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Sobreposição Áreas de Proteção Integral e Zoneamento SEMURB/IBAM – ZPA 9

Fonte: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, 2012.

A partir da análise do relatório de regulamentação da ZPA 9, constatamos que “o uso predominante em toda esta zona é o residencial, mesmo existindo em toda sua extensão uma diversidade de usos, tais como: prestação de serviços, comercial, institucional, misto e granja (considerado uma tipologia residencial específica)” (SEMURB, 2015, p. 114). Essas granjas encontram-se principalmente nas proximidades das lagoas e do rio Doce, onde são desenvolvidas diversas atividades agrícolas, sobretudo o cultivo de hortaliças.

A ZET, 4 por sua vez, está localizada no bairro da Redinha, com uma área de 1.540.187m², conforme foi possível visualizar no Mapa 9. As zonas de interesse turístico estão instituídas pela Lei Federal nº 6.513, de 1977, correspondendo a trechos contínuos do território nacional, incluindo as águas territoriais que deverão ser reservadas e valorizadas nos

68 sentidos cultural e natural destinados à realização de planos e projetos de desenvolvimento turístico.

No entanto, assim como as ZPAs 8 e 9, a ZET 4 ainda está em processo de regulamentação. O Plano Diretor do Município de Natal, Lei Complementar 082/2007, estabelece que as áreas de interesse turístico necessitam ter um controle de gabarito, das quais, mesmo que sejam passíveis de adensamento, possam proteger o valor cênico- paisagístico, assegurando as condições de bem-estar, garantia da qualidade de vida e o equilíbrio climático da cidade (SEMURB, 2015).

No que se refere às Áreas Especiais de Interesse Social (AEIS), essas são definidas pelo Plano Diretor de Natal em seu artigo 6º, inciso VII, como

Áreas que se configuram a partir da dimensão sócio - econômica e cultural da população, com renda familiar predominante de até 3 (três) salários - mínimos, definida pela Mancha de Interesse Social (MIS), e pelos atributos morfológicos dos assentamentos (NATAL,2007).

Sendo assim, analisando o Plano Diretor da cidade de Natal, constatamos que a Região Administrativa Norte possui duas AEIS, a de Jardim Progresso (AEIS Jardim Progresso) e a da Favela da África (AEIS Favela da África). A AEIS de Jardim Progresso foi instituída pela Lei Municipal 5.555, de 25 de março de 2004, estando localizada no bairro de Nossa Senhora da Apresentação.

Sobre a ocupação do Jardim Progresso, Silva (2003) afirma que o adensamento habitacional dessa área não seguiu nenhum parcelamento; os tamanhos dos lotes e a abertura de vias foram resultados da ação individual de cada morador que cercava e construía sua moradia por meio da autoconstrução. Essas formas clandestinas de ocupação atreladas a quase inexistência da fiscalização pelo poder público fizeram com que a AEIS de Jardim Progresso, no ano de 2001, já contasse com aproximadamente 4.000 casas (DUARTE, 2011), tornando- se uma área considerada como desprovida de infraestrutura e de qualidade habitacional, caracterizando-se como a “periferia da periferia” (SILVA, 2003; DUARTE, 2011).

No que se refere à AEIS Favela da África13, essa foi instituída através da Lei

Municipal nº 5.681, de 22 de setembro de 2005, e está localizada no bairro da Redinha. Essa AEIS é considerada como um assentamento irregular, habitada por indivíduos com enormes carências econômicas e sociais situados em uma “região segregada por um território já segregado”. Além disso, essa área encontra-se sob condições de fragilidade ambiental por

69 estar nas proximidades das ZPAs 8 e 9 (DUARTE, 2011), conforme é possível observar no Mapa 9.

Esses espaços urbanos, mesmo tendo controle normativo de sua ocupação, ainda carecem de ações efetivas que de fato regularizem sua situação, seu controle de ocupação e sua preservação, já que se constatamos que tais espaços seguem o padrão desordenado de ocupação que originou uma parte dessa área da cidade de Natal. Isso fez com que essas áreas passassem a ser consideradas vulneráveis e de alta fragilidade ambiental e social.

3.2 O DESENVOLVIMENTO URBANO E A PRODUÇÃO DO ESPAÇO DA CIDADE DE NATAL

Durante o século XX, a cidade de Natal passou por muitas transformações em seu espaço urbano, sobretudo no processo de expansão do seu perímetro urbano. No entanto, somente a partir da década de 1940 é que ocorreu uma expansão da área urbana da cidade indo para além dos bairros tradicionais, como Cidade Alta, Ribeira e Cidade Nova14 (atualmente bairros de Petrópolis e Tirol). Além desses bairros, o município contava com as seguintes vilas de pescadores: Rocas, Areia Preta, Ponta Negra e Redinha. Eram nessas povoações, incluindo o Passo da Pátria e Alecrim, que se localizava a população pobre de Natal (SILVA, 2003).

Com o advento da Segunda Guerra Mundial nos anos de 1940, essa cidade desencadeou um processo de modernização que promoveu a renovação e o seu crescimento no âmbito físico e social. A localização estratégica de Natal em relação ao continente europeu atraiu a atenção dos norte-americanos, que decidiram instalar uma base militar em Parnamirim, cuja a área ainda pertencia ao município de Natal, haja vista que o seu desmembramento só ocorreu no ano de 1958 (COSTA, 2000).

Assim, o município de Natal recebeu cerca de 10.000 soldados norte-americanos, que, juntamente com soldados brasileiros, passaram a construir, em 1940, a Base Aérea, em 1941, a Base Naval, e, em 1942, a estrada asfaltada, ligando Natal a Parnamirim. Associados a esses eventos, Natal recebeu um fluxo migratório intenso de pessoas que vinham do interior do Estado e de outros locais do Nordeste em busca de conseguir um emprego nas obras das instalações militares, haja vista que as mudanças estruturais na cidade criaram uma ideia de

14 O bairro de Cidade Nova foi fruto do primeiro plano urbanístico de Natal (Plano Polidrelli), que tinha seus

traçados em forma de tabuleiro de xadrez. Esse bairro era destinado para a classe de alto poder aquisitivo da sociedade natalense e ainda nos dias atuais (2018) permanece como bairro nobre.

70 “falso progresso”, como bem ressalva Clementino (1990). Esse fluxo migratório também foi impulsionado pelos períodos de estiagem, fazendo com que a população da cidade de Natal, que tinha 30.696 habitantes em 1920, passasse para 54.836 habitantes nos anos de 1940 e chegasse a 103.215 habitantes nos anos de 1950, conforme podemos observar no Gráfico 2.

Gráfico 2 – Evolução Populacional da Cidade de Natal 1920 a 1950

Fonte: IBGE, 2010.

Analisando os dados contidos no Gráfico 2 e nas informações citadas anteriormente, percebemos que há um crescimento rápido da população de Natal, com variação de aproximadamente 78,64% entre os anos de 1920 a 1940 e de 88,22% de 1940 a 1950 (COSTA, 2000). Esse crescimento populacional influenciou em mudanças estruturais urbanas da cidade na formação de áreas periféricas e na intensa especulação imobiliária, criando espaços seletivos. Esse aumento da população beneficiou, sobretudo, o setor imobiliário, que, nas palavras de Lima (2006), foi, juntamente com os taxistas, o que mais lucrou no período da Segunda Guerra Mundial.

Foi durante esse período também que emergiu em Natal um mercado de terras que passou a transformar o solo rural em solo urbano, elevando assim seus preços. Ferreira (2000, p. 5) afirma que “as mudanças que ocorreram na economia do estado do Rio Grande do Norte e na cidade de Natal durante a Segunda Guerra Mundial deram um novo significado para a questão do solo urbano e a expansão do espaço físico da cidade” (Tradução nossa). Para essa autora, essa valorização do solo urbano aconteceu principalmente devido aos seguintes

0 20.000 40.000 60.000 80.000 100.000 120.000 1920 1940 1950 H a bita nte s Crescimento Populacional

71 fatores: crescimento populacional; transferência de capital para o setor imobiliário15; elevação da renda familiar; criação de uma infraestrutura rodoviária; existência de terras improdutivas na periferia da cidade (área rural); e definição insuficiente do perímetro urbano.

É notório que a Segunda Guerra Mundial contribuiu no processo de produção do espaço urbano de Natal; porém, ressaltamos que o auge do processo de transformação em Natal ocorreu no curto espaço de dois anos (1942-1943), período em que foi realizada a maior parte das obras de infraestrutura e de instalações de suporte de guerra; posterior a esse período, os empregos e as oportunidades de negócios ficaram escassos (LIMA, 2006). E, ao final da guerra, a situação em Natal não foi diferente: a desilusão, o desemprego e a pobreza continuavam sendo a face urbana da cidade, pois o processo de modernização foi imposto por fatores externos que não eram compatíveis com as experiências locais de urbanização e de sociabilidade, servindo assim para acentuar ainda mais as desigualdades sociais já existentes antes da guerra.

Nos anos de 1960, a cidade de Natal deixou de ter características restritas a pequenos comércios e funções administrativas e passou a ter uma expansão mais acentuada, tendo como suporte o crescimento de algumas atividades e a política de desenvolvimento regional de caráter urbano-industrial. A partir do ano de 1963, o governo do Estado elaborou o primeiro Plano Habitacional Popular, que surgiu antes mesmo do Banco Nacional de Habitação16 (BNH), através da criação da Fundação de Habitação Popular (FUNDHAP), que funcionou até 1971 (COSTA, 2000). Foi durante essa década também que ocorreu o golpe militar17 no

país, no ano de 1964.

O governo militar buscou, através do seu plano de ação, intervir na questão habitacional em face do rápido crescimento da população urbana e devido ao déficit habitacional estimado em 7 milhões de unidades (LIMA, 2001). Nessa conjuntura, foram criados o Serviço Federal de Habitacional e Urbanismo (SERFHAU) 18 e o BNH, sendo este último voltado para o financiamento de programas setoriais que tinha, entre outras finalidades: gerir os recursos do Sistema Financeiro de Habitação (SFH); elaborar e executar

15 Essa transferência de capital para o setor imobiliário ocorreu quando as famílias e/ou determinados grupos que detinham riquezas advindas da Segunda Guerra Mundial transferiram seu capital para o setor imobiliário, reservando terras e gradualmente dividindo as fazendas improdutivas em lotes, ativando assim o mercado de terras na periferia do município (FERREIRA, 2000).

16 O Banco Nacional de Habitação (BNH) foi criado pela Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964. Para maiores

detalhes sobre a atuação desse órgão em Natal, consultar Medeiros (2015).

17 O golpe militar foi um ato caracterizado pela tomada do poder pelas forças armadas (golpe de Estado), instaurando um regime de ditadura militar.

18 Sobre a experiência do SERFHAU enquanto órgão federal de planejamento integrado, consultar Vizioli

72 projetos de conjuntos habitacionais; e desenvolver pesquisas tecnológicas necessárias à melhoria das condições habitacionais no Brasil (MEDEIROS, 2015). E o SERFHAU tinha como atribuições promover pesquisas e estudos relativos ao déficit habitacional, aspectos de planejamento físico, técnico e socioeconômico da habitação e ajudar os municípios na elaboração de planos diretores (VIZIOLI, 1998).

A atuação do BNH acontecia por intermédio de agentes promotores, entre eles a Companhia de Habitação Popular (COHAB) e o Instituto de Orientação às Cooperativas Habitacionais (INOCOOP-RN), que foram criados em níveis estaduais e foram responsáveis pelas construções de inúmeros conjuntos habitacionais não apenas no Rio Grande do Norte, mas também em outras cidades brasileiras. Ao discorrer sobre a atuação do BNH, Medeiros (2015) relata que esse órgão “[...] iniciou suas atividades em Natal no final dos anos de 1960 com a conclusão do conjunto habitacional da Cidade da Esperança19, iniciado pela FUNDHAP em 1967, e a construção dos conjuntos habitacionais Boa Vista e Neópolis”. Na Imagem 3, é possível visualizar parcialmente o conjunto Cidade da Esperança em seu processo de construção.

Imagem 3 – Vista parcial do Conjunto Habitacional Cidade da Esperança

Fonte: GALVÃO, s/d apud NATAL, 2006.

19 Esse conjunto habitacional foi oficializado como bairro de Natal ainda no ano de 1967; porém, teve seus

73 Os anos finais da década de 1960 também foram caracterizados pelo processo de transformação no padrão de moradia da sociedade natalense, com a construção da primeira edificação verticalizada destinada para o uso residencial na cidade; trata-se do Edifício Salmar (Imagem 4), que iniciou sua construção no ano de 1967 e foi inaugurado no ano de 1969 (COSTA, 2000; TAVARES, 2009).

Imagem 4 – Edifício Salmar, no bairro da Cidade Alta-Natal-RN

Fonte: COSTA, 2000.

Essa nova forma espacial de residir começou a ser símbolo de status social na cidade de Natal, tendo em vista que apenas a população de alto poder aquisitivo podia adquirir um apartamento, sendo, portanto, um novo modelo ideal de moradia que oferecia conforto e segurança aos seus moradores.

74 O período compreendido entre as décadas de 1940 a 1960 em Natal é marcado por uma desordenada e progressiva ocupação do solo sem que houvesse uma preocupação do poder público local com o ordenamento, regulação dessa ocupação e a produção imobiliária. Verificamos nesse período a forte presença das unidades habitacionais através do parcelamento privado do solo, o surgimento do mercado de terras e o surgimento de novos núcleos para a população de baixa renda, como Brasília Teimosa e Mãe Luiza (DUARTE, 2011). Nessa conjuntura, a dinâmica da cidade de Natal mudou na fase do loteamento de seu território com a emergência do mercado de terras, já que o seu solo passou a ser um fator importante para a acumulação de capital (PINHEIRO, 2011).

A década de 1970 foi caracterizada como o período das transformações no espaço urbano de Natal, com as construções de diversos conjuntos habitacionais sob a responsabilidade da COHAB-RN e do INOCOOP-RN. Sendo que a COHAB construía conjuntos populares destinados aos indivíduos assalariados com renda familiar de até 5 salários mínimos e em áreas pouco valorizadas; e o INOCOOP produzia conjuntos habitacionais de casas e edifícios destinados à população com renda familiar entre 5 e 10 salários mínimos e em áreas mais valorizadas, acentuando assim as desigualdades e a segregação socioespacial.

Atrelada às diferentes formas da habitação, a segregação socioespacial também é evidenciada pela disponibilidade dos equipamentos públicos, pois, como bem evidencia Villaça (1997, p. 4), “através da segregação, as camadas de alta renda dominam o espaço urbano, não só produzindo suas áreas residenciais nas áreas mais agradáveis e bem localizadas, mas também atuando sobre toda a estrutura urbana segundo seus interesses”. No entanto, a atuação das classes sociais mais aprazíveis sobre o espaço urbano é decorrente da permissão do Estado que favorece esses segmentos e o mercado imobiliário, tendo em vista que

[...] Nenhum padrão residencial, quer incentive, quer contrarie a segregação residencial, poderia existir sem uma ação fundamental por parte do Estado. [...] a estrutura legal que possibilita os empreendimentos baseia-se em leis promulgadas e sancionadas pelo Estado: leis que concernem ao direito de propriedade privada, instrumentos financeiros, despejos e ações legais de posse, proibições contra invasões, apoiadas por tribunais, pela polícia, xerifes e agências fiscalizadoras. Depois a construção de estradas, a provisão de infra-estrutura, a concessão ou retenção de licenças de construção, a arrecadação de impostos e a provisão de serviços municipais necessários a qualquer tipo de vida urbana, são todas funções do Estado (MARCUSE, 2004, p. 29-30).

Todas essas atuações explicitadas por Marcuse (2004) e evidenciadas por Villaça (1997) demonstram a seletividade da ação do Estado na formação das áreas, principalmente

75 naquelas destinadas a moradia. Foi no contexto da atuação da COHAB-RN, com a construção dos grandes conjuntos habitacionais horizontais, localizados na periferia social de Natal, e com a instalação do Distrito Industrial de Natal (DIN), que a Região Administrativa Norte ganhou seus primeiros conjuntos, como será apresentado no próximo capítulo.

Foi durante a década de 1970 também que a transformação e a expansão horizontal da cidade de Natal tornaram-se mais visíveis como consequência da política de habitação e dos programas de investimentos urbanos para obras de infraestrutura, empreendidas pelo poder público, acentuando ainda mais a modificação da sua paisagem urbana (COSTA, 2000). Nesse período também foi instituído o primeiro Plano Diretor de Natal, sob a Lei Nº 2.211/74, elaborado a partir do Plano Serete20 (DUARTE, 2011). Esse plano não teve nenhuma participação popular e foi elaborado a partir de um ideário racionalista e funcionalista, tendo como principal preocupação o desenvolvimento econômico do município. A década de 1980 foi considerada como marco de maior ampliação do espaço urbano de Natal e como período em que o processo de verticalização passou a se acentuar no tecido urbano da cidade. Nessa década também foi criado o Plano Diretor de Organização Físico-Territorial de Natal, sob a Lei Nº 3.175/84, que tinha uma visão de planejamento urbano com o caráter tecnocrático, de controle físico e territorial, em que o solo urbano era tratado de forma segmentada através de estabelecimento de usos diferenciados para cada área da cidade, considerando as diferenciações históricas dessas localidades (DUARTE, 2011).

No ano de 1989, as áreas da cidade passaram a ser consideradas como Regiões Administrativas sob a Lei Nº 3.878/89. Dessa forma, Natal passou a ter quatro Regiões Administrativas, a saber Norte, Sul, Leste e Oeste, que possuem atualmente (2018) 36 bairros, com área territorial de 170km² e podem ser observadas no Mapa 9.

20 Segundo Duarte (2011), o Plano Serete foi o Plano Urbanístico e de Desenvolvimento de Natal elaborado pelo

escritório de arquitetura Wilheim Arquitetos Associados-Escritório Serete S.A. Engenharia e, por isso, denominado Serete.

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