudo e os documentos que orientam a construção curricular no Ensino de

A SE sugere uma construção curricular para o ensino de CN que visa atender as demandas propostas pelos documentos orientadores da Educação Básica (PCN-CN) (BRASIL, 1999); PCN+ (BRASIL, 2002), DCN (2013), OCNEM (BRASIL, 2006) e a própria LDBEN (BRASIL, 1996). A proposta prioriza abordagem, seleção e organização dos conteúdos a serem estudados, de forma interdisciplinar e contextualizados, utilizando uma temática, a qual deve estar vinculada a uma situação real da vivencia dos alunos. Conforme Maldaner (2007a), a SE permite que “sejam significados os conhecimentos científicos contemporâneos, uma decorrência natural quando se estuda uma situação concreta e as soluções tecnológicas atuais” (p.249).

De modo geral as políticas curriculares, assim como a SE, buscam a constituição de um sujeito atuante na sociedade, e para isso o ensino:

Tende em engendrar o projeto de formar novas qualidades nos estudantes, visando a dar conta das mudanças no conhecimento. A demanda por determinadas competências relacionadas à criatividade, à flexibilidade, ao trabalho em equipe e à capacidade de solução de problemas é característica facilmente identificável nos discursos que projetam tais mudanças no conhecimento (ABREU; LOPES, 2010, p. 78).

Em uma nova concepção de Educação Básica no Brasil após a promulgação das LDBEN/96, emerge ao mesmo tempo os PCN (BRASIL, 1999) e os PCN + (BRASIL, 2002) e mais recentemente o Governo do Rio Grande do Sul lança o Ensino Médio Politécnico (ES/RS 2011), que dão subsídios para a organização curricular da escola investigada. Esses documentos estabelecem orientações mais concretas e voltadas para uma mudança curricular no ensino básico, reforçando as exigências apontadas em Lei, na busca por um ensino de qualidade e equidade nas escolas públicas do Brasil. As propostas giram em torno de um currículo que vise o desenvolvimento de competências básicas aos educandos e autonomia e não ao acúmulo de conteúdos (BRASIL, 1996). Sendo assim:

Nos PCNEM, por sua vez, a interdisciplinaridade é definida coo forma de interação entre os diferentes tipos de conhecimento e de ciências. É argumentado, neste documento, que muitos conceitos não pertencem exclusivamente a uma determinada ciência ou contexto e por isso devem ser tratados sob uma ótica global. (ABREU e LOPES, 2010, p. 83).

Com a LDB nº 9.394/96 a diversidade curricular, bem como as características socioculturais de cada comunidade escolar e a igualdade quanto ao acesso e ao conhecimento escolar são questões orientadoras dos currículos para a Educação Básica. Diante disso, foi

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inserido ao currículo uma base comum com disciplinas obrigatórias para o desenvolvimento escolar e científico dos estudantes e ainda uma parte diversificada, que auxilia na formação dos princípios morais e éticos dos mesmos. No intuito de fixar melhor as intenções de reforma curriculares propostas pela LDB, as orientações curriculares incorporam quatro eixos que auxiliam a estruturação curricular da Educação básica: “aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver, aprender a ser” (BRASIL, 1999, p. 14).

As propostas destacam o papel importante da contextualização e interdisciplinaridade como possibilidades inovadoras de ensino. Reafirmando a organização de uma base comum ao currículo, os PCNs trabalham na perspectiva de reorganização curricular, agrupando disciplinas em áreas do conhecimento com o “objetivo de facilitar o desenvolvimento dos conteúdos, numa perspectiva de interdisciplinaridade e contextualização” (BRASIL,1999, p.7), promovendo assim a interdisciplinaridade e a significação conceitual. Nesse aspecto, os PCNs evidenciam a capacidade de desenvolver nos estudantes a aprendizagem significativa, a qual:

não implica permanecer apenas no nível de conhecimento que é dado pelo contexto mais imediato, nem muito menos pelo senso comum, mas visa a gerar a capacidade de compreender e intervir na realidade, numa perspectiva autônoma e desalienante. Ao propor uma nova forma de organizar o currículo, trabalhado na perspectiva interdisciplinar e contextualizada, parte-se do pressuposto de que toda aprendizagem significativa implica uma relação sujeito-objeto e que, para que esta se concretize, é necessário oferecer as condições para que os dois polos do processo interajam (BRASIL, 1999, p. 22).

Neste sentido, a SE desenvolvida na escola inserida nesta pesquisa procurou trabalhar esses aspectos evidenciados pelos PCN, estabelecendo momentos dialógicos entre os sujeitos. Isso favoreceu o estabelecimento de uma relação entre sujeito-objeto estimulando o desenvolvimento da autonomia dos estudantes. Para complementar e esclarecer melhor as competências e habilidades que as disciplinas escolares devem desenvolver nos educandos, os PCN+ (BRASIL, 2002) são inseridos às novas propostas, abrangendo questões referentes aos conteúdos, processos de ensino e de aprendizagem e de avaliação do desempenho dos estudantes.

A concepção de conhecimento escolar influi no processo de organização curricular, pois “toda a ação educativa é intencional. Daí decorre que todo processo educativo fundamenta-se em pressupostos e finalidades, não havendo neutralidade possível nesse processo” (BRASIL, 2013, p. 182). Desta forma, o planejamento curricular deve estar vinculado ao contexto histórico-cultural em que a escola e seus sujeitos se inserem na sociedade. As orientações de acordo com as diretrizes curriculares são: i) a ação de planejar

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implica na participação de todos os elementos envolvidos no processo; ii) a necessidade de se priorizar a busca de unidade entre teoria e prática; iii) o planejamento deve partir da realidade concreta e estar voltado para atingir as finalidades legais do EM e definidas no projeto coletivo da escola e; iv) o reconhecimento da dimensão social e histórica do trabalho docente (Idem).

Desta forma, as organizações dos currículos necessitam integrar atividades interdisciplinares e transdisciplinares, considerando a transversabilidade como proposta temática de trabalho (Idem, p. 184). Mais recentemente o Plano de Governo 2011-2014 do Rio Grande do Sul estabeleceu uma proposta de reestruturação do EM, introduzindo a educação politécnica como objetivo de formação que estabelece uma relação entre trabalho e educação, priorizando “a democratização da gestão, do acesso à escola, ao conhecimento com qualidade cidadã; à aprendizagem e ao patrimônio cultural, e a permanência do aluno na escola, além da qualificação do Ensino Médio e Educação Profissional” (RS/ES, 2011, p.3). O documento enfatiza a educação democrática e igualitária e tem como objetivo uma mudança no paradigma educacional deste nível de ensino, até então voltado para a continuidade dos estudos, ou seja, com características propedêuticas, no sentido de preparar os estudantes para o vestibular. Este novo paradigma institui o EM que qualifique os jovens para atuarem no mundo social e do trabalho de forma competente e cidadã, conforme expresso no documento:

A proposta basicamente se constitui por um ensino médio politécnico que tem por base na sua concepção a dimensão da politecnia, constituindo-se na articulação das áreas de conhecimento e suas tecnologias com os eixos: cultura, ciência, tecnologia e trabalho enquanto princípio educativo. Já a educação profissional integrada ao ensino médio se configura como aquisição de princípios que regem a vida social e constroem, na contemporaneidade, os sistemas produtivos (RS/ES, 2011, p. 4).

A proposta se constitui em um ensino interdisciplinar, que priorize o conteúdo social e que dê oportunidade de inserir os sujeitos na vida social, tendo como eixos Cultura, Ciência, Tecnologia e Trabalho, como refere o documento:

O mundo contemporâneo constitui-se por relações sociais e de produção de caráter excludente, que resultam das formas capitalistas de produção e reprodução da existência e do conhecimento. Nesse contexto, torna-se urgente a reestruturação da educação profissional, tendo em vista a ampliação das possibilidades de inclusão no mundo do trabalho e, por essa via, o acesso aos direitos básicos da cidadania. Para tanto, torna-se necessário construir um currículo que contemple ao mesmo tempo as dimensões relativas à formação humana e científico/tecnológica, de modo a romper com a histórica dualidade que separa a formação geral da preparação para o trabalho (RS/ES, 2011, p.13).

A construção curricular do EMP deve contemplar aspectos legais e políticos, dessa forma agrega:

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− uma formação geral sólida, que advém de uma integração com o nível de ensino fundamental, numa relação vertical, constituindo-se efetivamente como uma etapa da Educação Básica,

− uma parte diversificada, vinculada a atividades da vida e do mundo do trabalho, que se traduza por uma estreita articulação com as relações do trabalho, com os setores da produção e suas repercussões na construção da cidadania, com vista à transformação social, que se concretiza nos meios de produção voltados a um desenvolvimento econômico, social e ambiental, numa sociedade que garanta qualidade de vida para todos (RS/ ES, 2011, p. 22).

Na escola envolvida neste processo investigativo, a introdução da proposta curricular do EMP também buscou contemplar o trabalho como princípio educativo nos currículos escolares, o qual cria possibilidades de inserir o conhecimento científico-tecnológico, trabalhar de forma interdisciplinar as áreas do conhecimento juntamente com a parte diversificada que compreende as áreas humanas-tecnológicas-politécnica, articulando-as de maneira a auxiliar a formação para o mundo do trabalho. Integra o currículo do EMP o Seminário Integrado, o qual deveria ser trabalhado articulando a formação geral e diversificada, fazendo uma interlocução entre as áreas, por meio de projetos que fomentam a pesquisa e o trabalho coletivo, conforme comenta Fabiane:

Tu lança o tema geral da escola, digamos, todos os professores vão sentar e escolher um tema, e aí o que vai acontecer? Cada um senta na sua disciplina e pensa dentro deste tema, o que eu professor de Física posso trabalhar, pro 1º, pro 2º e 3º ano, daí você elenca... ela de química, vai sentar e daí tu coloca tipo um mapa conceitual, com todos os conceitos que tu pode trabalhar dentro daquele tema e depois os professores vão desenvolvendo vai indo suas aulas. Tu já pensa nos teus conceitos, nos teus conteúdos ali, e daí tu vai desenvolvendo... e daí o seminário entra como projeto de pesquisa (Encontro, p.77, 2014).

O ensino politécnico oportuniza trabalhar temáticas diferenciadas dentro do contexto dos conteúdos escolares, aliando a interdisciplinaridade, pesquisa e práticas. Em relação a politecnia, Saviani (1989) destaca que:

Trata-se de organizar sim, oficinas, quer dizer, processo de trabalho real, porque a politecnia supõe a articulação entre o trabalho manual e o intelectual. Isto será organizado de modo a que se possibilite a assimilação não apenas teórica, mas também prática, dos princípios científicos que estão na base da organização moderna. Aqueles princípios científicos que o aluno já conheceu a partir do primeiro grau, aquelas noções das Ciências da Natureza, das Ciências Sociais, que ele assimilou em seu sentido teórico, como expressão do modo como a natureza está constituída, como se comporta e do modo como a sociedade está constituída, como se comporta, agora ele terá que compreendê-los não apenas no seu caráter teórico, mas também no seu funcionamento prático, numa compreensão teórica e prática desses princípios (SAVIANI, 1989, p. 18).

Portanto, a ideia de politecnia, como orientadora para a organização dos currículos do EM envolve a articulação de trabalho intelectual, profissional e uma formação humana,

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propiciando aos educandos a compreensão teórica e prática dos conteúdos propostos, os quais são inseridos de acordo com o contexto de cada situação. No entanto, como destacado pelas professoras existe muitas barreiras para que este tipo de ensino, através da politecnia, permita condições de aprendizados, pois de acordo Fabiane “o maior problema que eu vejo do seminário, é que ele é inverso, nós não temos todos os alunos, como numa turma de 36 vem 9. Ai não tem as vezes como fazer um trabalho conceitual porque os outros ficam fora” (Encontro, p.20, 2014).

Diante desta proposta de EMP que a escola estava inserida, a SE desenvolvida contribuiu ainda mais para a mobilização dos conhecimentos científico-escolares em uma perspectiva de interdisciplinaridade e contextualização. Isto porque essa proposta se constitui atentando ao princípio de reorganização curricular, buscando materializar as orientações estabelecidas em documentos descritos anteriormente, os quais destacam a necessidade de (re)construção dos programas de ensino nas escolas com base nos eixos: interdisciplinaridade e contextualização. Os conteúdos escolares nessa perspectiva se insiram nas aulas a partir de temáticas que se articulem as disciplinas e aos conhecimentos específicos de cada uma, considerando um objeto de estudo que seja real e contextual (BRASIL, 2002).

Deste modo a SE desenvolvida na escola exigiu trabalho coletivo, conexões entre as diferentes disciplinas escolares e contexto dos estudantes, destacando a importância das interações histórico-culturais e significação conceitual na aprendizagem de CN. Segundo Maldaner e Zanon (2001) a SE parte de:

situação real (complexa, dinâmica, plural) e conceitualmente rica, identificada nos contextos de vivência cotidiana dos alunos fora da escola, sobre a qual eles têm o que dizer e em cujo contexto, eles sejam capazes de produzir novos saberes, expressando significados e defendendo seus pontos de vista (p. 57).

A SE se configura em uma situação vivencial dos estudantes. Nela, os conceitos são mediados considerando a teoria sócio-histórica-cultural, para que nesse sentido os alunos “sejam capazes de produzir novos saberes, expressando-lhes significados e defendendo seus pontos de vista”. (MALDANER; ZANON, 2004, p. 57). Ao abordar em sala de aula aspectos cotidianos, os estudantes poderão interagir melhor nas discussões, rompendo com a tradição linear dos conteúdos escolares. Maldaner (2007a) comenta que a SE deve ser breve, com duração de um trimestre ou bimestre, para contemplar um número pequeno de conceitos centrais, que devem ser intencionalmente direcionados aos alunos.

Emerge da ideia de que os conceitos devem ser apresentados aos estudantes, partindo de algo real do seu cotidiano, seja um fato local ou até mesmo mais abrangente, pois com os

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meios de comunicação todos tem acesso às informações e tudo que acontece no mundo. A partir dessa vivência, os conceitos são trabalhados em um problematização inicial, onde todos os estudantes podem “dizer algo”, e desta forma “transacionar apenas significados iniciais para conceitos que aparecem pela primeira vez, podendo evoluir no desenvolvimento das SEs; estimular a produção criativa e coletiva dos estudantes sobre o entendimento da situação estudada como uma totalidade” (MALDANER, 2007a, p. 249).

Analisando o que é proposto nos documentos que orientam as reformas dos currículos escolares para a Educação Básica, a SE abrange as especificações dos mesmos. Para contemplar tal proposta, o currículo da escola foi repensado considerando as implicações culturais e sociais dos indivíduos ali inseridos. Buscou-se, com isso, ressaltar a importância dos conteúdos escolares específicos e o papel do professor como mediador deste processo, para um ensino mais coerente com as orientações e parâmetros que permeiam o ensino de CN na educação básica.

A análise desses documentos me leva a concluir que tais propostas permitem ao professor a produção de autonomia em relação ao currículo. Nesse sentido, Maldaner (2007 b) chama atenção para o fato de que “os professores que já estão em serviço veem-se diante de mudanças culturais que alteram comportamentos, mudam valores e desencadeiam necessidades que desconhecem e para as quais não foram preparados” (p.211). O mesmo autor adverte, também, que os cursos de formação docente ainda não conseguem atender o que os documentos propõem como reforma para a Educação Básica.

Nóvoa (1992, p. 25) ressalta que “a formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal”. Neste sentido, a formação docente remete a consolidação profissional e também pessoal, e que “assumam a responsabilidade do seu próprio desenvolvimento profissional e que participem como protagonistas na implementação das políticas educativas” (p.28). Diante das adversidades, ocorre que muitas vezes os professores novatos se desestimulam e acabam apelando para métodos tradicionais de ensino, tendo apenas livros didáticos como referencial para o trabalho docente que passam a desenvolver.

No que se refere às reformas e propostas de organização curricular na Educação Básica no Brasil, por se tratarem de uma necessidade coletiva, muitas vezes acabam não atendendo a heterogeneidade dos sujeitos de determinado contexto, e nesse sentido gera certo transtorno nas comunidades escolares, as quais não se engajam como deveriam e as propostas

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passam a ser desacreditadas e não utilizadas nas escolas. A SE, por partir de um contexto real dos estudantes é, no entanto, uma proposta curricular organizada a partir das orientações de documentos que regem a educação básica, enfatizando a interdisciplinaridade, e valorizando os conceitos cotidianos dos estudantes através de temáticas que contribuem para a evolução conceitual, balizada na abordagem histórico-cultural que discuto no item que segue.

2.3. Aprendizagem conceitual e trabalho educativo na perspectiva da teoria histórico-