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CAPÍTULO 4 –O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA

4.1. Sobre a velha necessidade de um novo Estado Brasileiro

Há mais de vinte anos atrás, pronunciava-se o então Presidente da República do Brasil, Fernando Henrique Cardoso para aduzir que, muito embora a implementação de uma administração pública formal baseada em princípios racional-burocráticos tenha sido fundamental para fazer frente ao patrimonialismo, ao clientelismo e ao nepotismo, tal sistema de administração acabou se revelando lento e ineficiente para a solução dos problemas que o país passou a enfrentar com o advento da globalização econômica, exatamente por se limitar a padrões rígidos de hierarquia e por se concentrar no controle de processos, ao invés do foco em resultados. Em resposta ao problema vislumbrado, aduzia o líder máximo da nação:

É preciso, agora, dar um salto adiante, no sentido de uma administração pública que chamaria de “gerencial”, baseada em conceitos atuais de administração e eficiência, voltada para o controle dos resultados e descentralizada para poder chegar ao cidadão, que, numa sociedade democrática, é quem dá legitimidade às instituições e que, portanto, se torna “cliente privilegiado” dos serviços prestados pelo Estado. É preciso reorganizar as estruturas da administração com ênfase na qualidade e na produtividade do serviço público; na verdadeira profissionalização do servidor, que passaria a perceber salários mais justos para todas as funções. Esta reorganização da máquina estatal tem sido adotada com êxito em muitos países desenvolvidos e em desenvolvimento118.

Estas palavras, que tinham por escopo apresentar o “Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado”, elaborado pelo então “Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado”, aprovado pelo Presidente da República em novembro de 1995, apontam, de maneira inquestionável, tanto para a necessidade da reforma dos aparelhos de Estado quanto para esclarecer que reforma seria esta,

118 BRASIL. Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado. 1995, p. 06 a 08. Disponível emhttp://www.bresserpereira.org.br/Documents/MARE/PlanoDiretor/planodiretor.pdf, acesso em 25/01/2016:

qual seja, a passagem do Estado formal e burocrático, para o Estado com foco em resultados, onde o cidadão “se torna cliente privilegiado”.119

O referido plano identificava três modelos básicos de administração da coisa pública, os quais se sucedem no tempo, sem que nenhuma delas tenha sido inteiramente abandonada.

O primeiro modelo corresponderia à administração pública patrimonialista, na qual o aparelho do Estado funciona como uma extensão do poder do soberano. Não se diferenciam, neste modelo, a res publica e a res principis. Cargos públicos são distribuídos entre familiares e afetos, sem quaisquer ponderações acerca da igualdade de oportunidade de ocupa-los. Como decorrência inafastável, o nepotismo e a corrupção se tornam práticas inerentes a este tipo de administração. Quando em confronto aos valores capitalistas e democráticos, então em ascensão, a administração patrimonialista passe a ser percebida como uma excrescência inaceitável.

O segundo modelo se refere à denominada administração pública burocrática, que passa a ser adotada a partir da segunda metade do século XIX, justamente com a missão de superar a corrupção e o nepotismo impregnados às estruturas de governo patrimonialistas. Fundado nos ideais de profissionalização dos prestadores de serviços públicos, de formação de carreiras com racional hierarquia funcional, de impessoalidade e de formalismo, o modelo de administração pública burocrática se estabelece a partir de rígidos processos de contratação de servidores, de compras de produtos e serviços e de atendimento ao público. Os processos rígidos são os meios de combate aos males do sistema anterior e acabam por se tornar mais importantes que os fins do serviço público em si. Mais vale não prestar o serviço sem um rígido processo que lhe assegure legalidade, que prestá-lo a despeito deste valor. O Estado, neste modelo, volta sua atenção para seus processos internos, olvidando-se de sua missão precípua de servir. Embora teoricamente eficaz no controle de abusos, manifesta o imperdoável defeito da ineficiência, da auto

119 Ibidem, p. 06: Este “Plano Diretor” procura criar condições para a reconstrução da administração pública em bases modernas e racionais. No passado, constituiu grande avanço a implementação de uma administração pública formal, baseada em princípios racional-burocráticos, os quais se contrapunham ao patrimonialismo, ao clientelismo, ao nepotismo, vícios estes que ainda persistem e que precisam ser extirpados. Mas o sistema introduzido, ao limitar-se a padrões hierárquicos rígidos e ao concentrar-se no controle dos processos e não dos resultados, revelou-se lento e ineficiente para a magnitude e a complexidade dos desafios que o País passou a enfrentar diante da globalização econômica”. (Grifos nossos).

referência e da incapacidade de voltar-se para o serviço aos cidadãos vistos como clientes.

Como resposta às deficiências dos modelos anteriores, o modelo de administração pública gerencial constitui a síntese. Nas exatas palavras extraídas do plano diretor ora estudado, são características da administração pública gerencial:

A eficiência da administração pública - a necessidade de reduzir custos e aumentar a qualidade dos serviços, tendo o cidadão como beneficiário - torna-se então essencial. A reforma do aparelho do Estado passa a ser orientada predominantemente pelos valores da eficiência e qualidade na prestação de serviços públicos e pelo desenvolvimento de uma cultura gerencial nas organizações.

[...]

Na burocracia pública clássica existe uma noção muito clara e forte do interesse público. A diferença, porém, está no entendimento do significado do interesse público, que não pode ser confundido com o interesse do próprio Estado. Para a administração pública burocrática, o interesse público é frequentemente identificado com a afirmação do poder do Estado. Ao atuarem sob este princípio, os administradores públicos terminam por direcionar uma parte substancial das atividades e dos recursos do Estado para o atendimento das necessidades da própria burocracia, identificada com o poder do Estado. O conteúdo das políticas públicas é relegado a um segundo plano. A administração pública gerencial nega essa visão do interesse público, relacionando-o com o interesse da coletividade e não com o do aparato do Estado. A administração pública gerencial vê o cidadão como contribuinte de impostos e como cliente dos seus serviços. Os resultados da ação do Estado são considerados bons não porque os processos administrativos estão sob controle e são seguros, como quer a administração pública burocrática, mas porque as necessidades do cidadão cliente estão sendo atendidas.

A partir desta visão, ou seja, identificada a necessidade de implantação de um modelo de administração pública gerencial no Brasil, o ora comentado plano diretor apresenta uma “estratégia de transição”, que inclui três dimensões: a) institucional-legal; b) cultural; c) aperfeiçoamento da gestão pública. Interessa-nos a primeira destas dimensões, “institucional-legal”, que previa a necessidade de emendas à Constituição Federal, entre as quais uma nos interessa de forma especial, por tratar precisamente da reforma administrativa e de seus princípios norteadores, em especial o princípio da eficiência. Esta proposta foi aprovada três anos mais tarde, sob a forma da Emenda Constitucional nº. 19 de1998.

E é justamente sobre o princípio da eficiência, uma das mais importantes inovações trazidas pela Emenda Constitucional nº. 19 de 1998, que passaremos a tratar no tópico seguinte.