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Sobre os documentos curriculares para o ensino de música

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA 2007 (páginas 135-140)

3 SABERES E FAZERES MUSICAIS DE PROFESSORAS UNIDOCENTES DA EDUCAÇÃO INFANTIL

3.1 Saberes de professoras unidocentes sobre o ensino de música na Educação Infantil

3.1.2 Sobre os papéis ocupados pela música na Educação Infantil

3.1.2.3 Sobre os documentos curriculares para o ensino de música

Outro ponto importante diz respeito ao (des)conhecimento de algumas professoras unidocentes em relação aos documentos curriculares para a Educação Infantil e também para a área de música nesse contexto. Por meio das entrevistas e de nossas observações percebemos diferentes níveis de conhecimento a respeito dos documentos curriculares oficiais para Educação Infantil e para o ensino de música.

A Profa. R. quando questionada sobre os documentos curriculares como RCNEI e as Diretrizes Curriculares do Município, afirmou-nos desconhecer os documentos. Sobre isso comenta:

“Nunca vi. Nem sabia que isto existia. Isto está nos PCNs? (Profa. R.

Entrevista em 24/10/06).

Apesar dos documentos curriculares se constituírem em orientações didáticas, no caso do RCNEI e dos PNC’s, e de, na maioria dos casos estarem disponíveis aos professores, ainda assim é comum na profissão o desconhecimento desses documentos por parte de professores. Esse fato se deve, em alguns casos, ao não acesso a tais documentos e, em outros, à falta de interesse e/ou motivação dos professores em conhecê-los. Assim, compreendemos que, na maioria das vezes, os professores unidocentes têm contato com os documentos curriculares e

com a legislação em seus cursos de formação inicial. Porém, para algumas áreas de conhecimento, como é o caso das Artes, e especialmente da Música, eles são apenas mencionados.

A questão da formação musical de professoras unidocentes em nível universitário é pouco presente em cursos de graduação em Pedagogia ou Normal Superior, conforme consideram pesquisadores como: Bellochio (2002; 2004), Figueiredo (2003) entre outros. Ao pesquisar cursos de Pedagogia, em dezenove universidades da região sul e sudeste do Brasil, Figueiredo (2003) fez a seguinte consideração:

Todas as universidades estão envolvidas na questão da legislação discutindo os novos documentos. No entanto a maioria das instituições ainda não incluiu questões das artes porque há outras prioridades. O que se constata é que pouco ou nada mudou nos cursos de pedagogia com relação ao ensino de artes depois da nova legislação. Os professores de artes entrevistados estão discutindo a legislação em suas disciplinas, mas muitos deles não têm conseguido modificar procedimentos arraigados e formas de pensar que ainda mantêm as artes num plano bastante secundário. (FIGUEIREDO, 2003, p. 3-4).

Ainda que as políticas públicas educacionais e curriculares contemplem o ensino de música, muitas vezes, têm se tornando pouco relevantes ou até mesmo desconhecidas pelos professores unidocentes. Desse modo, leis e propostas oficiais e escolares não têm garantido que a música esteja presente na escola como área de conhecimento. O descompasso entre legislação e realidade vivido pelas escolas brasileiras, refletido aqui na fala de uma docente, indica uma visão limitada e periférica do ensino de Arte. Assim, concordamos com Penna (2004) ao considerar que:

Certamente, como temos insistido, leis e propostas oficiais não têm o poder de, por si mesmas, operar transformações na realidade cotidiana das salas de aula. No entanto, tornando-se objeto de reflexão e questionamento, podem contribuir para as discussões necessárias ao aprimoramento de nossas práticas; analisados e reapropriados, podem, ainda, ser utilizados como base na construção de alternativas. (PENNA, 2004, p. 15)

Nesse sentido, a colocação da Profa. R. nos alerta para uma situação comum na profissão docente que é o desconhecimento a respeito de documentos legais e de documentos oficiais escolares.

A Profa. T. conhece as Diretrizes Curriculares do Município para a Educação Infantil e afirmou ter participado de algumas discussões no CEMEPE quando foram realizados os

estudos para a elaboração de tais diretrizes. Segundo ela foi uma das representantes da sua escola juntamente com a diretora e uma pedagoga. Nessas ocasiões ficava incumbida de passar informações para seus pares da Educação Infantil, porém, segundo ela, isso só acontecia quando tinha tempo. A respeito do RCNEI a Profa. T. afirma desconhecê-lo e também justifica tal desconhecimento:

[...] Aqui na escola não tem [o RCNEI]. Uma coisa que muitas vezes

conversamos é que se aqui fosse uma escola voltada só para a Educação Infantil eu acho que a visão de Educação Infantil aqui seria outra, mas aqui são duas ou três salas isoladas dentro de uma escola de ensino fundamental. Então acho que nós poderíamos ter tido o conhecimento desses documentos, mas como não é uma escola voltada só para a Educação Infantil e sim para o ensino fundamental, nós ficamos restritos só às propostas curriculares.[...] Eu acho que eu deveria ir atrás, mas por exemplo, esse RCN eu nem sabia, eu sei dos PCNs, mas esse direcionado para a Educação Infantil eu não conheço, nunca ouvi falar, se eu estivesse em uma escola voltada só para a Educação Infantil a coordenadora poderia passar. E muitas vezes, as coisas da Educação Infantil nós que corremos atrás, nesses dois últimos anos temos a coordenadora S. que é muito dedicada à Educação Infantil, nos proporciona momentos, nos traz o que está acontecendo, teve todo o empenho de ter aquelas oficinas e termos aqueles momentos dos cursos e vivenciar música dentro dessa linguagem, dessas diretrizes que foram tão trabalhadas para serem realmente efetivadas a partir do ano que vem e que já virão com todos esses transtornos, mas eu espero que nunca deixe de ter Educação Infantil. Nós não tínhamos essas orientações pedagógicas que nos trouxessem coisas da Educação Infantil, nós estamos vivendo mais isso nesses dois últimos anos [...]. ( Profa. T. Entrevista em 17/10/06).

(Acréscimo nosso)

Apesar das informação da professora sobre a não existência do citado documento na escola verificamos e encontramos na biblioteca da escola pelo menos um exemplar dos três volumes do documento. Concordamos com a posição da Profa. T., até certo ponto, ao justificar seu desconhecimento pelo fato da escola em que atua não ser uma escola de Educação Infantil. Percebemos que o fato da escola não se configurar somente como uma escola de Educação Infantil como é o caso das EMEIS, tem deixado muito a desejar quanto à estrutura física da escola para atender alunos na faixa etária compreendida pela Educação Infantil e também com relação à proposta pedagógica para essa modalidade de ensino. Percebemos isso não só nas falas das professoras, mas também com o que observamos no período em que estivemos na escola acompanhando seu trabalho.

Também percebemos uma confusão por parte das professoras no discernimento do que são as Diretrizes Curriculares do Município para Educação Infantil, o RCNEI e o Planejamento Anual para Educação Infantil da escola. Quando questionadas à respeito deste último documento escolar as professoras não souberam do que se tratava. Ora referiam-se às Diretrizes Curriculares, ora à lista de conteúdos da Educação Infantil. Assim, segundo a fala da Profa. T., percebemos que na Escola Leilão de Jardim, a Educação Infantil tem sido relegada à segundo plano por ser uma escola de Ensino fundamental. Durante o tempo em que lá estivemos acompanhamos alguns problemas enfrentados pelas professoras em relação a esse nível de ensino e concluímos que providências precisam ser tomadas com urgência. Além da falta de infra-estrutura física da escola para atender alunos na faixa etária compreendida pela Educação Infantil, como várias vezes foi citado pelas professoras a necessidade de construir um parque para as crianças, banheiros, cobertura externa às salas de Educação Infantil, lavatório para escovação de dentes, entre tantos outros, também citamos a falta de cursos de formação continuada para as professoras desse nível de ensino e o descuido da escola no processo de elaboração do Planejamento Anual da Educação Infantil. As professoras da Educação Infantil não participaram da construção da proposta o que é confirmado pelo desconhecimento do referido documento. A proposta foi elaborada pela coordenação da Educação Infantil da escola Leilão de Jardim e as professoras não tiveram acesso ao documento pronto.

Desse modo, além do desconhecimento a respeito do documento percebemos que ele pouco tem contribuído para as práticas das professoras, especialmente as musicais. O Planejamento anual da Educação Infantil, conforme anunciamos no capítulo 1 deste trabalho, contempla a área de música somente no documento referente ao 2º período da Educação Infantil da escola Leilão de jardim. O documento apresenta-se confuso e ainda inconcluso60. Nesse sentido, percebemos o descuido da escola com relação aos documentos oficiais e escolares no que diz respeito à sua elaboração e divulgação que pouco têm contribuído para as práticas pedagógicas de professores, especialmente, as práticas musicais.

A Profa. C. quando questionada a respeito dos documentos curriculares para Educação Infantil informou-nos que conhece um pouco a proposta de música contida no RCNEI, sabe também que a música está contemplada nas Diretrizes Curriculares do Município e acredita

60 Apesar de nossa insistência na aquisição desse documento, o que conseguimos foi uma versão incompleta que

se encontrava em fase de digitação. Até o final do ano letivo de 2006 as professoras não haviam recebido o documento e dispunham apenas da lista de conteúdos anexada no Diário de Classe.

que também esteja contemplada no Projeto Político-Pedagógico da escola. A Profa. C. comentou o seguinte sobre o RCNEI:

[...]conheço pouco. Eu andei lendo algumas coisas, pois quando fomos montar a proposta para a Educação Infantil, [Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil do Município] nós tivemos que

ler várias; e a música é um dos eixos temáticos colocados na proposta, então tem-se a questão do lúdico e também da música. [...] Para ser sincera eu classifico como sendo uma coisa muito boa, até que enfim eles acordaram para perceber o quanto a música pode contribuir, que a música é uma área de conhecimento e que pode vir a contribuir com as outras áreas de conhecimento e que em países mais desenvolvidos do que o nosso a música faz parte do currículo escolar. E o quanto a música desenvolve o aprendiz nos demais conteúdos considerados tão importantes, porque ela faz com que se desenvolva na criança e mesmo no adulto, mas principalmente na criança, a percepção; ela tem que despertar muito para a questão da percepção, do ouvir, o quanto uma criança tem que aprender a ouvir para poder aprender música, a disciplina, tudo isso, então, tem uma forma muito positiva. Não é à toa que os países mais desenvolvidos, que já tomaram consciência disso, faz disso uma área de conhecimento tão importante quanto as outras, então eu acho que já acordaram tarde para essa verdade, mas ainda falta muito para que o que eles querem realmente seja concretizado nas nossas escolas, porque nas escolas ainda falta tudo. A própria aula de artes visuais que já está inserida nas escolas ainda falta o devido valor que ela realmente tem, falta um reconhecimento. Quando o governo precisa diminuir gastos, a primeira coisa que eles pensam é cortar a aula de artes e de educação física, mas primeiro ainda, a de artes, pois consideram que ainda são secundárias, no meu ponto de vista. Então, se tem o professor bem, se não tem, quando arrumar está tudo certo. Acredito que eles começam a reconhecer a questão da música mas ainda falta estrutura na escola para levar a música para dentro da escola, porque para eles levarem a música para uma instituição, eles têm que contratar um professor especializado nessa área, há de ser uma pessoa que tenha conhecimento nessa área, não pode ser qualquer um como eles fazem com as artes visuais, se tem professor tem, se não tem eles contratam um regente para tapar buraco, não pode ser assim. Tem que ter uma proposta, um trabalho elaborado para se desenvolver, não pode simplesmente implantar a música e colocar lá e não ser funcional, tem que ser funcional, tem que ter um objetivo, mas eu ainda acredito que é o primeiro passo, talvez não vai ser para essa década, mas tudo na vida é um amadurecimento, e essa questão da música ser abordada já foi um primeiro passo para que isso seja despertado[...] (Profa . C., Entrevista em 04/12/2006) (Acréscimo nosso).

As professoras atribuem esses seus (des)conhecimentos à fatores como: o fato de a escola onde atuam não ser exclusivamente uma escola de Educação Infantil e a inexistência

dos documentos na escola. Porém, entendemos que esses fatores não justificam tal desconhecimento, uma vez que poderiam conhecê-los por outros meios.

Apesar do pouco conhecimento das professoras em relação aos documentos curriculares, todas as professoras colaboradoras defendem a importância de uma proposta pedagógica que contemple o ensino de música nesse contexto. Compreendemos também que além do (des)conhecimento em relação aos documentos oficiais e escolares para a Educação infantil, faltam condições para os professores e para a escola como um todo poder colocar em prática o que os documentos prevêem. É sabido que as propostas contidas no RCNEI nem sempre condizem com a realidade das instituições e de seus professores e isso tem dificultado a implementação das práticas sugeridas pelo documento61.

Assim, outro ponto que merece ser discutido diz respeito aos gostos, preferências e ao repertório utilizado pelas professoras unidocentes no cotidiano escolar. Nesse intuito abordaremos no item abaixo nossos achados importantes a esse respeito.

3.1.2.4 Sobre os gostos, as preferências musicais das professoras e o

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA 2007 (páginas 135-140)