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CAPÍTULO 4 TEORIA DA COMPLEXIDADE: ROMPENDO O PARADIGMA

4.6 SOBRE ENSINAR A COMPREENSÃO

Uma das finalidades essenciais da educação remete-se ao ensinar e aprender a compreensão, entendendo que a compreensão mútua é meio e fim de qualquer comunicação humana constituindo-se em uma necessidade básica para o respeito às diferenças e para a solidariedade.

Para Morin (2000, p. 94), “a comunicação não garante a compreensão”, uma vez que mesmo que a informação seja bem transmitida, acarreta a inteligibilidade, condição necessária, mas não suficiente para a compreensão. Afirma ainda que:

Há duas formas de compreensão: a compreensão intelectual ou objetiva e a compreensão humana subjetiva. Compreender significa intelectualmente apreender em conjunto, comprehendere, abraçar junto (o texto e seu contexto, as partes e o todo, o múltiplo e o uno). A compreensão intelectual passa pela inteligibilidade e pela explicação. (MORIN, 2000, p. 94)

Entretanto a compreensão humana vai além da explicação, visto que compreender inclui necessariamente um processo de empatia, simpatia e generosidade, elementos que a explicação não contempla posto a sua característica objetiva. O autor evidencia que de todos os saberes, a compreensão humana lhe parece o mais importante, pois:

Compreender não é o mesmo que explicar, explicar é uma coisa objetiva. Compreender é perceber os vários lados de uma pessoa, os vários ângulos de um problema. A compreensão necessita de um movimento de empatia. O mais grave é que na vida, na nossa vida cotidiana, desenvolvemos muito pouco a compreensão. Onde está a compreensão em relação aos estrangeiros, aos povos culturalmente distintos de nós? (MORIN, 2012, p. 36)

Morin aponta ainda sobre a necessidade de educar para ultrapassar os obstáculos exteriores à compreensão, nos quais estão presentes o “ruído” (Morin, 2000, p. 95) que gera mal-entendido ou o não- entendido; a polissemia, trazendo a ideia de que uma palavra pode significar diferentes usos, valores, crenças, ou seja, toda a contribuição das humanidades; a ignorância dos ritos e costumes do outro; a incompreensão dos Valores; a incompreensão dos imperativos éticos próprios a uma cultura; a impossibilidade de compreender as ideias ou argumentos de outra visão de mundo ou outra filosofia, e enfim e sobretudo, “a impossibilidade de compreensão de uma estrutura mental em relação a outra”. (MORIN, 2000, p. 96)

Ao apontar esses obstáculos à compreensão, o autor evidencia que, além da indiferença encontram-se também o egocentrismo, o etnocentrismo e o sociocentrismo. Ao tratar do egocentrismo, Morin (2012, p. 37) afirma que “o egocentrismo é uma coisa vital”, significa a possibilidade de ser eu mesmo, e o princípio gerador da comunidade que se inicia. Para Morin (2000, p. 97) o egocentrismo:

[...] amplia-se com o afrouxamento da disciplina e das obrigações que anteriormente levavam à renúncia aos desejos individuais, quando se

opunham à vontade dos pais ou cônjuges. Hoje a incompreensão deteriora as relações pais-filhos, marido-esposas. Expande-se como um câncer na vida cotidiana, provocando calúnias, agressões, homicídios psíquicos (desejos de morte). O mundo dos intelectuais, escritores ou universitários, que deveria ser mais compreensivo, é o mais gangrenado sob o efeito da hipertrofia do ego, nutrido pela necessidade de consagração e de glória.

O etnocentrismo e o sociocentrismo podem despojar o estrangeiro da qualidade de ser humano, tendo em suas bases as premissas da autojustificação, da incapacidade de se autocriticar, dos raciocínios paranoicos, da arrogância, da recusa, do desprezo e da fabricação e condenação de culpados. Segundo Morin (2000, p. 98) “a incompreensão produz tanto o embrutecimento quanto este produz a incompreensão”.

Uma outra referência defendida pelo autor remete ao fato de que, ao reduzir o conhecimento do complexo ao de um dos seus elementos como mais significante, corre-se o risco de se estabelecer um modo de pensar dominante, redutor e simplificador. Para Morin (2000, p. 99) “a possessão por uma ideia, uma fé, que dá a convicção absoluta de sua verdade, aniquila qualquer possibilidade de compreensão de outra ideia, de outra fé, de outra pessoa”, ou seja, é importante que exista a ética da compreensão.

No entendimento de Morin (2000, p. 99) “a ética da compreensão pede que se compreenda a incompreensão”, esperando ações que argumentem, que refutem ao contrário de excomungar e que reconheçam os erros, desvios e ideologias diversas, considerando nas palavras de Morin (2000, p. 100) que “se soubermos compreender antes de condenar, estaremos no caminho da humanização das relações humanas”.

A compreensão do outro requer ainda que tenhamos a consciência da complexidade humana, aprendendo com outro, à medida que nos encontramos, com o que Morin (2000, p. 101) denomina de “abertura subjetiva” (simpática) em relação ao outro.

Essa abertura favorece as relações, supondo a manifestação da convicção, da fé, da escolha ética, e “ao mesmo tempo aceitação da expressão das ideias, convicções, escolhas contrárias às nossas”. (MORIN, 2000, p. 102). Complementando essa afirmação, o autor destaca que:

A compreensão é ao mesmo tempo meio e fim da comunicação humana. O planeta necessita, em todos os sentidos, de compreensões mútuas. Dada a importância da educação para a compreensão, em todos os níveis educativos e em todas as idades, o desenvolvimento da compreensão necessita da reforma planetária das mentalidades; esta deve ser tarefa da educação do futuro. (MORIN, 2000, p. 104).

Nesse sentido, a educação se realizaria tendo por base o entendimento de que somos iguais, enquanto sujeitos, no espaço público, com nossas liberdades, opções culturais, dentro dos direitos que como sujeitos nós temos. Educar para o futuro, na perspectiva de Morin, aponta para o esforço em superar a ideia de que somente o progresso e aceleração do saber técnico- científico garantirão o avanço da sociedade. Mas sim, acreditar que necessitamos considerar o desenvolvimento humano, moral e ético, como caminho para um novo horizonte.

4.7 SOBRE A ÉTICA DO GÊNERO HUMANO

A ética do gênero humano ou antropoiética é um dos princípios norteadores da teoria da complexidade, defendida por Edgar Morin, sendo definida por Moraes (2012, p.133) como:

[...] uma abordagem, que considera tanto o indivíduo, quanto a sociedade e a espécie. E isso passa pela consciência, que o humano vai adquirindo de si mesmo como indivíduo e sujeito, como membro da sociedade e pertencente à espécie humana. Isso implica conceber a humanidade como uma comunidade planetária composta de pessoas que vivem em democracias.

Para Morin (2000, p. 106) a antropoiética supõe a decisão consciente e esclarecida de considerar os seguintes aspectos:

Assumir a condição humana indivíduo/sociedade/espécie na complexidade do nosso ser; Alcançar a humanidade em nós mesmos em nossa consciência pessoal; Assumir o destino humano em suas antinomias e plenitude. (MORIN, 2000, p. 106)

A antropoiética compreende a esperança na completude da humanidade, compreende aspiração e vontade, mas também aposta no

incerto. Ela nos instrui a assumir a missão antropológica do milênio que na ótica de Morin (2000, p. 1006), diz respeito à:

 Trabalhar para a humanização da humanidade;

 Efetuar a dupla pilotagem do planeta: obedecer à vida, guiar a vida;

 Alcançar a unidade planetária na diversidade;

 Respeitar no outro, ao mesmo tempo, a diferença e a identidade quanto a si mesmo;

 Desenvolver a ética da solidariedade;  Desenvolver a ética da compreensão;  Ensinar a ética do gênero humano.

Para tal, o autor aponta para a necessidade de ensinar a democracia, partindo do pressuposto de que esta favorece a relação rica e complexa existente entre o indivíduo e a sociedade, mas chamando a atenção ao fato de que ambos podem mutuamente se ajudar, desenvolver, regular e controlar. Para Morin (2000, p. 108), a democracia supõe e nutre a diversidade dos interesses, bem como a diversidade de ideias, ressaltando que:

A democracia necessita ao mesmo tempo de conflitos de ideias e de opiniões, que lhe conferem sua vitalidade e produtividade. Mas a vitalidade e a produtividade dos conflitos só podem se expandir em obediência às regras democráticas que regulam os antagonismos, substituindo as lutas físicas pelas lutas de ideias, e que determinam, por meio de debates e das eleições, o vencedor provisório das ideias em conflito, aquele que tem, em troca, a responsabilidade de prestar contas da aplicação de suas ideias.

Desse modo, a democracia configura-se como um sistema complexo de organização política “que nutre e se nutre da autonomia de espíritos dos indivíduos, da sua liberdade de opinião e de expressão” (MORIN, 2000, p. 108), no sentido de que “vive pluralidades, concorrências e antagonismos, permanecendo como comunidade”. (MORIN, 2000, p. 108)

Pode-se afirmar, de acordo com o autor, que todas as características da democracia têm em si um caráter dialógico que une de modo complementar termos antagônicos, dependendo das condições de seu exercício. Dessa forma, a democracia ainda não está generalizada em todo o planeta, e as existentes, de acordo com Morin (2000, p. 109) não estão concluídas. Para o autor, não existem democracias inacabadas, apontando que:

Existem processos de regressão democrática que tendem a posicionar os indivíduos à margem das grandes decisões políticas (com o pretexto de que estas são muito “complicadas” de serem tomadas e devem ser decididas por “espertos” tecnocratas), a atrofiar competências, a ameaçar a diversidade e a degradar o civismo. (MORIN, 2000, p. 110)

Acredita-se que esses processos de regressão da democracia estejam relacionados à crescente complexidade dos problemas que se apresentam, bem como à forma de tratá-los, uma vez que a política se fragmenta em diversos campos e a possibilidade de concebê-los em sua totalidade desaparece. Assim, Morin aponta para a necessidade da regeneração democrática, que pressupõe a regeneração do civismo, que supõe a regeneração da solidariedade e da responsabilidade, ou seja, no desenvolvimento da antropoiética.

Desta forma, Morin destaca que a humanidade deve se empenhar para que as sociedades se desenvolvam com a participação dos indivíduos, com consciência comum e solidariedade planetária do gênero humano, visando a reforma do pensamento, constituindo um propósito ético e político para o planeta, sendo esse, sob sua perspectiva, o grande desafio da educação do futuro.